Saúde e Bem-Estar

The New York Times. Por Gina Kolata

Após cirurgia bariátrica, um ano de alegrias e decepções

The New York Times. Por Gina Kolata
05/02/2017 09:00
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Estávamos em 11 de outubro de 2015; um homem de meia-idade e uma mulher jovem, ambos com obesidade severa, lutavam contra a mesma sensação. No dia seguinte, fariam uma operação irreversível. Estariam eles no limiar de um novo começo ou de um engano horrível?
Eles tinham agendado cirurgia bariátrica na Universidade de Michigan com o mesmo médico, que iria cortar a maior parte de seus estômagos e redirecionar o intestino delgado. Eles tinham quase certeza de perder boa parte de seu peso excessivo, mas o médico lhes disse que era improvável que viessem a ser magros.
Quase 200 mil norte-americanos fazem cirurgia bariátrica por ano. E muitos mais – estima-se que 24 milhões – são pesados o suficiente para se qualificar para a operação, mas vários se questionam se devem ou não passar por um tratamento tão radical, o único que leva à perda duradoura de peso para quase todos que o fazem.
A maioria das pessoas acredita que a operação simplesmente força as pessoas a comerem menos ao reduzir o estômago, mas os cientistas descobriram que ela provoca mudanças profundas na fisiologia do paciente, alterando a atividade de milhares de genes no corpo humano, além do complexo sistema de sinalização hormonal do sistema digestivo para o cérebro.
A operação costuma levar a mudanças no paladar das coisas, fazendo desaparecer alguns desejos alimentares. Quem passa pela cirurgia se acomoda naturalmente em um peso mais baixo.
No último ano, eu acompanhei Keith Oleszkowicz e Jessica Shapiro – programador de computador e universitária – em suas cirurgias e as transformações que se seguiram.
Jessica, 22 anos, morava com a mãe e a avó em Ann Arbor, Michigan, e trabalhava na Panera Bread preparando comida. Com 1,60 m e 134 quilos, ela tinha uma vida difícil. Jessica precisava de extensor de cinto de segurança em aviões. Tinha refluxo gástrico e apneia de sono branda.
Pior ainda eram as lutas constantes com ser gorda. Ela nunca namorou e homem algum parecia interessado nela. Ela tentou programas como o Vigilantes do Peso, mas a ânsia por comer a derrotou.
Keith tinha 40 anos, era casado e com um filho adolescente, e trabalhava como programador em uma fábrica automotiva. Seu irmão mais velho fizera a cirurgia também, 16 anos antes, quando muitos médicos abriam as barrigas dos pacientes em vez de utilizar a laparoscopia como acontece hoje em dia. A taxa de complicações era muito mais elevada. O índice de mortalidade após um ano é de 0,1 % hoje, melhor do que na cirurgia de vesícula biliar ou substituição articular.
Com 1,75 m e 170 quilos, Keith enfrentava problemas físicos e médicos. As articulações doíam, não conseguia se dobrar para amarrar os sapatos, tinha apneia do sono e pressão alta.
A operação
No dia de suas cirurgias, Jessica e Keith haviam passado meses se preparando. Eles sabiam que a cirurgia de derivação gástrica que ambos escolheram (esta e o procedimento “sleeve” gástrico são as duas opções principais) deixam os pacientes incapazes de absorver algumas vitaminas e minerais. Eles teriam de tomar suplementos diários pelo resto da vida. E como a alteração no trato digestivo poderia lançar açúcar no sangue rapidamente demais, eles teriam de tomar cuidado com a ingestão de açúcar.
O cirurgião, Oliver Varban, começou inflando o abdome de Jessica com dióxido de carbono para lhe dar mais espaço para trabalhar. A seguir, fez sete pequenos buracos em sua pele e inseriu o equipamento, incluindo um tubo cilíndrico contendo uma lâmpada minúscula para iluminar a cavidade abdominal, lentes, espelhos e uma microcâmera para projetar a cena em um monitor de computador acima da cabeça de Jessica. A tela mostrava bolhas douradas brilhantes de gordura. Varban utilizou o que parecia uma raquete de tênis de mesa miniatura para afastar o fígado da paciente e lhe dar uma visão clara de seu estômago.
Redefinir o ponto de referência
Para especialistas em obesidade, a cirurgia bariátrica é, no máximo, um compromisso, um meio-termo. O que eles querem de verdade é um tratamento médico com o mesmo efeito – ao reduzir o ponto de referência do corpo, o peso se equilibra naturalmente – sem modificar drasticamente o trato digestivo.
A cirurgia bariátrica modifica toda a regulagem de um sistema complexo e entrelaçado. Não existe ponto de ajuste. Para mostrar o que está em jogo, a cirurgia altera de imediato a atividade de mais de cinco mil dos 22 mil genes do organismo.
“É preciso pensar nisso como em uma rede complexa de atividade”, diz Lee Kaplan, pesquisador de obesidade do Hospital Geral de Massachusetts. É uma rede que reage tanto ao ambiente quanto aos genes, ele acrescentou. O ambiente de hoje em dia provavelmente pressionou essa rede a um estado que aumentou o ponto de referência para muita gente – o cérebro insiste em uma determinada quantidade de gordura corporal e resiste a dietas para redução de peso.
Mas a cirurgia modifica apenas o trato intestinal. Segundo Kaplan, isso informa que existe toda uma série de sinais vindo dali e indo para o cérebro e que eles interagem para controlar fome, saciedade, rapidez com que as calorias são queimadas e quanta gordura existe no corpo.
Para a cirurgia bariátrica funcionar, a regulagem no cérebro que determina quanta gordura uma pessoa terá – que Kaplan compara a uma espécie de termostato corporal para gordura – precisa ser definida muito alta, e não ser quebrada.
Algumas mutações genéticas raras quebram o termostato. Pessoas com essas mutações não têm os controles internos de gordura e ficam tremendamente obesas. A cirurgia bariátrica não tem efeito sobre elas. Pessoas como Jessica e Keith, cujos termostatos estavam mal configurados, chegam a um ponto no qual são obesos, mas o peso se mantém estável sem qualquer esforço de sua parte. A cirurgia pode reduzir a configuração do termostato.
Essa noção simplista – de que podem existir alguns lugares-chave para intervir no emaranhado de controles que definem o peso da pessoa – parece justamente isso: simplista.
Mas alguns nós da rede podem ser mais importantes do que outros. Eles podem ser os acionadores. “O que precisamos fazer é achar esses mecanismos”, diz Kaplan.
Um ano depois
Um ano depois da cirurgia, Keith pesava 129 quilos, contra os 170 quilos iniciais, mas não os projetados 104. É cada vez mais improvável que chegue lá. Mas ele parecia e se sentia transformado.
“Gente que eu não via havia anos não me reconhecia”, conta Keith. Jessica perdeu 50 quilos, em torno do que estava previsto. Ela começou a estudar na Universidade de Michigan Oriental no segundo semestre, mas largou em outubro, explicando que não gostou das disciplinas e que sentia muita ansiedade. Antes da operação, ela podia atribuir à obesidade sua vida empacada. Agora, “eu não tenho mais desculpas”. Ela quer perder mais 18 quilos. Embora tenha sentimentos ambíguos em relação aos resultados da cirurgia e ainda que se sinta desapontada pelo fato de a vida não ter mudado o tanto quanto esperava, Jessica não se arrepende de ter feito a cirurgia.

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