Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Fumantes brasileiros associam cigarro ao hábito de tomar café

Amanda Milléo
04/04/2018 07:00
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(Foto: Bigstock)

Parar de fumar não é fácil, e a culpa não recai apenas nas substâncias tóxicas e viciantes do próprio cigarro. Hábitos desenvolvidos pelos fumantes, associados ao momento de fumar, também tornam o abandono do vício uma tarefa árdua e que leva meses, às vezes anos, até conseguir.
Uma pesquisa global realizada pelo Instituto Kantar Public, empresa de pesquisas e dados, entrevistou 17.421 fumantes, ex-fumantes e não fumantes de 13 países, entre eles o Brasil, para entender o comportamento da pessoa que fuma e, consequentemente, o que ajudaria a largar o vício do cigarro.
Dos resultados, o 2018 State of Smoking Survey apontou três conclusões importantes que associam o comportamento dos fumantes ao cigarro. O primeiro ressalta que fumar não é um hábito isolado e está profundamente associado aos prazeres básicos da vida, como comer e beber.
Entre os brasileiros entrevistados, inclusive, a maioria prefere fumar o cigarro enquanto toma café ou chá, logo depois de acordar ou quando está socializando com amigos. A mesma associação foi percebida nas entrevistas com os gregos e libaneses.
“Qualquer comportamento mais compulsivo que a pessoa associe ao cigarro prejudica o abandono do vício. No grupo de tabagismo que acompanhamos, os fumantes falam que o primeiro cigarro da manhã é o mais prazeroso, ou aquele que acompanha o café. Isso dificulta largar o vício porque se você faz o ato sem o cigarro, naturalmente o organismo vai remeter a ele”, explica Marina Machado, coordenadora do curso de Psicologia da Universidade Positivo e do projeto contra o tabagismo da mesma instituição de ensino.
Quando o fumante tem clareza dessa associação, e consegue substituir os hábitos ou mesmo deixá-los de lado por um tempo, fica mais fácil largar o vício.
Mas, a associação nem sempre é entre o cigarro e um alimento, mas a um momento. Por exemplo, conversar com amigos, caminhar, trabalhar, jogar baralho são momentos que, para o fumante que cria essa relação, vão direcioná-lo ao fumar.
“Você acaba criando ganchos de memória que fazem com que você se lembre do cigarro. O fumante condiciona um momento ao hábito de fumar e nem se dá conta disso. E os hábitos variam. Tem pessoas que fumam enquanto trabalham, mas não quando caminham, por exemplo”, reforça Marcelo Garcia Kolling, médico de família do programa de Secessão do Tabagismo da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba.

“Eu sei que faz mal, mas não largo o cigarro”

Outra conclusão da pesquisa global mostrou que os fumantes têm consciência que o cigarro é prejudicial à saúde, mas não conseguem ver a própria saúde fragilizada por conta do vício. E nem buscam médicos para avaliações de saúde.
“Existe esse processo de defesa psicológica. O fumante tenta se enganar, esconder, não olhar muito para isso. Eles sabem que o cigarro faz mal, mas não sabem quantas vezes aumenta o risco de um infarto ou do câncer de pulmão. Essas informações, às vezes, servem como motivadores para largar o cigarro“, diz Kolling.
Com os fumantes que não pensam em largar o cigarro, talvez essas informações não ajudem. “A pessoa que está tentando parar de fumar está em um nível diferente daquele que está em casa fumando. Esse é mais difícil sensibiliza-lo”, afirma.
Quando a pessoa percebe um prejuízo físico concreto decorrente do cigarro, como tumor na boca ou enfisema pulmonar, então vem a motivação para largar o cigarro. Marina Machado, coordenadora de um projeto contra tabagismo da Universidade Positivo, relata que a maioria das pessoas que procuram ajuda tem mais de 60 anos e com exames que comprovam os danos do vício.
“Os mais novos acham que está tudo bem, que isso acontece com os outros e não com eles. Muitos falam que podem morrer de outras formas, até atravessando a rua e não pensam no futuro. Ou preferem lidar com isso quando a doença chegar”, explica a psicóloga.

