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Laboratório em Curitiba é o único do Paraná credenciado para realizar o serviço. Foto: Bigstock
Laboratório em Curitiba é o único do Paraná credenciado para realizar o serviço. Foto: Bigstock| Foto:

Quando uma criança perde os dentes de leite, está perdendo também fontes significativas de células-tronco mesenquimais. O nome complexo faz jus às propriedades desse material biológico. Essas células são capazes de contribuir para a regeneração de diversos tipos de tecido do corpo e podem ser usadas em terapias contra uma série de patologias. Em Curitiba é possível fazer esse tipo de procedimento e armazenar as células-tronco para uso futuro.

Quem faz a coleta do material é um dentista credenciado junto a um  centro de tecnologia celular (CTC). Atualmente 28 profissionais do Brasil prestam esse tipo de serviço em seus consultórios vinculados ao Curityba Biotech, laboratório curitibano especializado em armazenamento de células-tronco. Sabrina Cunha da Fonseca foi uma das primeira dentistas a realizar o trabalho. “Os pacientes fazem todos os trâmites junto ao laboratório e solicitamos exames de sangue. Então é feita a extração do dente de leite ou mesmo do adulto normalmente.

A diferença na extração é o cuidado de já colocar dentro do tubo com substancias, que funcionam como um meio de cultivo para que as células não morram.” Devidamente coletado, o dente vai direto para o laboratório. Além do dente de leite, Sabrina lembra que é possível fazer a coleta a partir do dente do siso e da bola de Bichat, já que a porção de tecido é rica em células-tronco.

Quem pode fazer?

Para fazer o armazenamento é fundamental que o paciente esteja saudável. Isso garante que, no futuro, quando for usá-las, ele não vá readquirir vírus ou bactérias que estavam nele mesmo quando a coleta foi feita. Por isso os exames clínico e sanguíneos são tão importantes. Também não é permitido coletar material de pacientes que estejam com cáries ou placa bacteriana, por exemplo.

Quanto custa?

Os valores para realizar o armazenamento giram em torno de R$ 3 mil pelo processamento do material e R$ 700 para a primeira amostra. Isso significa que uma pessoa que vá armazenar seu material vai gastar por volta de R$ 3,7 mil se quiser manter apenas uma amostra no banco do CTC. Cada amostra adicional custa aproximadamente R$ 400. Depois de feito o processamento, paga-se uma taxa anual de mais ou menos R$ 700 pela primeira amostra e R$ 400 por cada uma das demais. Fora isso, também é preciso considerar o custo da coleta, que deve ser negociado com o dentista responsável por ela.

Para que serve?

Tratamentos com células-tronco hematopoiéticas, como as retiradas da medula óssea, são realizados desde a década de 1950, como relata a geneticista Lygia da Veiga Pereira em seu artigo “Células tronco: promessas e realidades da terapia celular”. Lygia foi a primeira pesquisadora brasileira a conseguir retirar e multiplicar células-tronco de embriões congelados, em 2008. É com as células-tronco hematopoiéticas que se realizam os conhecidos transplantes de medula óssea.

Estudos sobre o uso de células-tronco mesenquimais, por sua vez, é muito mais recente. De acordo com Moira Pedroso Leão, diretora administrativa de centro de tecnologia celular Curityba Biotech, a primeira publicação a falar sobre a extração desse tipo de material a partir da polpa do dente data do ano 2000.

Publicações sobre esse processo com dentes de leite, especificamente, apareceram pela primeira vez só em 2003. “A gente pode tirar essas células de qualquer tecido, inclusive de dentes ‘adultos’, mas a grande vantagem é que nos dentes de leite as células-tronco mesenquimais são jovens e estão muito ativas. Então independentemente da quantidade que se colete no laboratório elas vão se multiplicar, porque estão mesmo muito ativas”, explica Moira, que tem mestrado e doutorado na área de implantodontia.

