Comportamento

Eloá Cruz, especial para a Gazeta do Povo

Por dentro do universo dos sonhos

Eloá Cruz, especial para a Gazeta do Povo
24/08/2014 03:04
Os sonhos são enigmáticos e sempre despertaram curiosidade. Intrigaram um dos grandes conquistadores da antiga Babilônia, Nabucodonosor. O poderoso rei sonhou com uma grande estátua com a cabeça feita de ouro, peito e braços de prata e ventre e quadris de bronze, e precisou da ajuda do profeta Daniel, aquele da cova dos leões, para a interpretação. Outro personagem bíblico famoso, José, tornou-se governador do Egito por decifrar os sonhos do faraó.
Eles também inspiraram algumas das grandes criações artísticas da humanidade. Paul McCartney, por exemplo, sonhou com toda a melodia da canção “Yesterday” (1965). O cientista James D. Watson, que apresentou a estrutura do código genético em 1953, teve a ideia da forma de dupla hélice do DNA em um sonho. Um cochilo merecido depois de três dias intensos de trabalho fez com que o químico Dmitri Mendeleiv tivesse um sonho revelador sobre uma tabela em que todos os elementos químicos ficavam organizados, a Tabela Periódica (1869).
As mensagens do inconsciente também ajudaram a arquiteta Iraisi Gehring, de 35 anos, a escolher a profissão: “Sonhei que ajudava no plano urbano de uma cidade utópica, com casas e edifícios muito bonitos”, contou. Ela, que costuma lembrar-se dos sonhos pelo menos três vezes por semana, tem a criatividade solta durante a noite. Além de voar constantemente, Iraisi já foi amiga íntima de celebridades como Chico Buarque e Caetano Veloso durante seus sonhos. O significado deles? A arquiteta nunca foi atrás para saber. “Não acredito muito nesses livros de interpretação”, justifica.
Ao contrário de Iraisi, a designer de interiores Priscila Viana, de 32 anos, chegou a procurar no Google os significados dos sonhos mais enigmáticos que teve. “Tentei interpretar sonhos com dente caindo, brigas…”, confessa. Entre os temas mais comuns dos sonhos da designer estão as festas com amigos, viagens para lugares exóticos e momentos com a sua mãe, falecida em setembro do ano passado. Mas, afinal, os sonhos podem revelar?
Inconsciente
O pai da psicanálise, Sigmund Freud (1853 – 1939), foi o primeiro teórico a estudar o significado dos sonhos. Foi a partir deles que Freud desenvolveu um modelo revolucionário para mostrar a organização e funcionamento da mente. Para ele, existem três níveis de consciência: o consciente, que nós o percebemos quando estamos acordados; o pré-consciente, que pode em um primeiro momento não estar ativo quando estamos despertos, mas que vem à tona se desejarmos; e o inconsciente, que pode vir ao consciente em circunstâncias específicas.
Para a presidente da Biblioteca Freudiana de Curitiba, a psicóloga Denise Cuéllar Cini, os sonhos fazem parte da linguagem e têm valor na medida em que são falados e colocados numa cadeia associativa do pensamento, no processo da análise: “Às vezes é a partir de uma imagem, de um número ou de outra coisa qualquer, ditos no relato sobre o sonho, que a cadeia associativa se dará e o trabalho analítico ocorrerá. A interpretação dos sonhos é feita no analista. O paciente e o terapeuta trabalham juntos para desvendar o mistério do sonho”.
Freud x Jung
Em 1907, o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung encontrou e conversou por treze horas seguidas com o próprio Sigmund Freud, para descobrir os mistérios do inconsciente. E os dois tinham divergências fundamentais: enquanto Freud dizia que as causas dos problemas psíquicos estavam sempre envolvidas com algum trauma sexual, Jung admitia fenômenos espirituais como fontes em seus estudos. E discordaram ainda no conceito fundamental de “libido”, que passou a ser “energia psíquica” para Jung.
Para a psicóloga membro do Instituto Junguiano no Paraná, Clara Rossana Ferraro de Sá, a interpretação junguiana dos sonhos é feita a partir de uma análise da “fotografia” do inconsciente. Os sonhos, de acordo com os estudos de Jung, são estruturados por imagens. “Ouvimos o sonho e registramos seus símbolos, seja escrevendo, pintando ou modelando. Permanecemos com ele, para que revele suas facetas”, explica a profissional. “Ao decodificarmos essas metáforas, esses símbolos, podemos reequilibrar nossa energia e nos tornamos mais íntegros, pois construímos o signicado oculto e adquirimos uma consciência mais ampla de nossas ações.”
Um novo olhar a respeito das interpretações dos sonhos foi conhecido quando Jung apresentou a teoria do Inconsciente Coletivo. Este seria a memória das experiências da humanidade armazenadas em imagens universais. “São todos os arquétipos registrados em contos de fadas, mitos, arte, poesia, que nos ajudam a resolver conflitos”, resume.
Sonhos místicos
Na visão da parapsicologia, campo de estudo destinado à investigação de fenômenos paranormais, os sonhos são muito mais que manifestações do inconsciente. Eles podem trazer informações tanto do passado, quanto do presente ou mesmo do futuro. “Os sonhos pré-cognitivos mostram situações que ainda não aconteceram. Eles podem ser avisos para que possamos tomar as devidas providências a tempo”, explica Vilson Rafael Stolf, diretor do Instituto de Parapsicologia do Paraná (Ipappi).
A parapsicologia aponta também para outro tipo de fenômeno ligado aos sonhos: o desdobramento de espírito – capacidade que todo o ser humano tem de projetar a consciência para fora do corpo durante a noite. Algumas pessoas têm a sensação de estar caindo ou escorregando em um buraco ao despertar ou adormecer. Isso acontece justamente por causa desse tipo de fenômeno. Ao desenvolver esta habilidade da “projeção astral”, é possível viajar para outros lugares e até “marcar um encontro” com amigos em outro plano.
Assim como no filme A Origem (2010), em que o personagem de Leonardo DiCaprio rouba valiosos segredos do inconsciente invadindo o sonho das pessoas, é possível entrar em sonhos alheios. De acordo com Stolf, é preciso muita técnica para conseguir a proeza. “Nós só conseguimos entrar no sonho de pessoas com quem já temos uma relação de intimidade”, conclui o parapsicólogo.
Mesmo divergindo em diversos aspectos, todos os teóricos são unânimes em dizer que não se encontram respostas e significados dos sonhos em qualquer livro. “Sonhar com X quer dizer Y” não existe no campo científico. A interpretação dos sonhos, com suas complexidades, simbologias e arquétipos, é única para cada um.