Saúde e Bem-Estar

Camila Kosachenco, Zero Hora

Estudo considera incontinência urinária epidemia: 45% das mulheres têm o problema

Camila Kosachenco, Zero Hora
31/01/2018 07:00
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Apenas 30% da população procura médicos para tratar de problemas no trato urinário. Foto: Bigstock.

Xixi nas calças não é coisa só de criança. Pelo menos é o que diz o primeiro grande estudo epidemiológico sobre sintomas urinários feito no Brasil. Ao elencar uma série de problemas do trato urinário, pesquisadores descobriram os mais prevalentes: a bexiga hiperativa e a incontinência urinária.
Esta última é caracterizada pela perda involuntária de qualquer quantidade de líquido e pode ocorrer por uma série de fatores e em diversas idades, embora seja mais comum em pessoas acima dos 40 anos – faixa contemplada pelo relatório.
Realizado em cinco capitais brasileiras – Porto Alegre, São Paulo, Recife, Belém e Goiânia -, o levantamento conduzido pelo urologista Cristiano Mendes Gomes, do Núcleo Avançado de Urologia e do Centro de Continência Urinária do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, ouviu 5.184 pessoas. A maioria estava na faixa dos 50 aos 59 anos (34%) e mais da metade (53%) era do sexo feminino.
O resultado revela números dignos de uma epidemia: 45,5% das mulheres e 14,7% dos homens relataram sofrer com os vazamentos.

Os tipos e os sintomas

Para entender o tamanho do problema, é preciso primeiro saber do que se trata e como os sintomas se relacionam.
Um dos tipos de incontinência urinária é o de urgência: aquele em que há uma necessidade tão grande de urinar que a pessoa não consegue chegar ao banheiro a tempo. Essa classificação está intimamente relacionada a outro problema: a bexiga hiperativa, condição que resulta da contração involuntária do órgão durante a fase de enchimento.
Conforme o levantamento, apresentado no 36º Congresso Brasileiro de Urologia, no ano passado, 15% das mulheres e 9,4% dos homens entrevistados sofrem com esse tipo de escape. No entanto, o sintoma mais comum é a incontinência de esforço, aquela que acontece ao tossir, espirrar ou levantar peso. Ela foi relatada por 20,4% das mulheres e 2,6% dos homens.

“A incontinência por esforço é causada por uma deficiência no músculo que contrai a uretra, canal por onde sai a urina. Ele perde a capacidade de oclusão ou fica fraco, fazendo com que o xixi escape ao fazer esforço”, explica o chefe do Departamento de Urologia Feminina da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Fernando de Almeida.

Existe ainda a incontinência mista, na qual a pessoa sofre com os dois tipos de escape.
Entendido o problema, há de se destacar outro número que chama a atenção: o de pessoas que buscam um médico para se tratar. Apenas 30% da população procura auxílio para cuidar de questões do trato urinário, sejam elas incontinência ou outras.
“Esse cenário requer que o indivíduo entenda que o problema é importante e afeta a qualidade de vida. Por parte do poder público, a pesquisa mostra que se deve divulgar a incontinência e criar condições para tratá-lo, ainda mais se pensarmos que nossa população está envelhecendo” conclui Gomes.

Enxurrada de consequências

Muito mais do que o incômodo de ter as roupas íntimas molhadas, a incontinência traz consigo uma série de problemas emocionais que impactam diretamente na vida dos pacientes. Por isso, o urologista Fernando de Almeida rotula o sintoma como um “câncer social”.

“Ela (a incontinência) destrói a autoestima da mulher. Afeta o físico e o emocional. A mulher deixa de usar as roupas que gosta, tem uma preocupação enorme em achar um banheiro nos locais que frequenta, sente-se insegura de sair de casa, deixa de fazer atividade física. São pequenas situações que vão limitando a vida”, diz.

