Saúde e Bem-Estar

Pais intolerantes, filhos egoístas

Érika Busani
14/08/2006 00:27
Imagine a seguinte situação: uma mãe chega para outra na saída da escola e diz: “Você não vai convidar o fulaninho para o aniversário de seu filho, né? Ele é um pestinha!” A mãe do aniversariante não dá atenção à “sugestão”, convida o tal “pestinha” e não vê nada de errado na criança.
“Hoje o ser humano está muito egoísta. As pessoas estão com muita dificuldade de perceber que cada ser humano é um, com suas limitações”, diz a psicopedagoga Ester Cristina Pereira, diretora-pedagógica da Escola Atuação. “É próprio do ser humano não conseguir fazer a leitura do outro. No trânsito, as pessoas se irritam, não levam em conta se o outro motorista é de idade, tem dificuldades. Também sentimos isso na escola”, conta.
Tem sido comum os pais exigirem que as outras crianças troquem de sala quando acham que ela possa estar atrapalhando o desempenho de seu filho. “A tendência dessa sociedade é excluir. Nossas crianças e jovens estão imediatistas, egoístas. Valores como solidariedade, respeito, compreensão e tolerância devem ser trabalhados pela família e pela escola nas pequenas coisas do dia-a-dia”, lembra a psicopedagoga Débora Creti, orientadora educacional das Escolas Positivo.
Para ela, a educação familiar está criando muitas vezes jovens e adultos que não sabem tolerar a frustração. “As crianças precisam entender que não terão sempre alguém limpando seu caminho para elas passarem”, diz.
Os pequenos têm de aprender a esperar e, olhando além das suas necessidades, a ser mais solidários. Quem consegue enxergar o outro percebe que o diferente do seu jeito de ser não quer dizer que não é bom. “Precisamos mostrar que podemos pensar e ser diferentes. Cada vez que os pais trabalham em casa com a intolerância, além de excluir eles dificultam a convivência”, argumenta Débora.
O excesso de cautela de alguns pais tem como objetivo prepará-los para um mercado de trabalho competitivo. Eles não querem que a criança desvie do caminho do que acham ser uma “boa educação” e acabam rejeitando os colegas mais agitados, que falam muito, que “não se encaixam”.
“A gente vem de uma cultura que valoriza notas. Aí tem o cara que é 10 em Matemática, mas é um ser humano horrível, não sabe conversar”, observa Cristina. E as empresas estão justamente à procura de profissionais que saibam trabalhar em equipe, estabelecer boas relações. Ponto contra.
Inclusão

O papel da escola nesses casos é não ceder a pressões sem sentido, mas conversar com os pais, fazê-los entender a riqueza de se conviver com a diferença e trabalhar a turma quando há algum problema real.
A política de inclusão adotada pelas escolas é uma ótima oportunidade para adultos e crianças aprenderem a lição da convivência com a diversidade. “Normalmente, a família brasileira não gosta muito da inclusão. Nos primeiros dias de aula, há muita preocupação, os pais costumam dizer que tem esse ‘problema’ na sala de aula. Aos poucos, vamos mostrando que todos nós temos dificuldades e as crianças tomam isso como um desafio”, conta Cristina.
O coordenador do setor educacional do Marista Paranaense, Mario José Pykocz, acha que os pais de alunos do colégio já assimilaram a inclusão. “Nos últimos cinco anos, deu para sentir uma evolução maior nessa aceitação”, garante. “A grande saída hoje é tentar conhecer o diferente, compreendê-lo dentro do contexto dele para achar soluções dentro do nosso contexto.”
Pais e mães, pensem nisso.
erikab@gazetadopovo.com.br