Saúde e Bem-Estar

“Os velhos nunca foram tão saudáveis e bonitos”

Camille Bropp Cardoso
08/02/2015 05:00
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A antropóloga Mirian Goldenberg: envelhece melhor quem faz o quer.

Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colunista do jornal Folha de S. Paulo, a carioca Mirian Goldenberg, 58 anos, é especialista no tema velhice. Só que argumenta, com veemência, que essa fase da vida nada tem a ver com idade, mas com senso de liberdade e de escolha. No livro A Bela Velhice (Editora Record, 2013), ela cita principalmente Simone de Beauvoir, mas vai até Zygmunt Bauman e Pierre Bordieu para defender que é possível experimentar o processo de envelhecimento com beleza e felicidade — basta ter um projeto de vida.
Mais do que isso, ela ouviu pessoas que se mostravam entre exultantes e temerosas com as mudanças físicas e de autoimagem que a velhice acarreta. Mas está otimista. “As novas gerações de velhos nunca foram tão saudáveis e tão bonitas”, diz ela. Na entrevista abaixo, ela também aplaude iniciativas de marcas famosas, como Céline e Dolce&Gabbana, que usaram modelos velhos em campanhas publicitárias: “É o pedido de um público que quer alternativas de beleza”.
Acredita que, ao entrar nos 60 anos, as brasileiras se intimidam com a série de “regras” de moda relacionadas à idade? O que faz sentido nessas regras e o que não faz?
Estamos em um momento positivo porque o Brasil está envelhecendo rapidamente, e as pessoas estão vivendo bem e melhor. As mulheres sempre se cuidaram muito desde cedo, estão envelhecendo com saúde. E a sociedade está mudando, está começando a enxergar essa população que era invisível. Ainda é uma queixa grande das mulheres mais velhas a invisibilidade social. Essa população primeiro está se tornando mais visível, a primeira grande mudança é essa. A segunda grande mudança é que essas mulheres hoje têm poder aquisitivo, trabalharam ou têm pensão, têm renda, são consumidoras que querem o melhor. Não querem mais roupas de velha nem de jovem, querem roupa para elas. Então o mercado hoje está atento porque é uma população muito exigente, tem grana para comprar e quer roupa bonita e adequada. Outra coisa é que o corpo e a vida dessa mulher foram construídos em uma época de grandes mudanças do papel feminino, os anos 1960 e 1970. É uma geração que gosto de chamar de ageless, ou inclassificáveis, que não quer se enquadrar em modelo de velhice do século passado.
Generalizações à parte, pode-se dizer que a brasileira tem “natureza sensual” (é o que o meio da moda costuma dizer). Talvez por isso, para elas, a transição do estilo de vestir para a maturidade seja um pouco mais difí­cil?
As mulheres terão de enfrentar essas regras e mostrar o que querem mostrar. Porque se deixarem que a cultura diga o que elas não podem, terá só o que elas não podem e elas não saberão o que podem. O que acho que essa geração está fazendo é vencer regras limitadoras. Não tem nada que realmente diga “você não pode mostrar o braço até tal idade”. Uma coisa que introjetamos, acabamos reforçando. Vencemos isso escolhendo roupas de que gostamos independentemente do que querem que nós façamos.
O que diferencia uma pessoa ageless da que empreende uma busca eterna por juventude?
Os ageless são pessoas que não aceitam imposições, envelhecem do jeito deles. É uma mulher que não vai limitar a vida à idade dela. Ela é mais ampla do que a idade. Se sempre gostei de usar saia curta, não é porque envelheci que vou usar a saia [com a barra] no chão. Gosto do exemplo do Ney Matogrosso, que tem 73 anos e usa a mesma roupa de sempre, não mudou nada. Não se submete, como fez nos anos 1970 com o que as pessoas queriam que ele fosse. Ele continua respeitando a sua singularidade, não entra na manada. O ageless é uma pessoa que quer viver a vida em todas as fases da melhor forma possível. Se ele quiser, o fará, não é porque a sociedade diz. As pessoas que envelhecem bem, segundo a minha pesquisa, que faço desde 2007, são as que seguem a sua vontade. Está faltando as mulheres enxergarem modelos mais positivos de envelhecimento para envelhecerem melhor. Ageless não é “anti-age”. É uma pessoa que envelhece fazendo o que quer, não uma que fica paralisada, se comparando com mulheres mais jovens ou mesmo com a versão jovem de si mesma.
Ney Matogrosso: o estilo continua o mesmo aos 73 anos. Foto: Divulgação
Ney Matogrosso: o estilo continua o mesmo aos 73 anos. Foto: Divulgação
Avalia que a moda tem acompanhado esse tipo de mudança social?
As pessoas não aguentam mais isso de “juventude”, porque não é apenas juventude, é um tipo de juventude toda igual, com o mesmo cabelo e a mesma boca. Isso está no limite, as pessoas estão cansadas. Por isso as marcas têm escolhido mulheres mais velhas para estrelar campanhas, como a Nars [britânica de maquiagem], que chamou a [atriz] Charlotte Rampling, que tem 68 anos, os olhos caidinhos, e é linda. São pessoas que estão envelhecendo em paz, com beleza. Muitas mulheres estão resistindo a essa cultura. É verdade que a grande maioria não consegue envelhecer super bem, mas essas que existem são exemplos. A [atriz] Susan Sarandon sempre diz que nunca foi bonita. Ou seja, as mulheres que estão envelhecendo melhor são as que não tiveram que investir tanto em beleza porque isso não era fundamental na vida delas. As que mais sofrem são as que sempre viveram da beleza e investiram apenas nela. Essas pessoas sofrem pra caramba com a vida real, com rugas e celulite. Tanto que fazem loucuras, aplicam botox desde os 20 e poucos anos. Nem essas meninas se reconhecem [refere-se às alterações digitais nas fotografias]. Ao vivo e em cores, são meninas normais. Ninguém consegue corresponder a esse ideal de juventude.
A atriz Charlotte Rampling, 68, garota-propaganda de maquiagem. Foto: Divulgação
A atriz Charlotte Rampling, 68, garota-propaganda de maquiagem. Foto: Divulgação
Algumas grandes marcas têm buscado se lançar mais “age-friendly”, digamos, às vezes de uma forma meio estereotipada. Ao mesmo tempo, critica-se muito na moda o ideal de juventude cada vez mais precoce; o tamanho-padrão foi 38, depois 36 e já há muitas modelos 34 (a barreira é mais na altura do que na largura das peças). Essas campanhas são mesmo tão libertadoras quanto aparentam?
Não defendo que o velhinho tem de ser “cool”. Ele tem que fazer o que quiser. O velho tem que viajar, ficar em casa, fazer o que quiser. Mas não acho que essas campanhas estejam fazendo isso, não. Estão dando novos modelos de beleza. É uma necessidade para a realidade de envelhecimento do dia de hoje, sabe? Não é otimismo nem pessimismo. Pesquiso isso há muito tempo, dou palestras e se fosse modinha já teria passado. É mais do que isso, é o pedido de um público que quer alternativas de beleza. O problema não é colocar meninas magras, é só colocar meninas magras e lindas. Pode colocar todas, mas colocar só uma que é o problema.