Comportamento

Carolina Kirchner Furquim, especial para a Gazeta do Povo

Quem casa requer calma

Carolina Kirchner Furquim, especial para a Gazeta do Povo
19/08/2016 21:00
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O casal Isadora Lopes e Edson Lopes Junior, casados há 4 meses, ainda aprende a conviver com as manias um do outro. Fotos: Letícia Akemi/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Casados há quatro meses, a advogada Isadora Cordeiro Lopes e o personal trainer Edson Marcelo da Silva Lopes Junior, ambos de 25 anos, enfrentaram um choque de realidade no início da vida a dois. “Eu sempre soube que ele trabalhava bastante, mas vivendo junto é diferente”, diz Isadora. Ela se refere aos horários do marido: ele sai para trabalhar às 6h e só volta para casa tarde da noite, enquanto ela trabalha na modalidade home office. “Ao chegar em casa depois de um dia cheio eu só queria ficar ‘fazendo nada’ no celular e ela não entendia isso, queria atenção”, conta Edson. Depois de muita conversa e uma boa dose de empatia, eles acertaram os ponteiros. “Sempre fui acostumado a fazer as minhas coisas, sem dar explicações. Quando passei a me colocar no lugar dela, percebi que trabalhar o dia todo sem companhia não é fácil, então nada mais justo que à noite ela queira ter alguém para conversar. Tivemos criações bem diferentes. Enquanto ela era emocionalmente muito apegada à família, eu era mais independente, e é inevitável não trazer esta bagagem para a vida a dois”, avalia ele.
Mesmo experimentando alguns momentos muito próximos durante os anos de namoro, o casal reconhece que coisas simples ganham proporções muito maiores quando se passa a viver sob o mesmo teto. “O Edson percebeu coisas que eu fazia e nem reparava, como largar copos pela casa inteira ou apertar o tubo de pasta de dente no meio. Quando vi que essas coisinhas perturbavam, comecei a me policiar”. E ele justifica o incômodo: “o casamento me transformou de um bagunceiro a um organizado. Quando investimos nosso próprio dinheiro e planejamos tudo do nosso jeito, o carinho é diferente”. Ainda que a rotina requeira ajustes diários de comportamento de ambos, a manutenção de gostos comuns é essencial. “Somos muito caseiros e adoramos fazer tudo juntos em casa, como cozinhar e ver filmes. Até nossas festas são em casa, e essa cumplicidade não tem preço”, diz Isadora.
A advogada Heloisa Helena Kuklik de Carvalho, 29 anos, e o administrador de empresas Guilherme Coltro de Carvalho, de 28, se casaram após 9 anos de namoro e praticamente nenhuma experiência sob o mesmo teto. Juntos desde outubro de 2015, os primeiros meses de casados contribuíram para algum estranhamento na relação. “É tudo muito diferente, da criação às condutas em casa, especialmente porque cada um cresceu acostumado a fazer as mesmas coisas de um jeito, sem certo ou errado, apenas diferente”, avalia Heloisa. Muito pontual, ela passou a se incomodar com os atrasos do marido que, por sua vez, reclamava do jeito “mandão” de Heloisa. “Não é fácil ter alguém ‘no pé’ dizendo para eu ir tomar banho”, brinca Guilherme. A solução veio com conversas, algumas concessões e muita leveza.
Para ele, o que mais pesou foi ter que lidar com sua própria personalidade, mais quieta e reservada. “Quando era solteiro e morava em casa com a família, se chegava estressado ia para o quarto e ficava sozinho, sem que ninguém se incomodasse com isso. Mas depois de casado, saber dividir é essencial, especialmente porque moramos em um apartamento pequeno até nossa casa ficar pronta, então o ambiente força o convívio mesmo quando a ideia é ficar um pouco sozinho”. E neste quesito, eles aprenderam a balancear as atitudes. “Ele sempre pergunta como eu estou e como foi o dia, e eu busco respeitá-lo em sua individualidade”, diz Heloisa. A rotina da casa, que geralmente representa o entrevero de muitos casais, para eles não foi problema. Ambos muito organizados, a divisão de tarefas e o planejamento financeiro são os pontos de equilíbrio. “Temos uma planilha com todos os custos, inclusive da casa nova, e juntos administramos muito bem isso”, disse Guilherme pouco antes de se despedir para lavar a louça do almoço.
A advogada Heloisa Helena Kuklik de Carvalho, 29 anos, e o administrador de empresas Guilherme Coltro de Carvalho, 28: conflitos do início do casamento se resolvem com muita conversa (Foto: arquivo pessoal)
A advogada Heloisa Helena Kuklik de Carvalho, 29 anos, e o administrador de empresas Guilherme Coltro de Carvalho, 28: conflitos do início do casamento se resolvem com muita conversa (Foto: arquivo pessoal)

Os desafios dos recém-casados (e como enfrentá-los)