De fumante a não fumante: um ano

Um ano sem fumar é o período esperado pelos especialistas para que a pessoa possa dizer que está desintoxicada e liberada do vício. As recaídas, no entanto, podem ocorrer nesse prazo e elas não devem ser vistas como erros ou desmotivadores.
“A dependência bate forte na primeira semana e depois de alguns meses, quando a pessoa acha que está livre, baixa a guarda e os antigos gatilhos trazem o hábito novamente”, explica Marcelo Garcia Kolling, médico de família.

Como ajudar o familiar ou amigo a largar o cigarro?

Confira o que você pode fazer para ajudar um amigo que está tentando abandonar o vício:
Ajude-o a identificar os gatilhos. É comum aos fumantes associarem o cigarro a um momento do dia ou algum alimento, como café. Identificado os gatilhos, procure encontrar soluções que substituam. Por exemplo, se a pessoa sempre fuma enquanto toma café, troque a bebida por um suco pela manhã. Confira algumas receitas. Se o gatilho for o hábito de ter algo nas mãos, troque o cigarro por uma caneta, palito de dente ou cabo de pirulito.
Não precisa largar o cigarro sozinho. Especialistas reforçam que o largar o vício do cigarro não é algo fácil e nem precisa ser feito sem ajuda. Existem hoje a goma de mascar e adesivos de nicotina, que ajudam no momento.
Compartilhe sua experiência. Fazer parte de um grupo de ajuda a largar o cigarro também é uma boa sugestão a quem quer parar de fumar. Além de compartilhar a própria experiência, o fumante escuta as dificuldades dos outros e não se sente sozinho na batalha. Também consegue aprender com o erro alheio, como os próprios.
Anime-o sempre. Recaídas acontecem e fazem parte do trajeto. O importante é nunca desanimar ou achar que o cigarro vai estar presente para sempre na vida. Mesmo que já tenha tentado largar antes e não tenha conseguido, isso não significa que não conseguirá na próxima tentativa.
Cigarro eletrônico: não tão positivo assim. A promessa do cigarro eletrônico era boa. Como libera uma parte da nicotina, ajuda a sanar o vício químico do cigarro. No entanto, no longo prazo, os resultados não são tão positivos assim.
Isso porque a pessoa, ao invés de abandonar o cigarro eletrônico, continua com ele. Ou, pior, associa o eletrônico ao cigarro normal. Também trazia mais pessoas ao vício, especialmente os jovens – situação que não é vista com as pastilhas e gomas de nicotina.
Vale lembrar que, no Brasil, a comercialização de cigarros eletrônicos é proibida, e o uso não tem a aprovação da Anvisa.
Olhe para as três dependências. O cigarro não causa apenas uma, mas três dependências – comportamental, emocional e química. A primeira é aquela que associa o cigarro a um hábito, como acordar ou tomar café. A segunda é aquela que o fumante associa o cigarro a um medicamento ansiolítico, que acalma e é fonte de prazer. A terceira é relacionada às substâncias e toxinas presentes no produto. Dificilmente alguém para de fumar atacando só uma das dependências.

Busque ajuda 

A Universidade Positivo oferece grupos de auxílio a quem deseja parar de fumar. Os grupos surgem conforme a demanda.
Para participar, entre em contato com o Centro de Psicologia da instituição (mais informações abaixo) e deixe seus dados.
O grupo não tem idade ou gênero, e os encontros acontecem semanalmente, com até oito reuniões. Para mais informações, ligue o Centro de Psicologia através do telefone (41) 3317-3169.
Alguns postos de saúde de Curitiba também oferecem um programa de secessão ao tabagismo, que oferece os medicamentos, adesivos, pastilhas ou ansiolíticos, quando necessários, durante o tratamento.
Como cada unidade de saúde começa ou finaliza os grupos de acordo com o número de participantes, a orientação da Secretaria Municipal de Saúde é que a pessoa busque a unidade de saúde mais próxima de casa e, ali, receba orientações sobre onde há reuniões naquele momento.
A entrevista inicial é feita, geralmente, na primeira unidade de saúde e as reuniões seguintes na unidade com o programa em desenvolvimento.
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