Comportamento

Daniela Piva

Hobbies para poucos

Daniela Piva
21/03/2015 15:01
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Conrado Berthe, 44 anos, em meio aos seus 13 aviões: paixão começou na infância e a primeira aeronave foi comprada com dinheiro emprestado da avó. | Gazeta do Povo

Há quem colecione sonhos e memórias. Outros preferem aproveitar o tempo – e o dinheiro – para satisfazer desejos. Na busca de realização pessoal, vale tudo: comprar um carro do século passado e reformar, personalizar e pilotar o próprio avião, descobrir mares em um veleiro, discutir negócios jogando golfe, saltar obstáculos com seu cavalo fiel ou acomodar-se na chaise desenhada por Oscar Niemeyer e apreciar uma galeria de arte privativa.
Ainda menino, em São Paulo (SP), Conrado Berthe perdia a noção de tempo ao desenhar. A habilidade do filho para as artes chamava a atenção da mãe Vera, que também notava algo recorrente: nas ilustrações, o menino aparecia  entre nuvens ou estava em destaque entre aviões. O pai decidiu dar asas ao sonho latente do garoto  e passou a levá-lo ao aeroporto de Congonhas para apreciar as aeronaves.
Em 2003, a família veio a Curitiba e Berthe se matriculou no curso de Ciências Aeronáuticas, na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Com duração de três anos e matérias teóricas que vão desde medicina aeroespacial à performance, peso e balanceamento de aeronaves, a parte prática exige muitas horas de voo para que o estudante tire o brevê (licença que permite pilotar). Além disso, cada hora de instrução pode custar até R$ 1.600, dependendo do modelo do aeroplano. Interessado em baratear os custos, surgiu a ideia: por que não ter seu próprio avião?
Quem fez o desejo decolar foi dona Lavínia, a avó, que emprestou o dinheiro para a compra da primeira aeronave. De lá para cá, ele deu instrução de voo, foi piloto comercial da TAM e, atualmente, é proprietário de uma escola de aviação. Mas, solteiro, aos 44 anos e com 13 aviões, comandante Berthe só quer saber de estar nas alturas por hobby. Perdeu-se nas contas e acredita ter mais de 2 mil horas de voo – o que não considera muito – mas é um apaixonado confesso por aeronáutica.
Inspirado por um documentário que retrata a vida de tubarões selvagens que pulam alto, quando está longe do céu pinta rostos dos peixes em todas as suas máquinas, que também ganham nomes. As placas são escolhidas com as iniciais de quem quer homenagear: VER e LAV (Vera e Lavínia, a mãe e a avó), é claro, são seus aviões favoritos.
Golfe e negócios
O empresário Diego Veiga, 24 anos, é um apaixonado por  golfe: network e novas ideias.
O empresário Diego Veiga, 24 anos, é um apaixonado por golfe: network e novas ideias.
O avô e o pai do economista e empresário Diego Veiga, de 24 anos, deram suas primeiras tacadas no Graciosa Country Club. Apesar do contato frequente com o golfe, ele não simpatizava com o esporte por achar que a atividade era apenas para senhores abastados. A percepção mudou cedo. Aos 9 anos de idade, em uma das viagens da família para Miami (EUA), o pai o levou a uma loja de artigos esportivos. “Eu olhei aqueles equipamentos todos e fiquei maravilhado. Foi ali, naquele momento, que decidi que queria jogar. Comprei um kit infantil de tacos e comecei a fazer um curso”, revela.
Há 15 anos no esporte, Veiga leva a prática a sério e faz aulas duas vezes por semana no Clube Curitibano. Participa de diversos campeonatos amadores e, de tão aficionado, pensa no hobby como um “plano B” de carreira: “brinco que, se nada der certo, viro golfista”. Além de ser sua maior distração, considera o passatempo excelente para fazer network e ter novas ideias. Ele e seu sócio, por exemplo, se conheceram entre uma tacada e outra.
Puro sangue
Alessandra Poline de Oliveira, 16 anos, com sua amiga inseparável, a puro-sangue  Bianca.
Alessandra Poline de Oliveira, 16 anos, com sua amiga inseparável, a puro-sangue Bianca.
Alessandra Poline de Oliveira, 16 anos, mal sabia caminhar com as próprias pernas quando fez um pedido inusitado aos pais: “quero um cavalo para montar”, sem sequer ter visto o animal de perto. É certo que a mãe, Rosana, criada em fazenda, exerceu certa influência no imaginário da filha ao contar sobre suas aventuras, mas ninguém sabe explicar o fascínio equestre da garota da cidade grande.