A terapeuta de casais Cíntia Fernandes Leite, proprietária da Choices Coaching para Casais, ministrou uma palestra focada em casais que estão no início do relacionamento no evento Noivas Curitibanas, na Universidade Positivo, em julho. Veja a entrevista exclusiva:
Quais são os conflitos mais comuns no primeiro ano de um casal e como preveni-los?
Antes do casamento tudo é muito mais fácil, ambos satisfazem com mais zelo e atenção as necessidades e desejos um do outro, a responsabilidade das decisões é mais leve, e quando se desentendem, os parceiros podem sair de perto ou até terminar o relacionamento, se necessário. A pressão é menor e ambos ainda sentem como se estivessem em uma continuação da fase de “conquistar” o outro. Durante o primeiro ano de casamento, os parceiros têm de fazer negociações diárias de pequenos e grandes assuntos, e trabalhar as constantes desilusões, pois o outro não é “tão carinhoso, generoso ou divertido” quanto parecia antes do casamento. Isso também é muito natural, pois os traços mais positivos da personalidade sempre aparecem com mais evidência durante a fase inicial da relação e os mais “autênticos” surgem quando os parceiros precisam aprender a ceder, em prol da satisfação conjugal.
Quais traços da personalidade vêm à tona somente quando moram juntos?
O que mais costuma aparecer nesse momento é a forma como cada um equilibra a satisfação das próprias necessidades com as necessidades do parceiro. Esse comportamento normalmente muda mais nos parceiros que costumam ser mais impositivos e agressivos, ou que pensam mais em si. Caso o outro também tenha um perfil mais impositivo, ambos tenderão a competir pela satisfação das suas vontades, causando conflitos, sempre proporcionais às dificuldades de negociação de ambos. Há alguns sinais que, quando passam a ocorrer com frequência, devem ser tratados com atenção: silêncios mito prolongados em momentos que poderiam ter diálogos, sentir-se desconfortável no silêncio (quando está tudo bem, o silêncio traz paz), quando um ou ambos perdem a motivação para expressar sentimentos e pensamentos por medo das críticas do outro, quando começam a fazer ironias ou sarcasmos, críticas ao parceiro na frente de outras pessoas e discussões sobre quem tem razão ao invés de resolver o problema. A comunicação é um termômetro geral do relacionamento.
Como o casal deve lidar com as diferenças?
As diferenças entre opostos sempre têm uma função reguladora que leva a movimentos de constante adaptação e readaptação. A maioria dos casais considera suas diferenças como um indicador de que a relação pode não dar certo. Porém, quando elas surgem de uma forma mais intensa é uma oportunidade de ajuste nas suas formas de pensar, sentir ou se comportar. Portanto, quanto maiores forem as diferenças, maior a polarização de comportamentos, e então maior será a oportunidade de potencializarem suas virtudes. Em todo relacionamento de longo prazo ambos os parceiros passam por uma profunda transformação psicológica, mesmo que não percebam. Quem deve ceder? Ambos, alternando quem irá ceder em cada situação, considerando o peso que as necessidades têm para cada um.
Quais são os erros mais comuns da relação entre casais jovens?
Quando jovens, a maioria das pessoas ainda está buscando reafirmar o seu próprio valor e isso faz com que tenha mais dificuldades que os casais mais maduros. Um dos comportamentos mais comuns é o de competirem um com o outro, de ter uma intolerância excessiva a críticas e grande dificuldade em perceber ou admitir as necessidades de mudanças nas suas formas de pensar, sentir ou agir. Essa necessidade também faz com que muitos caiam no erro de permitir que suas vontades sejam totalmente anuladas para agradar o parceiro, além de terem dificuldades em tolerar as desilusões em relação ao parceiro e também em relação à vida a dois. Outro comportamento é o passivo agressivo. Em vez de serem transparentes e esclarecerem o que os estão incomodando, eles tomam atitudes que os afastam ainda mais. Como se isolarem, serem irônicos e muitas vezes trocarem pequenas vinganças. Eles também têm uma tendência maior a interpretar os comportamentos e mensagens do outro como uma ofensa pessoal. Se este círculo vicioso não for interrompido eles podem acabar desgastando os sentimentos mútuos de uma forma irreversível e então se separar de forma precoce.
Morar junto antes de casar é algo recomendável? O “test drive” vale a pena?
Esta é uma questão extremamente particular e, para algumas pessoas, envolve também questões religiosas. Existem algumas possíveis consequências. Uma das situações é que, caso algum dos parceiros se acomode com apenas morarem juntos e o outro tenha o desejo de se casar, esta espera pode causar uma ansiedade muito grande para ambos. Por outro lado, morar juntos antes de casar não deixa de ser uma boa oportunidade para avaliar a vida a dois. É importante lembrar que morar juntos antes do casamento possibilita uma oportunidade mais concreta de avaliar como irão lidar com o convívio a dois, mas nunca se compara à realidade de duas pessoas casadas, pois é o casamento que costuma trazer a verdade à tona de uma forma mais “nua e crua”. Além de fazer com que ambos tenham um compromisso legal, o casamento exige que os parceiros tomem decisões mais delicadas e faz com que a realidade das personalidades dos dois se apresente ainda mais evidente.