Além disso, há os problemas relacionados à vida sexual tanto feminina quanto masculina. Uma pesquisa iniciada entre 2011 e 2012 no Ambulatório de Disfunção Miccional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com 356 voluntárias – metade com incontinência urinária – mostrou que 55% delas não tinham mais vida sexual ativa. “Fomos motivados pelos relatos das pacientes na clínica. Elas apontavam que, além de afetar a parte emocional e psicológica, a incontinência interfere na sexualidade, com perda de urina no ato sexual ou no orgasmo” justifica Mariana Rhein Felippe, fisioterapeuta e autora principal do levantamento.

Pior para elas

Molhar as roupas íntimas involuntariamente é um problema muito mais comum entre as mulheres do que entre os homens – realidade evidenciada tanto pela pesquisa quanto pela prática médica. Explicar o porquê disso requer uma compreensão da composição corporal feminina, que é muito mais suscetível a encarar os vazamentos, diz o urologista Jorge Antônio Pastro Noronha, chefe do Serviço de Urologia do Hospital São Lucas da PUCRS:
“A anatomia pélvica das mulheres favorece o aparecimento da incontinência urinária. Nos homens, o problema é mais rotineiro após uma cirurgia na próstata”, diz.
O estudo epidemiológico conduzido pelo urologista Cristiano Mendes Gomes comprovou as experiências de consultório: as mulheres sofrem mais com a incontinência de urgência (14,9%) em comparação com os homens (9,4%). Elas também estão em desvantagem quando se trata da incontinência por esforço. Enquanto mulheres somam 20,4%, eles totalizam apenas 2,6%. “No Brasil, essas diferenças são um pouco mais acentuadas do que nos outros países. Aqui, vimos que quase metade das mulheres acima dos 40 anos tem algum grau de incontinência, seja ela uma gotinha a cada semana ou casos que demandem cinco fraldas por dia. Nos homens, são apenas 15%”, destaca o pesquisador.
Além dos aspectos anatômicos, fatores como gestação, parto normal e menopausa podem colaborar para o problema entre o sexo feminino. Contudo, Fernando de Almeida, chefe do Departamento de Urologia Feminina da SBU, alerta que isso não deve desestimular a gravidez nem estimular as cesáreas.
Melhor prevenir
Manter distância dos fatores de risco é a melhor saída para evitar o problema. Ter hábitos saudáveis como praticar exercícios físicos, comer bem e não fumar, embora não tenham influência direta nos vazamentos, beneficiam a saúde em geral. “O cigarro não causa incontinência. No entanto, fumantes podem ter muita tosse, o que favorece os vazamentos. Não tem como saber se isso vai resultar no problema, mas é importante afastar os fatores desencadeantes”, garante o urologista Jorge Antônio Pastro Noronha.
Uma alimentação equilibrada diminui a probabilidade de obesidade, outro fator de risco para a incontinência. O aumento de gordura intra-abdominal pressiona mais a bexiga, impulsionando os escapes.
Esse tal assoalho pélvico
O fundo da bacia (pelve óssea) termina em uma cavidade afunilada, chamada cavidade pélvica, onde estão órgãos como bexiga, próstata e reto. O fundo desse funil é fechado por uma espécie de cama elástica, o assoalho pélvico, formado por cerca de 13 músculos, auxiliados por fáscias (tecidos) e ligamentos.
Nos homens, o enfraquecimento dessa estrutura não é tão comum e geralmente está associado a cirurgias urológicas (em casos de câncer de próstata, por exemplo). Já nas mulheres, esse assoalho tem um orifício a mais, o canal vaginal, que o torna mais frágil. A base do tratamento fisioterapêutico para combater a incontinência está no fortalecimento desta estrutura a partir da cinesioterapia, que compreende exercícios para a normalização do tônus muscular.
A técnica, que pode ser realizada sozinha ou com o uso de bola suíça (aquela utilizada no pilates), cones vaginais, eletroestimulação (que ensina a mulher qual musculatura deve ser contraída) e biofeedback (instrumentos que monitoram a contração muscular), consiste em um tratamento conservador para a incontinência urinária e até a prevenção de enfermidades do assoalho pélvico.
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