Comportamento

Willian Bressan

Homens em crise

Willian Bressan
27/06/2015 15:00
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Eles confessam que estão inseguros quanto ao papel que devem desempenhar na vida a dois, mas não querem que as mulheres saibam disso. Preferem se abrir com amigos, seja numa roda de bar, ou mesmo em redes sociais – detalhe: sempre em grupos fechados e com a presença validada por um administrador, outro homem, é claro. Admitir dúvidas publicamente está fora de cogitação, por conta da máxima de que o sexo masculino é seguro de si e emocionalmente equilibrado.
Fato é que as mudanças na sociedade, desde o começo do século passado até os anos 2000, deixaram para trás muitas certezas – econômicas, históricas e, não poderia deixar de ser, de gênero. O sociólogo polanês Zygmunt Bauman define o século 21 como dos “tempos líquidos”, em que nada é feito para durar, nem mesmo os papéis estabelecidos por homens e mulheres nas relações. E é essa volatilidade que tem causado muita insegurança ao público masculino. Como se portar no primeiro encontro? O que as mulheres esperam deles? Mais romântico ou mais viril? Tudo bem dividir a conta? E cuidar da pele e do corpo?
Se antes adjetivos como forte, provedor, confiante e emocionalmente equilibrado bastavam para se reconhecer enquanto “homem”, hoje parece existir uma cobrança maior para que eles também incorporem outras qualidades à personalidade, como companheirismo, sensibilidade e romantismo. Toda essa pressão, enfim, estaria levando à tal “crise do macho”?
“Os grandes estereótipos em torno dos quais a masculinidade se estruturou, como o papel de provedor, entraram em crise”, alertou o escritor e psicanalista Contardo Calligaris em entrevista à Folha de S. Paulo, jornal do qual também é colunista. Para a socióloga e professora doutora do Unibrasil Centro Universitário, Laura Garbini Both, é também uma crise de equilíbrio de poder nas relações a dois. “Mulheres ‘empoderadas’ economicamente deslocam o papel tradicional do homem, em uma sociedade patriarcal como a nossa”, argumenta.
A discussão pode até parecer antiga, mas foi capa da revista americana The Economist no mês de maio. Com o título “O sexo mais fraco”, o artigo afirma que os homens estão com problemas e que alguns deles não souberam se adaptar aos novos tempos que envolvem as conquistas femininas. A publicação lembra que a crescente igualdade dos sexos é uma das maiores conquistas da geração pós-guerra, e que as pessoas têm mais oportunidades do que nunca para alcançar suas ambições, independentemente do gênero. Mas alguns homens não estariam conseguindo assimilar essa nova realidade. Por isso, como diz a revista, é “hora de dar uma mão a eles”.
Ambiguidade
E parece mesmo que os homens precisam de ajuda. O livro Como Conquistar Uma Mulher em 15 Minutos (Editora Alto Astral, 160 págs., R$ 39,90 na Livraria Cultura), lançado pelo coach de relacionamento Eduardo Santorini, em poucas semanas figurou na lista dos mais vendidos no Brasil. Com dicas de como se conectar com as mulheres – com conselhos para todas as etapas da conquista –, a publicação tem como objetivo “inspirar homens a se tornarem mais confiantes, carismáticos e atraentes”. O site Atitude de Homem, que originou a obra impressa, conta com mais de 1 milhão de leitores por mês, segundo Santorini. Ele afirma que, há 30 e 40 anos, o processo de conquista era bem diferente, mas que, tal qual naquela época, o homem “não precisa usar máscaras” para conquistar uma mulher.
A socióloga e professora doutora do Unibrasil diz que a sociedade vive um momento de ambiguidade. “Ao mesmo tempo em que se discute publicamente a união homoafetiva, ensina-se que os filhos não podem ter comportamento de ‘mulherzinha’. A superação desses paradigmas se dará na própria experiência histórica, em consequência da educação e da garantia do direito justo e democrático para todos”, espera Laura. Ela lembra que em uma sociedade machista em que o homem é o centro do poder, o reconhecimento da masculinidade começa na educação dada dentro de casa. É neste momento que os meninos aprendem que homens não choram, que não devem expressar sentimentos e que precisam ser viris e, acima de tudo, machos.
Em xeque
Mas, quando, afinal, surgiu a discussão sobre o novo papel do homem? Pesquisadores apontam que foi na efervescente década de 1960 o início das discussões sobre a necessidade de uma redefinição dos modelos, dos estereótipos e dos contextos sociais. A origem do debate é atribuída ao movimento feminista, segundo a professora da Universidade Federal de Santa Maria Vera Lúcia Pires, formada em Letras, com doutorado em Linguística e pesquisadora de relações de gênero. Ao colocar em pauta questões fundamentais à revisão dos papéis de gênero e das relações do poder que se estabeleceram durante muitos séculos, o feminismo, junto com as reivindicações do movimento gay, levaram a um questionamento do comportamento masculino. “Estamos todos em busca da identificação de novos papéis, homens e mulheres. É um cenário bem diversificado de experiência, que retrata bem a busca de um papel para se situar”, acredita Laura.
