Comportamento

Geanine Ditzel, especial para Gazeta do Povo

Conheça pessoas que usam a internet para ajudar o próximo

Geanine Ditzel, especial para Gazeta do Povo
01/02/2015 02:04
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Não faltam críticos às redes sociais, vez ou outra taxadas de superficiais e de campos férteis para a divulgação de informações pouco confiáveis. Mas há quem use o mundo digital para se doar. São sites, blogs e páginas de relacionamento criados por pessoas que viveram uma experiência marcante ou simplesmente têm vontade de externar uma veia colaborativa. Muitas vezes, a iniciativa é de desabafo, uma súplica silenciosa por ajuda que vem de forma rápida e faz o caminho de volta na velocidade das ondas eletromagnéticas. Em outras, a moeda de troca é o tempo. E aí, aquela história de “perder tempo” na internet dá lugar a uma rede solidária.
Em 2012, no auge de seus 35 anos, a ex-modelo Flávia Flores recebeu o diagnóstico de câncer de mama e ficou em estado de choque. Foram dez dias de isolamento, cirurgia de emergência, sessões de quimioterapia e relutância em aceitar a doença. Por estar envolvida com o mundo da moda e da beleza, ela tinha uma certeza: “Vou perder meu cabelo e ficar diferente por conta do tratamento, mas feia e gorda eu não vou ficar”. Flávia queria amenizar o período de luta que viria pela frente com algo que elevasse a sua autoestima. Depois de viajar pela web procurando sites que falassem sobre quimioterapia e autoestima – duas palavras difíceis de caminhar juntas para muitas pessoas – e nada encontrar, a ex-modelo resolveu criar uma página com o tema. Quimioterapia e Beleza – nome dado à página no Facebook – agora existia no mundo virtual. Hoje são mais de 85 mil seguidores e 1 milhão de acessos por mês.
“A ajuda por meio do compartilhamento de experiências de luta, de perseverança, de exemplos de vida de pessoas que mostram a sua força para vencer uma batalha é muito relevante”, afirma o psicólogo Raphael Di Lascio, coordenador do curso de Psicologia da Universidade Positivo (UP). Segundo ele, essas iniciativas levam as pessoas a compreenderem que a vida não termina com o problema. “Mudar o estilo de vida, o comportamento, os paradigmas são atitudes que só vêm ajudar”.
Borderline
Quem acompanhou a série Dupla Identidade da Rede Globo, que contava a trajetória de um assassino em série deve se lembrar de Ray, namorada do serial killer na trama de Glória Perez. A personagem da ficção, interpretada pela atriz Débora Falabella, sofria com a síndrome de Borderline, uma doença psicológica que provoca oscilações de humor e impulsividade. Para compor a personagem, a atriz foi conversar com Nathália Musa, 35 anos, diagnosticada com a doença em 2013 depois de uma crise desencadeada com o fim de um namoro. A brasiliense Nathália que tem uma raiz paranaense – ela morou em Curitiba de 1998 a 2006 – criou um blog e começou a compartilhar as boas informações que encontrava sobre o transtorno. Como quase tudo estava publicado em inglês tratou logo de democratizar o conteúdo, tarefa fácil para ela que é fluente na língua. “Só publico informações que considero confiáveis, com links de origem, de autoria de pessoas que escreveram livros e são respeitadas pelo seu trabalho, diz”. Mas o que realmente a motivou a protagonizar a história na internet foi a necessidade de desabafo, num momento difícil como ela mesma diz quando “a grande maioria dos meus amigos não estava mais ao meu lado”.
Nathália criou uma espécie de diário e começou a compartilhar o que ela estava vivendo. A reação veio rápido, assim como a ajuda mútua. “Me fazia bem ler os comentários, os agradecimentos das pessoas e perceber a diferença que eu estava fazendo na vida delas”, revela. A interação por meio do universo on-line desperta nas pessoas a vontade de ajudar – ou seria um dom? – que elas mesmas desconhecem. Segundo o psicólogo e coordenador do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Nain Akel, do ponto de vista da Neurociência, a pessoa que compartilha o que viveu divide suas angústias e organiza suas emoções, e quem recebe a mensagem sente-se útil ao apoiar e pertencente ao grupo. “Esse é um dos grandes ganhos das redes sociais, que abre essa possibilidade para o compartilhamento de experiências e sentimentos”, afirma o psicólogo. “O blog me salvou, as pessoas me salvaram com cada comentário, com cada e-mail que enviaram”, diz Nathália. Como em todo enredo social de Glória Perez, a doença passou a ser tratada como deve ser, sem pudor, de forma aberta. Depois de conversar com a autora e a atriz da série sobre o seu problema, ela apareceu no site GShow, esteve no programa Encontro com Fátima Bernardes e sente não poder responder a todos os e-mails que recebe. As respostas hoje, na realidade, vão por meio dos posts no blog. “A minha intenção nunca foi ficar famosa, mas ajudar a mim e as pessoas que estavam vivendo o mesmo problema. É muito gratificante, nunca vou parar”, diz.
Corrente solidária
O “dar-se as mãos” no ambiente virtual pode parecer distante ou, como muito se ouve por aí, são “relacionamentos rasos, sem envolvimento”, mas para quem viveu essa experiência, esse elo de união faz muita diferença. “A minha vida melhorou 100%. Eu caio por um dia, por um final de semana, mas levanto no outro dia e vou fazer o que preciso, o que para um border é uma vitória”, revela orgulhosa Nathália Musa. Flávia Flores foi em busca dos amigos que tinham se afastado dela. “Pensei em me ajudar porque estava muito sozinha e depois de criar a página Quimioterapia e Beleza vi tanta gente juntar-se a mim que o processo se inverteu”, afirma Flávia, feliz por estar servindo de exemplo para milhares de outras mulheres que vivem o mesmo drama. “Com minhas fotos, vídeos e mensagens quero inspirar outras pacientes a não ter pena de si mesmo e preservar a feminilidade. Se eu estou triste abro a página e recebo muito em troca. É para levantar qualquer um da cama”, diz. E ela vai além: roda o mundo dando palestras, é embaixadora do Banco de Lenços (saiba mais nesta reportagem) e tem na cabeça outras ideias empreendedoras para deixar as mulheres em tratamento mais confiantes.
Tudo é muito válido, alertam os especialistas, desde que não se descuide do acompanhamento médico. “Problemas que se caracterizam como transtorno precisam de apoio profissional, pois o risco é grande quando a pessoa se defronta com opiniões leigas, sem o conhecimento que a doença requer”, afirma o psicólogo Raphael Di Lascio. Nathália descobriu a síndrome diagnosticada pelo seu psicólogo e mantém até hoje as sessões de terapia e os medicamentos receitados pelo seu médico. Para o psicólogo Nain Akel, tratamento psicológico precisa de orientação especializada pois muitas vezes a pessoa não consegue identificá-los.
Troca de saber
Lorrana Scarpioni é uma daquelas pessoas que nasceram com vontade de mudar o mundo. “Sempre me perguntei como poderia promover um mundo mais justo e igual e acredito que a troca de tempo é uma forma que encontrei de fazer isso”, diz a idealizadora do Bliive, uma rede digital colaborativa de troca de tempo em que pessoas podem usar seus talentos e suas habilidades para viver novas experiências – sem precisar pagar. O tempo é a moeda. Funciona assim: quando o usuário se cadastra e oferece uma atividade, como uma hora de aula de ginástica, por exemplo, ele recebe uma TimeMoney, moeda de troca utilizada pelo Bliive e que pode ser usada como crédito para qualquer outra atividade oferecida por outro usuário.