Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Primeira causa de morte no Brasil vai mudar em 2029

Amanda Milléo
27/11/2017 15:52
Thumbnail

Queda de patentes de novos remédios é uma das soluções para melhorar tratamento do câncer. (Foto: Bigstock)

Está prevista para 2029 uma mudança importante na forma como o brasileiro morre. Se atualmente as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no país, a partir da data, o câncer será a mais prevalente — um alerta importante, já que nesta segunda-feira (27) o INCA (Instituto Nacional do Câncer) mobiliza a população para falar sobre o controle da doença, no Dia Nacional de Combate ao Câncer.
Essa troca se deve a uma série de fatores, que vão do envelhecimento da população à dificuldade de acesso a medicamentos contra neoplasias, mas deve chamar atenção para a forma como cuidamos da nossa saúde hoje.
A virada na mortalidade do brasileiro foi identificada primeiramente por um estudo do Observatório de Oncologia, plataforma de análise de dados da Associação Brasileira de Leucemia e Linfoma (Abrale), e divulgada no início de 2016. De lá para cá, médicos e especialistas da área usam os dados para alertarem que o tratamento contra o câncer deve se aprimorar, ou não sairá da nefasta primeira posição.
E os tratamentos têm evoluído, pelo menos nos últimos 20 anos. Por enquanto, a menina dos olhos da oncologia é a imunoterapia – que busca ativar e reforçar o sistema imunológico do paciente para que identifique e ataque qualquer alteração que sinalize um câncer. O custo dessa (ainda em estudos) e outras novidades, porém, as mantêm afastadas da maior parte da população, dependente do Sistema Único de Saúde (SUS), e esse é o primeiro argumento de Evanius Garcia Wiermann, médico oncologista clínico e chefe do serviço de oncologia do hospital VITA.
“No SUS, o acesso ao stent e medicamentos contra hipertensão é muito mais fácil. No campo oncológico, estamos atrás nesse tratamento público, quando comparado ao particular. Os medicamentos oncológicos são muito caros e, no Brasil, o custo do imposto é 40% o valor do medicamento”, explica o médico.
Comparar as doenças cardiovasculares com o câncer também traz outra dificuldade: enquanto as doenças do coração são únicas (ou seja, a hipertensão é a mesma patogenia, mesmo atingindo diferentes pessoas), o câncer nunca é igual, nem mesmo quando tem o mesmo nome.
“Tentamos separar, de acordo com os comportamentos das doenças, mas a heterogeneidade ainda é muito grande. O que temos tentado melhorar é buscar tratamentos mais customizados ao paciente, o que o torna mais caro também”, retoma Wiermann.
Como tirar o câncer do primeiro lugar? 
Melhores tratamentos trazem melhores resultados e uma maior sobrevida do paciente. Uma solução para facilitar o acesso a tratamentos de ponta seria a indicação de pacientes aos estudos clínicos, ainda que as pesquisas na América do Sul representem tão somente 2,4% do mundo. No Brasil, atualmente, há mais de 900 estudos relacionados ao câncer, de acordo com dados do site clinicaltrials.gov.
“Mas não são só os pacientes que não sabem delas. Às vezes nem o próprio médico conhece a pesquisa. Há várias iniciativas, de entidades como a Oncoguia, que divulgam os estudos, mas é preciso uma conversa mais aberta entre médicos e pacientes”, sugere Carlos Barrios, pesquisador em câncer e diretor do Hospital do Câncer Mãe de Deus, em Porto Alegre (RS), durante o 6º Encontro de Jornalismo da entidade.
Outra solução é aguardar a queda das patentes dos medicamentos novos – o que não demora muito a acontecer, segundo Wiermann. “Na cardiologia, eles já contam com medicamentos genéticos e, na oncologia, começam a surgir agora os biossimilares que têm um preço mais baixo, o que pode ajudar a ser incorporado no sistema público”.
Coração: brasileiros têm melhorado hábitos 
Embora não seja uma boa notícia saber que os brasileiros morrerão mais de câncer do que qualquer outra doença daqui a 12 anos, a mudança na causa da doença traz um aspecto positivo para a saúde pública no país: estamos fazendo mais exercícios, temos nos alimentado melhor e adotamos hábitos mais saudáveis.
Isso porque as mudanças nos hábitos de vida, como abandonar o cigarro e diminuir o consumo de bebidas alcoólicas, bem como controlar os fatores de risco para doenças cardíacas (hipertensão, diabetes, sedentarismo, obesidade e colesterol alterado, entre outros) ajudam a reduzir a mortalidade por doenças cardíacas.
“Tem sido feito um bom trabalho de redução dos riscos cardiovasculares, mas isso leva também a uma disparidade. A população de um nível sócio-econômico menor sofre mais com a obesidade, sedentarismo e as doenças crônicas, que evoluem para doenças cardiovasculares. Isso porque nem sempre têm acesso às academias e a uma alimentação mais saudável, e sair de casa, à noite, para fazer exercícios na rua pode ser perigoso”, explica Miguel Morita, médico cardiologista e diretor do serviço de cárdio-oncologia da Quanta Diagnóstico e Terapia, e professor do curso de medicina da PUCPR.
E quando o câncer, finalmente, tiver a mortalidade reduzida ou estabilizada, as doenças cardiovasculares voltarão ao topo, de acordo com Morita.
“A melhor sobrevida do câncer, temos visto, que leva a um risco maior de problemas cardiovasculares, por conta do tratamento. Os efeitos da quimioterapia e radioterapia afetam também o coração. Por isso tem surgido a área da cárdio-oncologia, porque ainda não sabemos como será quando a sobrevida do câncer for maior”, explica o cardiologista.
Até 2030, de acordo com dados divulgados pelo hospital do câncer Mãe de Deus, serão 30 milhões de novos casos de câncer no mundo, com 17 milhões de mortes e de 75 a 80 milhões de sobreviventes da doença.
LEIA TAMBÉM