Ciência com DNA paranaense

Vítima de um acidente de carro quando tinha 26 anos, Moira quebrou a coluna e precisou de um enxerto ósseo. “Eu vi o quanto os pacientes sofrem para recuperar o tecido ósseo perdido da região da face, por exemplo, que é o tratamento usado na maior parte dos casos. Quando a pessoa perde os dentes, ela perde também todos os tecidos de sustentação. É preciso retirar o osso do quadril e transplantar para a boca”, relata. O desenvolvimento de técnicas regenerativas usando células-tronco retiradas da polpa do dente seria uma alternativa muito menos invasiva para esse tipo de problema. Mas elas também podem ser usadas para regenerar outros tecidos, como a pele e órgãos internos.

O CTC dirigido pela especialista trabalha com o armazenamento desses materiais. Desde 2008 o laboratório trabalha com esse serviço. O processamento das amostras é complexo. “A gente cria um meio de cultivo com aminoácidos essenciais de que a célula precisa para sobreviver”, conta Moira.

Quando uma amostra é solicitada para ser usada em uma terapia, é preciso estimular as células armazenadas a se diferenciar nos tecidos desejados. “Geralmente a gente usa proteínas que vão fazer a célula entender que ela precisa iniciar um processo de diferenciação. Se for um tecido ósseo, por exemplo, a gente coloca um pouquinho de dexametazona, um pouco de ácido ascórbico e uma fonte de fosfato. Então a célula já entende, pelo meio criado, que tem que se transformar em osteoblasto.”

A partir daí, as próprias células começam a produzir essas proteínas para alterar sua estrutura. Elas começam a expelir no meio essas outras proteínas. A pesquisadora compara o processo a uma “conversa química” entre as células. Como qualquer contato das células-tronco com outros materiais pode desencadear uma diferenciação, é preciso que elas sejam rapidamente isoladas após sua extração.

Pesquisas e evolução

Promover pesquisas com células-tronco no Brasil é um processo difícil. Os estudos são caros e conseguir verba para levá-los adiante é sempre um desafio, como conta Moira. “Hoje, o que separa as células que eu tenho armazenadas de uma aplicação clínica é um custo de mais ou menos R$ 1,5 milhão para cada patologia que eu quiser tratar. Para cada uma delas eu preciso de um estudo clínico – e ele depende de dinheiro.” A especialista afirma que, no Japão, por exemplo, a partir do momento em que se prova que determinada terapia não é letal, o paciente passa a pagar pelo tratamento. Isso faz com que os próprios pacientes envolvidos na pesquisa acabem financiando boa parte dela. No Brasil essa prática é proibida.

Mesmo assim, ela opina que os avanços na área são visíveis – e as possibilidades, quase infinitas. “Essas células mesenquimais recuperam tecidos lesados por vários problemas. Quando administradas durante um processo agudo, como o infarto ou o acidente vascular cerebral (AVC), em até 15 dias elas conseguem reparar o tecido com mais eficiência. Já com doenças crônicas eu preciso fazer um pré-tratamento para poder colocar no paciente as células já prontas.”

Para quem se preocupa com situações de emergência, as pesquisas com células-tronco também podem representar novas esperanças. “Se, por exemplo, uma criança teve uma queimadura e foi ao hospital. A família informa que ela tem células-tronco armazenadas e a equipe médica pode solicitar a utilização.” Para isso, o comitê de ética do hospital é acionado. Ele deve avaliar se o tratamento convencional é o bastante ou se há muito risco envolvido no caso. Se julgar que uma terapia celular vai diminuir o risco ou o tempo de tratamento, o comitê tem o poder de liberar o uso das células armazenadas. É o que se denomina uso compassivo.

Também é possível que haja autorização para uso das células em parentes do paciente de quem elas foram retiradas. Isso porque elas são compatíveis de pessoa para pessoa. Nesse caso, todavia, é necessário, além da liberação do comitê de ética, uma autorização judicial. “Então temos três possibilidades de uso, embora as terapias com células-tronco ainda não sejam completamente liberadas no Brasil: uma é o uso regular em pesquisa, outra é o uso de emergência e a terceira é o uso por ação judicial”, enumera Moira.

No caso do Curityba Biotech, o foco é desenvolver técnicas para recuperação de tecidos ósseos. A pesquisadora diz acreditar que em até cinco anos esse tipo de procedimento será uma realidade por aqui.

 

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