Em um restaurante, a família recebeu um panfleto sobre aulas de equitação e a mãe perguntou se ela gostaria de fazer o curso. “Eu tinha 7 anos e lembro desse dia como se fosse ontem. Foi a minha chance de, finalmente, poder montar”, expõe a estudante, que passou a frequentar a hípica três vezes por semana.
Um ano depois a cavaleira saltava obstáculos de um metro, mas parou de praticar a pedido do pai, Jonas, que se preocupou que o passatempo estava ficando sério demais. Porém, todas as vezes que passavam em frente a Sociedade Hípica Paranaense, onde treinava, ela repetia o pedido de ter um cavalo e voltar à equitação. Em 2011, uma vizinha manifestou vontade de aprender a cavalgar e, em uma força-tarefa, convenceram os pais de que poderiam praticar e terem seus próprios animais.
Há quatro anos, a amazona ganhou de presente a puro-sangue uruguaio Bianca. Juntas, participaram de muitos campeonatos e são praticamente a extensão uma da outra: se a menina está montada e vira o corpo para a direita, a égua volta-se para o mesmo lado. Atualmente, Alessandra se prepara para prestar vestibular em Medicina e, para não cair do cavalo, está dando um tempo dos picadeiros (pois o hipismo exige, pelo menos, seis horas semanais). Mas não vê a hora de voltar.
Navegar é preciso
O investidor Rodney Miyakawa, 56 anos, em seu veleiro Darumah: projeto de navegar até o Caribe com a esposa Elza.
O investidor Rodney Miyakawa, 56 anos, em seu veleiro Darumah: projeto de navegar até o Caribe com a esposa Elza.
O analista de sistemas e investidor Rodney Miyakawa, de 56 anos, coordenava uma equipe de 400 pessoas em uma multinacional quando se deu conta de que não estava “vivendo”. A esposa, Elza Fugimoto, na época bancária, também sentia-se cansada dos compromissos do dia a dia e o casal percebeu que precisava de mais tempo para relaxar e curtir com os filhos.
Miyakawa cogitou adquirir mais um imóvel no litoral paranaense, que provavelmente ficaria vazio. Foi quando surgiu a ideia de ter um veleiro pois, como não pode ficar muito tempo sem uso, seria a desculpa perfeita para ter um hobby tamanho família. “Além do mais, você escolhe os seus vizinhos e o seu quintal”, diverte-se.
Comprar o barco foi fácil. Difícil mesmo foi aprender a velejar. Era necessário obter um licença que permite navegar, mas há 20 anos não existia nenhum curso (nem na internet). Ele leu muitos livros para passar na prova da Marinha e conquistou a habilitação de capitão amador de navegação oceânica, que é a categoria mais alta e o autoriza a conduzir embarcações entre portos nacionais e estrangeiros, sem limite de afastamento da costa.
Atualmente, Miyakawa está no terceiro barco, que se chama Darumah – homenagem a um boneco da cultura japonesa que é vendido sem os olhos e que, segundo a tradição, deve-se pintar um olho, fazer um pedido e só desenhar o segundo quando o desejo for atendido. E qual o desejo dele com o veleiro?  Com os filhos, de 27 e 28 anos, encaminhados, só falta velejar até o Caribe para seu darumah “ganhar o outro olho”.
Clássicos na garagem
O empresário Marcus Conte, 49 anos,  mantém impecáveis oito Cadillacs conversíveis das décadas de 1950, 1960 e 1970.
O empresário Marcus Conte, 49 anos, mantém impecáveis oito Cadillacs conversíveis das décadas de 1950, 1960 e 1970.
O empresário Marcus Conte, 49 anos, comprou o primeiro carro quando ainda nem tinha habilitação, aos 16 anos de idade. Após a escola, ele passava horas restaurando o Ford 1928, que só ficou pronto dois anos depois. A paixão, acredita, vem espontaneamente de berço. “Meu pai até gostava de automóveis, mas não era um aficionado. Eu me identifico com carros antigos desde que me conheço por gente”, esclarece.
Formado em Direito, jamais chegou advogar, pois o hobby falou mais alto. Especializou-se em restauração e nunca mais parou. Conte era empresário de outros ramos, mas há 12 anos montou uma oficina que repara qualquer automóvel antigo. Atualmente, ele tem  oito Cadillacs conversíveis das décadas de 1950, 1960 e 1970.
Conte não revela valores, mas sabe-se que um deles custa em torno de R$ 1 milhão. Como seus três filhos não têm muita afinidade com o passatempo, nos fins de semana, participa de exposições na companhia da esposa e roda pela cidade com seus “bebês”.
Galeria em casa
O cabeleireiro e empresário Auro Ottoni, 50 anos, transformou sua casa numa verdadeira galeria de arte contemporânea.
O cabeleireiro e empresário Auro Ottoni, 50 anos, transformou sua casa numa verdadeira galeria de arte contemporânea.
