Saúde e Bem-Estar

Dayane Saleh, especial para a Gazeta do Povo

Paramiloidose: doença rara de difícil diagnóstico

Dayane Saleh, especial para a Gazeta do Povo
21/10/2016 09:00
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Foto: Bigstock

polineuropatia amiloidótica familiar (PAF) – também chamada de paramiloidose–, é uma doença genética hereditária e degenerativa de pouco conhecimento no Brasil. Originária de países como Portugal, Japão, Suécia e de algumas regiões do continente africano, ainda é alvo de diagnósticos errôneos devido aos sintomas e a baixa frequência da doença. Com objetivo de torná-la popular, a Academia Brasileira de Neurologia (ABN), com apoio da Pfizer laboratórios realizou evento nesta terça-feira (18), onde apresentou a campanha #PAUSANAPAF, que conta com apoio de atletas do futebol e celebridades.
A enfermidade normalmente começa a se manifestar entre os 30 e 40 anos e, sem o correto tratamento pode deixar o indivíduo incapacitado, devido à atrofia e perda dos movimentos, e levar à morte. Os primeiros sintomas são o formigamento e a perda de sensibilidade à temperatura nos membros inferiores. Ao longo do tempo, os membros superiores também são atingidos.
Como acontece?
A neurologista Márcia Cruz, responsável pelo principal centro de tratamento da PAF no país, o Centro de Estudos em Paramiloidose Antônio Rodrigues de Mello, localizado no Rio de Janeiro explicou que a doença é proveniente de uma mutação de uma proteína chamada de TTR, que é, em sua maioria, produzida no fígado. “A transtirretina [TTR] tem forma tetramérica, ou seja, é formada por quatro monômeros. Quem porta essa mutação, tem esses monômeros desagregados. Uma vez separados eles se novelam em estruturas chamadas de amiloide dentro e entre as células”, disse a médica.
Márcia Cruz, que tem estudos na área, explica sobre a doença. Foto: Divulgação
Márcia Cruz, que tem estudos na área, explica sobre a doença. Foto: Divulgação
Antigamente, o único método existente era o transplante de fígado, que não curava o paciente mas retardava o processo. O presidente da Associação Brasileira de Paramiloidose (Abpar) Fabio Figueiredo (41) optou por não fazer o transplante quando ficou doente, aos 36 anos. “Meu pai tinha a doença mas passou a vida em estado de negação, pois naquela época não havia o que fazer, nem mesmo os médicos sabiam diagnosticar a doença. Aos 31 eu fiz o teste genético e tive a resposta. Não tentei o transplante pois perdi duas pessoas da família que haviam sofrido o processo”, explicou Figueiredo.
Fábio Figueiredo perdeu o pai em torno dos 40 anos. Foto: Divulgação
Fábio Figueiredo perdeu o pai em torno dos 40 anos. Foto: Divulgação
Origem
A neurologista diz que a doença é irreversível e que na região norte de Portugal é endêmica, chegando a ter um caso a cada 500 habitantes. “É daí que vem os casos brasileiros, muitas famílias daqui tem origem portuguesa. No Brasil tem-se hoje de cinco a 15 mil casos de paramiloidose. Esses dados não são exatos pois a doença é subnotificada em toda a América Latina“, disse Cruz que acompanha cerca de 180 pacientes brasileiros desde 2007.
De acordo com ela leva-se, em média, seis anos para fazer o diagnóstico da PAF, pois, como ela se manifesta em diversas partes do corpo, pode ser confundida com outras enfermidades. Uma delas é a hanseníase, também conhecida como lepra, já que, devido a perda da sensibilidade, o doente pode ter que amputar extremidades do corpo. “A doença tem três estágios. O primeiro é a já dita perda de sensibilidade nos membros, o segundo é a dificuldade para caminhar e necessidade do uso de muletas e o terceiro é quando o paciente já precisa de cadeira de rodas”, completou a neurologista.
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação
A mutação dos descendentes de portugueses ocorre no amiloide V30M, que provoca uma manifestação de caráter neurológico num primeiro momento. Já nos Estados Unidos, a doença é originada pelos genes africanos, nos quais a mutação mais frequente acontece no V122I, desenvolvendo problemas cardíacos. “Uma vez que se herda a mutação, a chance de desenvolver a doença é de 83%. Durante a progressão da doença, diversos órgãos são afetados”, esclareceu Cruz.
Mobilização
A campanha busca apoio nas redes sociais para promover a doença. Para participar, é só gravar um vídeo curto onde a pessoa apareça parada enquanto a vida acontece atrás dela, num cenário com bastante movimento ao fundo e colocar a hashtag #PAUSANAPAF. Isso é para que os amigos e seguidores fiquem curiosos e busquem saber mais sobre a paramiloidose. Celebridades como Wanessa Camargo e Adriane Galisteu já participaram. O nome da campanha foi originado devido a “pausa” que a doença faz na vida da pessoa sem tratamento.
Como embaixador da causa, Cafu falou sobre a visibilidade que o futebol pode proporcionar à doença. “Sei da importância que tem um conselho de um atleta. A gente precisa se mobilizar e salvar muitas pessoas. Para isso, é necessário que se tenha um conhecimento maior da população sobre a paramiloidose”, disse o ex-atleta. Jogadores do Palmeiras e do Santos já participaram da campanha.
Cafu é embaixador da campanha #PAUSANAPAF. Foto: Divulgação
Cafu é embaixador da campanha #PAUSANAPAF. Foto: Divulgação
Esperança e superação
O atleta alagoano Guilherme Jucá (37) é um exemplo de superação. Com histórico familiar da doença, desenvolveu a PAF bem cedo, aos 17 anos. “Eu estava na praia descalço e aí meus amigos me perguntaram como que eu podia aguentar ficar sem chinelo naquela areia tão quente. Fui para casa e falei para a minha família que eu estava doente. Eles não acreditaram, disseram que era muito cedo”, contou Jucá que só teve a atenção dos parentes depois de cair de moto e não sentir a bolha que havia se formado na perna.
Guilherme Jucá fala sobre os anos com a doença. Foto: Divulgação
Guilherme Jucá fala sobre os anos com a doença. Foto: Divulgação
Ele participava de competições de kitesurf, mas em 2005 teve que interromper os treinamentos, pois não tinha mais força nas pernas. No ano seguinte fez transplante de fígado e começou a sonhar em retornar ao esporte. Em 2008 buscou uma escola de windsurf. “No começo foi um desastre, levei 30 dias para conseguir fazer algo que outro aluno fazia em dez”, disse o atleta. Em 2012 venceu todas as baterias na Fórmula Windsurf Sport de Maceió, competindo com atletas sem limitações. Há dois anos ele voltou ao kitesurf. “Acho que o futuro reserva muitas coisas boas e pretendo viver por muito tempo ainda”, finalizou em tom de brincadeira.
Figueiredo, que faz parte de um grupo de pesquisa de um novo medicamento, é otimista em relação aos próximos anos. “Sinto uma grande esperança pois temos muitos avanços em andamento. Acredito que em breve existirão vários tipos de tratamento”, completou.
A Pfizer já submeteu no ano passado à Anvisa o medicamento Vyndaqel (tafamidis). Ele foi aprovado em 2011 pela União Europeia e é comercializado também na Argentina e no Japão. Segundo Cruz, o medicamento não tem efeitos colaterais importantes. “Espero não ver mais pacientes em estado de extrema magreza e fraqueza. Estamos buscando soluções para que todos tenham qualidade de vida”, finalizou a médica.