Saúde e Bem-Estar

Anne Festucci, de Foz do Iguaçu*

O dia a dia com uma criança atípica: mãe faz relato emocionante

Anne Festucci, de Foz do Iguaçu*
29/10/2017 08:00
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(Foto: reprodução Facebook)

Pedroca já tem 3 anos e meio e confesso que ainda não me cicatrizei completamente da experiência de receber uma criança atípica. A cada aniversário do Pedro eu me sinto fazendo aniversário também. É como se uma nova Anne tivesse nascido naquele dia. E como em qualquer parto, o processo de nascimento dessa nova pessoa que eu sou agora teve muita alegria e beleza, mas também teve muito medo e dor, e ainda tem. É uma desconstrução e reconstrução permanente.
E, pensando bem, tudo bem ser assim. Isso faz parte do processo. E nesse movimento que vivo, ininterruptamente, é preciso desmistificar algumas ideias e conceitos que são muito disseminados com os quais também convivo quase que diariamente. É muito angustiante quando a gente, nessa ânsia de dar conta da nova realidade, começa a ouvir (na melhor das intenções, eu sei), frases do tipo:
– “Deus não dá um fardo para quem não suporta carregá-lo” – isso é horrível de se ouvir, por mais que nossa rotina seja exaustiva, por mais que o cansaço impere em vários momentos, meu filho não é e nunca será um fardo.
– “Filhos especiais vêm para pessoas especiais” – vamos combinar, todo filho é especial pra toda mãe e pra todo pai, não é?
– “Ele tem um probleminha, né?” – problema a gente tem quando falta grana no fim do mês pra pagar uma conta, quando um familiar fica doente e temos que faltar do trabalho. O que Pedro tem é deficiência.
– “Tenho certeza de que o Pedro vai superar isso” – entendo a intenção de quem diz isso, mas a condição do Pedro não tem cura.
– “Eu não sei se aguentaria o que você aguenta” – criar filhos não é fácil pra ninguém, mas a partir do momento que você escolheu ser mãe ou pai, você vai procurar dar o seu melhor.
– “Você é uma supermãe” – não, não sou, sou uma mãe que luta como muitas. Infelizmente eu não tenho superpoderes, bem que eu queria ter.
Eu sempre gosto de conversar e esclarecer as situações. Acredito mesmo que a raiz de muitos preconceitos está na falta de informações. Acredito na máxima de que informação – quando correta, apurada, real – é poder, pode ser poder. E pra gente viver em um mundo de respeito à diversidade e livre dos estereótipos e dos preconceitos essas informações precisam chegar às pessoas. Acho que essa foi uma das maiores motivações para eu começar a compartilhar o nosso dia a dia no blog Nosso Mundo com Pedro e nas mídias sociais (Facebook e Instagram também com o mesmo nome).
Pode acreditar. Eu não me importo em falar sobre a deficiência do meu filho. Eu acho absolutamente natural que as pessoas que não convivem de perto com uma pessoa com deficiência na família, no trabalho, entre os amigos tenham dúvidas e curiosidades do tipo: qual o termo correto para se referir a alguém com deficiência? Por que as pessoas têm deficiências? Se o Pedro não anda e não fala, então ele não entende também? A deficiência motora implica em deficiência cognitiva?
Então, eu peço, quando você nos encontrar, se tiver alguma pergunta, nos faça. Se soubermos responder, vamos responder na boa. Se não, procuraremos a resposta pra você. Não fuja da gente, não desvie o outro, não puxe seu filho fazendo “shhh”. Isso afasta. E o que queremos é a aproximação. Porque se há o desvio do olhar, se há a repreensão, as pessoas com deficiência continuam à margem, permanecem excluídas.
E isso vai ficando tão claro e tão nítido pra gente que quando conseguimos alcançar essa aproximação nosso coração se enche de alegria e certeza de que é isso mesmo que temos que fazer. Vou dar um exemplo de como acontece na prática.
Domingo é dia de passear no Gramadão. Pedroca espera por esse momento ansioso. É sempre um momento muito feliz, a gente caminha junto, Pedroca na sua cadeira sentindo o vento no rosto, rindo de tudo e para todos. Mas nesse domingo tivemos uma surpresa pra lá de especial. Conhecemos uma garotinha encantadora de 4 anos.
Passamos por ela e ela saiu andando atrás da gente. Ela caminhou ao nosso lado e olhando para o Pedro curiosa, perguntou: Ele é grande né?! E o Tiago respondeu: Sim, é grande, quase do seu tamanho. E ela, intrigada: mas por que ele está aí (cadeira de roda)? E eu: porque ele ainda não anda. E ela: por quê? E eu: porque ele nasceu assim.
Tem criança que não enxerga, tem criança que não ouve, tem criança que não anda. O Pedro não anda. E ela: mas ele não enxerga? E a gente: enxerga sim, e ouve também e entende tudo o que você fala. E continuamos a caminhada. E logo ela perguntou: ele tá com medo de subir a rampa? E a gente: não, ele não tem medo não. Pergunta pra ele.
E ela perguntou e viu ele mexendo a cabeça e sorriu e então exclamou: ele não tem medo não, ele falou comigo, vamos subir. Eu, já não conseguindo conter as lágrimas, queria ver como eles interagiriam mais. E ela: você quer dar mais uma volta, Pedro? E ele balançando a cabeça e respondeu: é. E ela mais uma vez: eba, ele quer andar mais, eu entendi, ele falou comigo! E o passeio seguiu assim por mais um tempo e eu só pensando nas leis da física e da filosofia.
Corpos em repouso permanecem em repouso. Corpos em movimento permanecem em movimento. Cada um de nós tem um caminho, às vezes eles se colidem. Quando estamos no nosso caminho há poucas chances de desviar, pequenos momentos quando outras forças estão agindo tiram você da sua trajetória. O que pode ser tão poderoso que pode mudar seu caminho? Mudar seu futuro? Um ato da natureza, um ato de amor. Quando o desvio acontece, você se encontra em outro caminho, não mapeado, desconhecido, se abrindo na sua frente.
*Anne Festucci é jornalista, professora, mãe do Pedro, de 3 anos e 6 meses – um garotinho de olhos brilhantes e sorriso largo. Pedroca é animado, esperto, carinhoso e… possui deficiências múltiplas, o que não o impede de viver intensamente a vida. Leia mais sobre a história de Pedro aqui
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