O apartamento do cabeleireiro e empresário Auro Ottoni, de 50 anos, é uma galeria de arte contemporânea. Nas paredes, telas e retratos são expostos com cuidado, e artistas paranaenses como Guita Soifer, Juliana Stein e Carlos Eduardo Zimmermann têm presença garantida. O mobiliário é de designers renomados: Jader Almeida, Oscar Niemeyer, Zanini de Zanine, Sérgio Rodrigues… Até as luminárias são assinadas: peças de Tom Dixon e Philippe Starck dão luz às ideias de Ottoni.
Há cinco anos, ele ganhou o primeiro quadro do amigo e pintor Paulo Meirelles. O cabeleireiro gostou tanto que decidiu colecionar, mas é cuidadoso em suas escolhas. “Para comprar uma obra, antes de tudo, ela precisa me agradar. Depois, peço a opinião da Flávia (Simões de Assis, mãe da dupla Laura e Guilherme Simões de Assis, proprietários da SIM Galeira, especializada em arte contemporânea) para saber se o artista tem uma promessa de carreira. O último passo é saber se eu posso pagar, mas daí parcelo em mil vezes se for necessário ”, brinca.
Ottoni não sabe quantas peças tem, mas acredita que ainda são poucas (mesmo com um quarto abarrotado de composições que, até o momento, não têm lugar fixo). O valor da coleção é estimado em R$ 2 milhões, mas ele não liga para isso. “A obra mais cara que comprei foi de R$ 200 mil, mas também tenho muitas que só têm valor sentimental. Amo chegar em casa e ficar observando as criações. É algo que me acalma”. Seu desejo é ficar velhinho rodeado pela beleza eternizada por gênios. Sua próxima coletânea? Relógios, afinal, gosta de tudo que é atemporal.
Todo hobby é gratificante, diz especialista
Buscar formas de entreter-se e satisfazer desejos é parte essencial da vida e ter um passatempo é considerado fundamental para manter o bem-estar. “O hobby é gratificante por despertar o prazer em realizar a atividade em si, de modo descompromissado, independente dos recursos físicos, monetários ou do resultado obtido”, explica a psicóloga especialista em gestão de talentos Adriana Casado.
Segundo a profissional, além de trazer ganhos físicos e intelectuais, ter uma atividade prazerosa é um modo de relaxar e, até mesmo, promover redes de relacionamento, desenvolver novas habilidades, auxiliar na sensação de pertencimento e melhorar a autoconfiança.
Há quem considere as paixões excessivas. Mas será que deve haver um limite para a autorrealização? De acordo com a psicóloga, não há medida quando se trata de gosto pessoal. Porém, é importante prestar atenção na equação de benefícios versus prejuízos – que podem ser financeiros, emocionais e até mesmo profissionais.
Em alguns casos, o interesse por uma área é tão profundo que se torna ofício. “Do ponto de vista profissional, é seguro afirmar que o entusiasmo e o conhecimento são as chaves para o sucesso. Contudo, o hobby que vira trabalho perde a característica original de ser um lazer e assume exigências inerentes à atividade laboral, como prazos, clientes e metas”, pondera Adriana.
Quanto custa?
Confira os gastos com os hobbies*:
Avião
O modelo mais barato,  um Cessna 150, sai por R$ 140 mil. Mensalidade em hangar (R$ 4 mil) e combustível e manutenção por hora voada (R$ 200).
Golfe
Hora-aula (R$ 150), kit de tacos (R$ 1.950), bolas (R$ 90), vestimenta (R$ 800), acessórios (R$ 2.700). Para praticar em um dos cinco campos de golfe é necessário ser sócio de um clube.
Hipismo
Hora-aula de equitação (R$ 100), vestimenta (R$ 1.500 para iniciantes), kit básico de equipamentos (R$ 2 mil). Se a ideia é ter o próprio animal, o custo aumenta: é possível comprar um cavalo a partir de R$ 15 mil, mensalidade da baia (R$ 1 mil) além dos gastos com saúde. Se o proprietário não puder praticar diariamente, é necessário contratar um montador para que o bicho permaneça alongado.
Carro antigo
O valor é variável, pois depende do modelo, ano de fabricação e do estado de conservação. Para restaurar, as peças precisam ser importadas e, além do preço de cada produto, o custo da reforma é calculado de acordo com a quantidade de horas trabalhadas.
Veleiro
Uma embarcação de 36 pés (R$ 350 mil), mensalidade em marina (R$ 1 mil), combustível marítimo e manutenção (R$ 20 mil ao ano).
Obra de arte
É possível adquirir um quadro a partir de R$ 1.300.
* Valores representam o custo mínimo.