Comportamento

André Nunes, especial para Gazeta do Povo

Incansável, pesquisador planeja expedição para encontrar tesouro de pirata curitibano

André Nunes, especial para Gazeta do Povo
19/09/2017 12:00
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Marcos Juliano Ofenbock. Foto: Divulgação

O que o romance “O Conde de Monte Cristo”, o ouro roubado das igrejas de Lima, no Peru, um pirata caolho que morreu na Índia em 1850 e a lenda urbana mais famosa de Curitiba têm em comum? Segundo o pesquisador Marcos Juliano Ofenbock, novas descobertas históricas não só relacionam todos esses fatos, como podem estar jogando luz em um dos maiores mistérios da pirataria: afinal, existe mesmo o tesouro do Pirata Zulmiro? Onde ele está escondido?
Tida por muitos como parte do folclore curitibano, focado mais nos misteriosos túneis do Bosque Gutierrez (onde viveu o suposto pirata no final do século 19) do que em sua trajetória, a história de Zulmiro não só daria um livro, como já inspirou algumas obras. A mais recente, lançada esta semana em Curitiba, foi escrita por Ofenbock e ilustrada por Francis de Cristo: “As Aventuras do Pirata Zulmiro” transforma a figura corsária em um personagem infantojuvenil.
“O folclore paranaense tem falta de heróis, ou anti-heróis. Em cinco anos de projeto, buscamos apresentar o Zulmiro a um novo público. Que criança não gosta de uma boa história de pirata e tesouros escondidos?”, conta o autor, conhecido como “Indiana Jones de Curitiba”, que também está escrevendo um livro sobre suas pesquisas, voltado ao público adulto.
A Ilha da Trindade esconderia o tesouro. Foto: divulgação.
A Ilha da Trindade esconderia o tesouro. Foto: divulgação.
Relatos convergentes
De volta ao ouro das igrejas peruanas, Ofenbock garante que se trata do mesmo tesouro escondido pelo Pirata Zulmiro devido a um cruzamento peculiar de informações: em 1850, um pirata caolho em seu leito de morte, em Bombaim, na Índia, entregou um mapa do tesouro a um capitão mercante inglês. Onde seria esta ilha? “Se trata da mesma Ilha da Trindade, no litoral do Espírito Santo, em que se acredita estar escondido o tesouro do Zulmiro, roubado por ele junto de dois outros piratas, Zarolho e José Sancho. As iniciais dos três piratas aparecem no mapa, aliás”, explica o arqueólogo.
Lançado por Alexandre Dumas em 1844, “O Conde de Monte Cristo” foi inspirado nesse grande tesouro roubado das igrejas de Lima, em 1821, que por sua vez já havia sido roubado dos incas. “Libertador das Américas, o general José de San Martín exilou-se na França na casa de um amigo de Dumas, 15 anos após o incidente, e contou sobre a história do tesouro que foi saqueado por piratas e escondido em uma ilha secreta”, contextualiza Ofenbock.
Veja o vídeo em que o pesquisador conta a saga:
Trilha de testemunhos e jornais
A história do tesouro perdido percorreu uma trajetória tortuosa até que as peças pudessem ser reunidas e ganhassem sentido (confira na linha temporal) já que, segundo o pesquisador curitibano, “90% do que se conta sobre o Pirata Zulmiro na cidade é boato”. Tanto que, quando o assunto foi retomado na década de 1970, em reportagem de Cid Destefani a esta Gazeta, o jornalista foi desacreditado por historiadores.
“Descobri recentemente, acessando os arquivos da Hermenoteca Digital, criada pela Biblioteca Nacional, cartas publicadas em 1896 no Jornal do Brasil, em que o inglês Edward Young Stammers (sob pseudônimo) relata toda a história do Pirata Zulmiro, contada pelo próprio quando Stammers passou por Curitiba em 1879. Provavelmente, foi essa a fonte de inspiração da reportagem do Cid Destefani”, pontua Ofenbock.
Jornal do Brasil de 1896 fala do tesouro. Foto: Divulgação
Jornal do Brasil de 1896 fala do tesouro. Foto: Divulgação
