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Mãe, qual o meu talento?
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Descobrir aquilo que se faz bem costuma ser fruto de um longo processo de autoconhecimento. Mas é possível antecipar essa avaliação quando se trata de uma criança? Afinal, muita gente se pergunta sobre a lógica do talento: se existe mesmo aquele gênio nato ou se todo mundo (inclusive nós mesmos) abriga um notável potencial dentro de si.

Muitos optam por colocar os filhos desde cedo em escolas de talentos, para estimular e descobrir as aptidões o quanto antes. Foi o que fez a advogada Thaís Losso, que matriculou a filha Elisa, de 2 anos, em um centro de desenvolvimento infantil.

“A Elisa é muito estimulada em casa. E ela aprende facilmente”, conta Thaís. Na escola, a menina tem aulas de musicalização e artes. “Acho importante esse contato agora, que é quando a criança tem mais facilidade para aprender”, diz a mãe.

Para a professora de Psicologia Vera Regina Miranda, colocar a criança em uma aula específica pode ajudar a desenvolver o talento. “Se ela nunca tiver contato com a dança, a música, o teatro por exemplo, não será possível verificar quais são suas habilidades e não se investirá no desenvolvimento de suas potencialidades”, diz.

Aula de quê?

Mas há especialistas em educação que acham prematuro procurar uma escola de talentos logo cedo. O professor Guilherme Bevilaqua tem uma escola de desenho em Curitiba e é contra aulas para crianças muito pequenas. “Tudo o que é obrigação para eles se torna chato. Depois de um mês de aula, a criança começa a se desinteressar”, afirma. Um caso como esse fez com que Bevilaqua passasse a não aceitar alunos menores de 11 anos. “Às vezes o fato de a criança gostar muito de alguma coisa é porque ela está se divertindo, é prazer. Aí o pai coloca em uma aula e acaba com a diversão. O pai tem que esperar a criança pedir pela aula”, diz ele.

Foi o que fez João Pedro Coelho Roman, de 7 anos. Desde pequeno ele gosta de música e este ano pediu para a mãe, a advogada Katiuscia Hirata Coelho, para fazer aulas de piano. A mãe se certificou de que ele não estava apenas querendo imitar o pai, que é músico. “Eu fui bem clara e disse para ele: você começa, se você não gostar você para”, revela. “A gente não impõe, mas é difícil,” diz Katiuscia.

A advogada não tem dúvidas de que o ambiente influencia a formação dos filhos. João Pedro e o caçula Antonio, de 2 anos, têm vários instrumentos musicais à disposição em casa. Além disso, a mãe estimula com vídeos e brincadeiras. “É muito por imitação. Eu canto com eles, mostro músicas e eles querem fazer igual.”

A psicóloga Ana Paola Lopes Lubi explica que existem dois tipos de estímulos – genético e ambiental. A criança pode ter uma pré-disposição genética, mas também é muito influenciada. “Os pais precisam fazer uma autoanálise e identificar se estão colocando os filhos em uma atividade que eles próprios gostariam de fazer”, orienta.

Um alerta da psicóloga é para os pais não criarem uma expectativa muito grande quanto ao desempenho do filho. “Hoje as crianças têm um nível de informação altíssimo, têm muita maturidade nos comentários. É preciso tomar cuidado para não confundir isso, criar uma expectativa de que seu filho vai ser um gênio”, sentencia a psicóloga.

Atenção em família

A médica pediatra Luciana Perrini teve uma surpresa quando a filha, Giovanna Perrini Hahn, de 6 anos, chegou com a seguinte frase: “Mãe, acho que eu gosto mais de Candido Portinari do que de Goya”. A menina estava aprendendo sobre os dois pintores na aula de artes do colégio e a mãe aproveitou a descoberta para incentivar o interesse.

“Eu converso muito com ela. Levei a Giovanna no museu para ver a exposição do Goya”, diz. Luciana conta com o apoio da família nesta tarefa. Edival Perrini, o avô, procura estimular a neta mostrando livros com figuras e pinturas.

“Existe uma coisa que é da própria criança. Mas o talento se revela nas oportunidades que a gente oferece”, diz ele. Toda semana o avô troca o livro da sala para despertar a curiosidade da neta. “Nesta idade essas coisas se instalam de uma forma definitiva dentro da gente. O contato com a arte é importante, mas em nenhum momento tenho expectativa de que eles venham a ser artistas”, revela.

Quem quer?

Quando José Eduardo Worms Costa, de 11 anos, avisou aos pais que queria fazer um teste para o Coral Brasileirinho, eles se surpreenderam. “Nós já sabíamos que ele era afinado, mas eu nunca imaginei que ele quisesse isso”, disse o pai, o professor e músico Wellington Borges Costa.

O Brasileirinho é um coral infantil que integra a programação de concertos da Fundação Cultural de Curitiba. Participar do grupo é difícil, a criança precisa passar por um teste. José Eduardo reprovou na primeira avaliação, mas insistiu e entrou no coral em 2009. O irmão Joaquim, de 8 anos, tentou o mesmo teste influenciado por José Eduardo. Ele também não passou na primeira prova, mas conseguiu ser aprovado no início deste ano e agora os dois ensaiam juntos duas vezes por semana.

O diretor artístico do Bra­­si­­­­lei­­­rinho, Milton Karam, con­­­­ta que nem sempre este é um processo tranquilo. “Já presenciamos, em testes no grupo, situações em que víamos no rosto da criança a expressão ‘não quero, você é que quer’, ao olhar para o pai ou a mãe, na espera pela sua vez”, revela.

Karan acredita que é preciso deixar o talento fluir naturalmente e avaliar se essa é verdadeiramente uma vontade da criança. “Geralmente, tudo que é em demasia acaba trazendo consequências não desejáveis. Quando o estímulo vira pressão, aparece esse risco.”

A conversa, mais uma vez, é a receita. “Dialogar com a criança e sentir dela e com ela a reação sempre é o melhor caminho. Nem tudo o que os pais idealizam ou imaginam para os seus filhos é exatamente o que os filhos querem”, alerta o diretor.

Karan lembra: “Talento é algo que pode nascer com a gente, uma habilidade nata. Ou pode também ser adquirido ao longo do tempo, da vida, das informações e das experiências. E não precisa ser somente na arte, tem criança com talento para a matemática, para o esporte, para a escrita, para a oratória”.

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