Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Jovem descobre que não tem vagina aos 17 anos; conheça a Síndrome de Rokitansky

Amanda Milléo
18/08/2017 16:11
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O sintoma principal da síndrome é a falta de menstruação (Foto: Bigstock)

Moradora de Curitiba, Anita* não menstruou na mesma época que as amigas do colégio. Ela não sentiu as cólicas e nem a TPM (tensão pré-menstrual) que as demais meninas reclamavam. Aos 14 anos, os médicos acharam que ela tinha um útero muito pequeno, do tamanho de uma criança de oito anos, e a solução seria tomar hormônios para que o órgão se desenvolvesse.
Passados três anos em tratamento, nada de a menstruação aparecer. Antes de completar 17 anos, durante uma consulta médica, a mãe da jovem resolveu intervir e pediu ao médico que olhasse a vagina da filha – até então, em nenhum momento o especialista a havia examinado fisicamente. Ao olhar e não encontrar a entrada da vagina, veio o diagnóstico: síndrome Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser.
A condição é caracterizada pela falha na formação do sistema reprodutor, especialmente a vagina. Durante o momento de desenvolvimento do bebê no útero da mãe, esses órgãos não se desenvolvem como deveriam, atrofiando ou ficando em um tamanho menor que o esperado.
Com o diagnóstico, Anita passou por uma cirurgia que fez a abertura da vagina, mas ainda seriam necessárias outras intervenções, visto que o próprio canal vaginal não existia e nem o colo do útero. “No meu caso, como eu tinha feito a primeira cirurgia, tinha a entrada da vagina, mas não fiz a reconstrução do canal. Usei uma prótese que foi moldando o espaço e recebi alta no fim de 2013”, relata a jovem, que hoje tem 23 anos.
Os 12 meses em que jovem usou a prótese não foram fáceis, muito menos confortáveis. “Incomodava muito e eu tinha que ficar duas horas por dia com ela, pelo menos”, conta. Mas, o mais impactante foi a notícia de que ela não poderia gerar filhos biológicos.
“Logo depois da cirurgia, quando a médica me disse, eu não liguei muito, mas acho que não tinha caído a ficha. Mas quando os médicos do Hospital de Clínicas [HC de Curitiba] conversaram comigo, foi bem impactante. Eles me sugeriram acompanhamento psicológico, que acabei fazendo depois. Hoje ainda é um pouco difícil aceitar. Já me conformei que não vou poder ter filhos biológicos, mas terei uma linda família com meus filhos do coração”, diz Anita.
Síndrome que impede a formação de útero e vagina
A ausência ou encurtamento da vagina, canal vaginal e do útero, características da síndrome Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser, impede que a mulher possa gerar um bebê, menstruar ou até mesmo ter uma relação sexual tradicional.
Por nem sempre afetar os ovários, a produção hormonal feminina (estrogênio e progesterona) continua igual, bem como as características físicas do corpo. “Toda a genitália externa é igual, tem os grandes lábios, pequenos lábios. Só a vagina que pode ser ausente ou encurtada”, explica Roaldo Erich Meissner, médico ginecologista do hospital Nossa Senhora das Graças.
A ausência destes órgãos, no entanto, não impedem que a mulher sinta prazer, faça xixi ou cocô – anatomicamente, o clitóris, o canal urinário e o ânus estão em regiões diferentes da mesma área pélvica. “Cerca de 80% a 85% dessas pacientes até sentem orgasmo, porque o clitóris e a sensibilidade continuam iguais”, diz.
1 a cada 4 ou 5 mil mulheres desenvolve essa condição, de acordo com Gerson Righetto Junior, médico mestre e doutor em ginecologia e professor de medicina da Universidade Positivo.
Infelizmente, trata-se de uma má formação congênita que não pode ser prevenida. “Durante a gestação, uma ecografia não consegue vislumbrar os órgãos genitais de uma menina. O que se vê, em um exame de imagem, é a parte externa e então que se identifica se é um menino, com a presença do pênis e da bolsa escrotal, ou se é menina, com a vulva”, explica Meissner.
Sintomas vão da falta de menstruação à dores
O sinal mais comum de uma possível condição de Rokitansky é a ausência da menstruação, pela ausência do útero. “É comum na menina que chega aos 15, 16 e 17 anos e não menstrua. Ou é uma paciente que tentou uma relação sexual, mas não conseguiu, porque não tem como ter a penetração e ela passa a sentir dor”, reforça Meissner.
Uma terceira situação, conforme ressalta Gerson Righetto Junior, médico mestre e doutor em ginecologia e professor de medicina da Universidade Positivo, é a paciente que, por ter um profundidade vaginal um pouco maior, consegue manter relações sexuais, mas não consegue engravidar. “Nessa paciente, que vai buscar um médico, o ginecologista durante o exame consegue ver que não tem colo, não tem fundo da vagina. Mas isso cabe apenas à jovem que já teve uma relação, caso contrário é preciso pedir um exame de ecografia que vai indicar se o útero está desenvolvido ou não”, explica.
Como comparação, em uma mulher com desenvolvimento do sistema reprodutor normal, a vagina tem entre 8 a 9 centímetros. No caso da mulher com a síndrome, a vagina fica entre um centímetro e meio a dois centímetros. O máximo que pode chegar é até seis centímetros.
Tratamentos com cirurgia
“O canal vaginal pode ser reconstruído através de externos retirados da pele da coxa ou da barriga da própria paciente, ou mesmo da membrana amniótica da placenta”, explica Francisco Furtado Filho, médico ginecologista especialista em reprodução humana e diretor da clínica Fertway.
No caso de canais vaginais que existem, embora sejam de pequena profundida, é possível usar moldes ou próteses que aprofundam o canal e vão aumentando de tamanho com o tempo – como os usados por Anita.
Dores também são comuns
Em casos raros, apesar da ausência ou encurtamento da vagina, a mulher pode ter um útero normal. O cuidado, porém, é com relação à menstruação, que – pela ausência do canal vaginal – fica retida no corpo e, eventualmente, é reabsorvida. Isso gera muita dor, mais que o desconforto comum do movimento do útero durante a menstruação.
“Ausência da menstruação, dor abdominal recorrente, dificuldade ou dor na relação sexual, dificuldade para engravidar, incontinência urinária, infecção de repetição e até alterações na coluna podem ser sinais da síndrome Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser“, diz o médico ginecologista Francisco Furtado Filho.
Cirurgia é feita, gratuitamente, em Curitiba
Se conhecer alguém que tenha sido diagnosticada com a Síndrome de Rokitansky, o Hospital das Clínicas, da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR), oferece a cirurgia gratuitamente. Para tanto, os interessados devem buscar uma Unidade Básica de Saúde da sua região para uma avaliação médica. Constatada a síndrome, a própria unidade encaminha o agendamento da consulta especializada no HC.
*Nome fictício para manter o anonimato da personagem.