O que se seguiu é um rastro de cobiça e sangue, típico de histórias de piratas: a identidade do inglês Stammers foi descoberta por bandidos, que o mataram na tentativa de roubar o roteiro do tesouro. Desaparecido por quase quinze anos, o roteiro só foi encontrado em Lorena, no interior paulista, em 1910. “Foi quando teve início o ciclo de expedições brasileiras à Ilha da Trindade, munidas do roteiro do tesouro feito por Edward a partir do relato do Pirata Zulmiro. Antes disso, em 1895, a ilha foi explorada pela Inglaterra, que detinha o mapa entregue pelo Pirata Zarolho. Nada foi encontrado por que o mapa só funciona se acompanhado do roteiro, e vice versa”, afirma.
Mapa do Tesouro em cópia da edição de jornal de 1914. Foto: Divulgação.
Mapa do Tesouro em cópia da edição de jornal de 1914. Foto: Divulgação.
Expedição à vista
O “Indiana Jones curitibano” está confiante de que, pela primeira vez em 100 anos, uma expedição à Ilha da Trindade poderá descobrir algo. Tesouro ou não, tudo será doado a museus brasileiros e estrangeiros que se interessarem pela empreitada. “Ouro pirata, ou qualquer outra riqueza escondida, não traz fortuna ou sorte a quem o possui. Acredito que as histórias de fantasmas e maldições vêm daí e têm um fundo de verdade, para quem acredita nesse lado espiritual. A melhor forma de ‘limpar’ esse tesouro é doá-lo a museus, para que sejam estudados e visitados por toda a humanidade”, opina.
Marcos Juliano Ofenbock já deu início à preparação da expedição, prevista para 2019. “Estou em contato com o Museu Paranaense, o Iphan e as entidades histórico-culturais do Espírito Santo. Acredito que, com a tecnologia da detecção de metais a nosso favor, mais o mapa do Zarolho e o roteiro do Zulmiro, o tesouro possa ser encontrado”. E se nada for achado? “Pelo menos a aventura terá valido a pena”, garante o arqueólogo, entusiasmado.
LINHA TEMPORAL – TESOURO DO PIRATA ZULMIRO
1821 – O grande tesouro de Lima, no Peru, é roubado por piratas de um navio espanhol. Seu paradeiro nunca foi descoberto.
1850 – Antes de morrer, um pirata com uma grande cicatriz no olho entrega o mapa do tesouro a um capitão mercante inglês, em Bombaim, na Índia.
1879 – De passagem por Curitiba, o inglês Edward Young Stammers conhece e se torna amigo de um suposto pirata chamado Zulmiro, que conta sua história e entrega um roteiro do tesouro escondido na Ilha da Trindade.
1880-1889 – Primeira expedição inglesa para a Ilha da Trindade, de posse do mapa entregue pelo pirata Zarolho, na Índia. Nove anos depois, a última expedição inglesa para a ilha é realizada sob o comando de Frederick Edward Knight, que inspira o livro “The Cruise of the Alerte” (1889).
1895-1896 – A Inglaterra toma posse da Ilha da Trindade com o pretexto de passar um cabo submarino até a Argentina. A ilha é vasculhada, mas o tesouro não é encontrado. O território é devolvido ao Brasil.
1896 – São publicadas diversas cartas no Jornal do Brasil, escritas por J.F. Bastos (pseudônimo de Edward Young Stammers) narrando um encontro com um pirata, contando a história de Zulmiro e do tesouro escondido na Ilha da Trindade, em parceria com um pirata chamado Zarolho, que tinha uma grande cicatriz no rosto. No mesmo ano, bandidos descobrem que o autor das cartas era Stammers, tentam roubar o roteiro e matam o inglês.
1910-16 – Desaparecido por 14 anos, o roteiro do tesouro da Ilha da Trindade é encontrado em Lorena (SP), quando é realizada a primeira expedição brasileira para a ilha. Outras expedições são feitas até 1916, todas em vão.
1940 – É publicado no jornal carioca “A Noite” o mapa original do tesouro da Ilha da Trindade, entregue pela Marinha Inglesa para a Marinha Brasileira.
1972 – A Gazeta do Povo publica reportagem do jornalista Cid Destefani sobre a história do Pirata Zulmiro e as expedições para a Ilha da Trindade.
2017-2019 – O curitibano Marcos Juliano Ofenbock publica o livro infantojuvenil “As Aventuras do Pirata Zulmiro”, com ilustrações de Francis de Cristo. O pesquisador planeja uma nova expedição para a Ilha da Trindade, prevista para 2019. Será a primeira busca realizada de posse do mapa e do roteiro do tesouro, com tecnologia de ponta em detecção de metais. Tudo que for encontrado será destinado a museus que apoiarem a empreitada.
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