Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Mais nem sempre é melhor

Amanda Milléo
16/10/2014 03:18
“No pain, no gain” (sem dor, sem ganho) foi o bordão do personagem de cinema Rocky na década de 1980 e que virou mantra entre praticantes de atividades físicas no mundo todo.
Hoje, quem entra na academia, exercita-se com assessorias ou personal trainers fatalmente se depara com essa e muitas outras frases de efeito e imagens que buscam incentivar a prática esportiva, mas nem sempre com argumentos coerentes ou que resultem em atos saudáveis.
Na clássica frase cunhada pelo “boxeador”, a ideia de que o praticante precisa ir além mesmo sob dor pode até sabotar os resultados esperados.
“Mesmo em atividades de baixo impacto, como ginástica aeróbica, depois de anos podem surgir problemas de quadril, ombro e joelhos. Imagine como estarão os que hoje fazem atividades fortes na linha da frase famosa daqui vinte anos?”, indaga o coordenador de esportes da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Luiz Carlos Py Flôres.
A noção de que é preciso superar um limite orgânico (sentir dor) para chegar ao objetivo está incorreta – principalmente quando ela ocorre durante o treino. Com atividade física regular, o limite é expandido e não deveria ser ultrapassado. “Passar a uma série mais avançada não significa estourar o limite, mas elevar a barra que o mede”, diz o professor de História da Educação Física da Universidade Federal do Paraná, André Capraro. “O desenvolvimento corporal ocorre em etapas e o principal é definir bem os limites individuais, não negligenciá-los, como é bastante comum em locais destinados à prática física”, diz o professor, citando outra frase que circula nesses grupos: “O limite é uma fronteira criada só pela mente”.
Segunda-feira da penitência
O fim de semana foi dedicado à quebra da dieta e ao abandono dos exercícios. A segunda-feira, portanto, é o dia da penitência na maioria das academias de ginástica. O treino dobrado, para compensar os dois dias sem regras, reforça que de modo geral as pessoas tendem a exagerar nos primeiros treinos, achando que o tempo que o corpo precisa e que a mente acredita ser necessário estão próximos.
Treino em excesso atrapalha o desempenho
Apesar de alguns clichês indicarem que, na dúvida, o ideal é colocar mais peso, o correto é confirmar com o professor ou treinador se o treino não está muito fraco ou forte. Overtraining existe, mas isso não reduz a importância de uma alimentação balanceada e do descanso. “Treinar em excesso pode ser mais prejudicial para aquelas mudanças que se quer produzir do que se a pessoa continuasse a treinar de modo adequado”, diz o professor da UFSC, Jaison Bassani. Não há receitas gerais na prescrição de uma série de exercícios. A intensidade aumenta de acordo com a capacidade ou o limite da pessoa. “Indivíduos que são movidos por frases sem conteúdo também indica insegurança em relação à personalidade”, diz o professor da UFPR, André Capraro.
Tempo de recuperação é muito importante
Em meio a frases com apelos ao exagero, há aquelas que relembram os processos graduais, porém com resultado. Muitas reforçam que a recuperação da musculatura e obtenção dos resultados só se dará por meio dos processos fisiológicos, como o repouso. A restrição do sono reduz a massa magra, o metabolismo e a queima de gordura nos inevalos. “Sem recuperação pode ocorrer perda de desempenho e ocasionar lesões”, diz o professor da UFRGS, Eduardo Cadore.
Os limites do corpo existem e devem ser respeitados
Exaltar que o limite físico é uma fronteira inexistente, capaz de ser transposta, não é uma frase coerente ou realista aos praticantes de qualquer exercício físico. Barreiras físicas existem e, quando ultrapassadas, geram dores que não podem ser ignoradas, visto que as lesões são as principais consequências. No entanto, para ver os resultados – especialmente no ganho de massa muscular – o praticante chega ao limiar do limite, e é justamente o papel que cabe ao educador físico: quantificar o limite de cada um. “O difícil é construir essa relação entre descanso e estímulo de forma a produzir novas adaptações do organismo, que se encontre o limite e não o ultrapasse”, explica o professor da UFSC, Jaison Bassani.
Por outro lado, quando a leitura das frases indica um ‘além’ que incentiva o não abandono dos exercícios ou não desistir, elas podem ter efeitos benéficos. “É muito comum que as pessoas comecem o exercício e não fiquem o mês inteiro. É importante que as pessoas não levem a frase como superação do limite biológico, mas sim como um estímulo à continuidade”, afirma o coordenador de esportes da PUCPR, Luiz Flôres.
Incentivo benéfico
Sentir dor não significa melhorar a performance
Sentir dor não representa um ganho muscular ou uma evolução nos exercícios e está provada em estudos. De acordo com o artigo Muscle damage and muscle remodeling: no pain, no gain?, um estudo realizado por pesquisadores norte-americanos mostrou que uma remodelagem muscular, como a hipertrofia, pode ocorrer independentemente de um dano ao músculo – representado na dor. “O dano muscular foi estatisticamente diferente entre os grupos que já haviam treinado antes e os que começaram no estudo. Os que não haviam treinado antes mostraram sintomas consideráveis de dano e dor, enquanto o grupo que já havia treinado previamente mostrou nenhum sintoma de dano ou dor. Independentemente dos níveis de dano inicial, as mudanças no volume muscular e fator de crescimento foram as mesmas para ambos”, conclui a pesquisa, publicada no The Journal of Experimental Biology.
Ser “sarado” não significa ter mais saúde
Assim como as regras de um clubinho particular, muitos ‘sarados’ não entendem que praticantes da academia não querem ter uma musculatura aparente. Até mesmo o termo ‘sarado’ dá a entender a recuperação de uma doença ou enfermidade – ausência dos músculos aparentes. “De modo geral, o ser fraco é identificado como o indivíduo que não possui um determinado padrão corporal. O risco maior não é esse que eu me submeti com o treinamento, mas é você que não treina ou treina leve demais, que levanta ferro como uma menina, termo que eles usam de forma a tentar desqualificar a pessoa”, explica o professor Bassani. No entanto, há um fundo de verdade ao expressar o perigo em ser ‘fraco’. Quanto mais fortes forem as partes mais fracas, tão forte o corpo todo será, segundo Py, professor da PUCPR. As partes mais fracas seriam a musculatura profunda, que inclui os adutores, glúteo médio, parte lateral do quadril e lombar, além da musculatura de ombro. “Não adianta o fisiculturista ter um peito forte, mas não ter força adequada no quadril ou na coxa. É como construir um prédio sem se preocupar com o alicerce. O risco de rachaduras e infiltrações, ou lesões musculares, articulares e o próprio overtraining é maior”, explica Py.

Bordões de academia