Moda e beleza

Marina Mori

“Não estou grávida, estou gorda”: como as mulheres respondem ao fat shaming

Marina Mori
12/04/2018 07:00
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Drew Barrymore, que estrela a série "Santa Clarita Diet", da Netflix, passou pelo episódio recentemente. Foto: Reprodução YouTube / The Late Late Show

Era para ser apenas uma conversa de elevador, mas foi mais um caso de fat shaming na conta das mulheres. Fazia calor em Curitiba e a assistente administrativa Rogéria Marciquevik, 52, vestia uma bata solta e refrescante quando as portas de aço se abriram. Mal deu tempo de replicar o “bom dia” ao vizinho do sexto andar. “Que bonitinho, você está grávida!”, exclamou ele, todo sorrisos. Rogéria respondeu na lata. “Não estou grávida, não, estou é gorda”.
“Ele não sabia o que fazer, não parava de se desculpar”, lembra. Na hora, Rogéria levou na esportiva, deu risada e tentou não demonstrar a mágoa. Mas, quando voltou ao apartamento, mudou de roupa e nunca mais vestiu a bata verde com estampa floral que tanto gostava. Também trocou as blusas mais justas por outras largas, que não marcam sua barriga.
Rogéria: "Se eu quisesse fazer regime, já tinha feito. Minha saúde está em ordem e estou feliz com o meu corpo. É o que importa". Foto: Arquivo Pessoal.
Rogéria: "Se eu quisesse fazer regime, já tinha feito. Minha saúde está em ordem e estou feliz com o meu corpo. É o que importa". Foto: Arquivo Pessoal.
O episódio constrangedor ocorreu há alguns anos, mas representa algo corriqueiro na vida de muitas mulheres. Recentemente, a atriz norte-americana Drew Barrymore contou uma história semelhante no programa The Late Late Show. “Meu Deus, quantos filhos você tem!”, disse uma mulher desconhecida à atriz, que estava em um restaurante com a família.
Ao responder que tinha dois, a mulher apontou para a barriga de Drew e emendou: “ah, mas você está esperando mais um, não?”. Sem pensar duas vezes, a estrela da série Santa Clarita Diet, da Netflix, replicou o mesmo que a paulistana Rogéria. “Não. Eu estou apenas gorda”.

Não sabe? Não pergunte

Na maioria das vezes, perguntas sobre gravidez não são feitas por mal. Mas a principal razão para não fazê-las é o desconforto e a humilhação que elas causam. Não à toa, o hábito se encaixa na expressão “fat shaming”, que representa envergonhar alguém por causa de seu peso.
Essa hipervigilância em relação ao prato e ao peso é comum, principalmente na sociedade brasileira. As pessoas sentem que o assunto da gravidez é de alguma forma delas, também”, afirma a nutricionista especializada em transtornos alimentares, Paola Altheia.
À frente do blog “Não Sou Exposição” há sete anos, ela tem o objetivo de desconstruir preconceitos relacionados à ideia do “corpo perfeito”.
Segundo a nutricionista, o sobrepeso é geralmente a consequência de problemas mais profundos. Não há nada de benéfico em dar “indiretas” sobre a barriga de alguém ou sugerir regimes de modo amigável. “As pessoas têm uma visão muito estigmatizada. Associam o gordo à preguiça, à negligência”, diz Altheia.
O problema se torna uma bola de neve. “Quanto mais deprimida a pessoa fica, mais falam que ela é uma vergonha, uma preguiçosa. Mas é como se a pessoa estivesse afundada na lama e você empurrasse a cara dela ainda mais“, metaforiza a nutricionista.

Com barriga, sim. E feliz

“Eu realmente sei que estou acima do peso, mas estou de bem com o meu corpo. Sei que minha saúde está em dia, então por que me preocupar?”, diz Rogéria. A autoaceitação, tão necessária e tão desejada nestes “tempos modernos”, é uma conquista. E só chega lá quem já aprendeu, muitas vezes através do sofrimento, a romper com os padrões impostos pela sociedade.

“Não existe nada que desperte tanta fúria social do que uma mulher gorda, feliz e bem resolvida”, afirma a nutricionista.

Segundo ela, o corpo arredondado, com formas que fogem à tão aclamada barriga negativa e ao “bumbum de aço”, é uma afronta ao sistema. “É um corpo que desrespeita regras. Como assim uma mulher se atreve a gostar de si mesma desse jeito?”, ironiza.
O caminho ainda é longo, acredita a especialista. Falta muito para que se viva em uma sociedade capaz de aceitar uma mulher como ela é — como ela quer ser. Mas há esperança.
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