Metro ou lumber?
A crise masculina fez com que emergissem novos modelos de identificação para o homem na sociedade – o metrossexual e o lumbersexual, por exemplo. Assim como nos clássicos romances do século 19, eles são antagônicos entre si e não admitem meio termo. É quase como a música de Caetano Veloso: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
O termo “metrossexual” foi cunhado pelo jornalista britânico Mark Simpson em 1994 e define o homem cosmopolita dos grandes centros urbanos, que gosta de fazer compras, se depilar e cuidar excessivamente do corpo. Em 2002, o mesmo jornalista definiu que o ex-jogador de futebol inglês David Beckman seria um exímio representante do termo.
O lumbersexual, por sua vez, é exatamente o oposto disso. A palavra é uma mistura de lumberjack (lenhador) + sexual, um homem inspirado no universo do “lenhador”. A representação mais típica é uma barba comprida, geralmente sem muitos cuidados estéticos, camisa xadrez de flanela e um jeans clássico. No Brasil, o ator Cauã Reymond é considerado um legítimo lumbersexual.
O professor de Psicologia da Universidade Positivo, Gilberto Gaertner, explica que são formas de se atentar aos novos tempos: “Quando uma identidade vai ao extremo, logo surge outra alternativa para se contrapor a esta. Cabe ressaltar que as exigências atuais vão horizontalizando homens e mulheres e tornando-se cada vez mais parecidos, assim como a globalização faz com a cultura e os valores”. O coach de relacionamentos Eduardo Santorni crê num modelo que busque o equilíbrio entre as duas identidades. “O homem precisa ser honesto, autêntico, esse é o segredo de qualquer relacionamento. Ele precisa equilibrar as identidades, ora mais sensível, ora mais seguro, esse é o grande desafio”, acredita.
O QUE ELES PENSAM
“No meu casamento, discutimos e concordamos que eu deveria auxiliar mais em casa, ser mais companheiro, sensível, sem deixar a masculinidade de lado.” (Fábio*, empresário de 39 anos,  que reconhece que os homens precisam buscar um equilíbrio. E a solução pode ser encontrada na conversa a dois)
“Não sei se ela quer que eu seja mais sensível ou mais durão. É muito complicado ter que se adequar em cada relação.” (André*, estudante de 17 anos, que admite ficar muito em dúvida quando inicia um relacionamento)
* Os sobrenomes foram omitidos a pedido dos entrevistados.
O QUE ELAS DIZEM
“Tem que ser mais compreensivo, mais calmo, não se precipitar em relação ao primeiro encontro. É preciso conquistar primeiro e esquecer a figura do homem ‘pegador’ e entender que o interior importa mais que o exterior. Ele precisa ser um pouquinho de cada coisa: sedutor, sensível e cavalheiro.” (Paula Haubert, 31 anos, vendedora)
“O homem tem que ser mais compreensivo, dedicado, ajudar muito em casa e entender que a parceria é a palavra chave na relação do século 21. Também precisa esquecer a figura do machão, que não é boa pra ninguém. Mas não pode ser muito sensível porque enche o saco. Acho que o equilíbrio é a melhor coisa.” (Cristiane Ribeiro, 34 anos, vendedora)
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“O homem precisa ter autonomia. A mulher conquistou um grande espaço e, com isso, eles não sabem mais como agir. Ele precisa ter personalidade e atitude. Não é aquele herói do romantismo. Tem que ser sensato, inteligente e respeitoso.”(Lucimar Silva, 46 anos, gestora educacional)
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“Precisa ser companheiro. Aquele que vai construir junto com você uma vida pensando no futuro. Homem provedor não agrega nada, precisa compartilhar e construir junto com você, cada um cumprindo a sua função. Se eu posso trabalhar, eu vou contribuir nas despesas.” (Selma Maria Garcia, 55 anos, professora)
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“O problema também está nas mulheres. Nós fazemos muitos joguinhos, não confiamos em nós mesmas, não somos 100% honestas, isso é uma droga e faz com que o homem fique muito em dúvida de como agir no relacionamento. Honestidade e lealdade precisam fazer parte do homem, bem como entender que a liberdade é primordial para uma relação dar certo no século 21.” (Sabrina Esquibel, 25 anos, vendedora)
Serviço
Fotos: Letícia Akemi/Gazeta do Povo. Modelo: Duílio de Pol, Primeira Linha Casting, fone (41) 9838-8150. Ilustrações:Eduardo Vieira, da Circle Design.
Agradecimentos: Shopping Mueller (enquete). Peças usadas pelo modelo: Salomon Artigos Esportivos (camisa), ParkShoppingBarigüi. VR (necessaire), ParkShoppingBarigüi.