Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Pacientes não confiam mais nos médicos?

Amanda Milléo
02/08/2015 07:50
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Nos consultórios médicos, a confiança se rompeu. O laço de fé do paciente na capacidade do médico desfez-se e corre o risco de virar um nó. Na opinião do cardiologista Celmo Celeno Porto, autor de livros sobre a Semiologia Médica, a crise de relacionamento entre paciente-médico é profunda e complexa demais para apontar os dois como culpados. “O elo mais fraco nessa corrente é o paciente, mas o médico não é o elo mais forte. São os gestores, os planos de saúde, a indústria farmacêutica, a indústria dos aparelhos eletrônicos que estão no comando desse processo”, afirma.
Podemos dizer que hoje há uma crise na relação médico e paciente. O médico deixou de ser de uma casta superior, detentor de todas as informações, com um paciente submisso, acatando as decisões. Essa mudança tem pontos positivos e negativos?
A crise é muito maior. Estamos vivendo uma transição que não é só pelo aparecimento de tecnologia, mas uma mudança na própria prática médica, na maneira de organizar o sistema de saúde. Nos últimos 30 anos, a crise está evoluindo e atingiu a essência da medicina, o encontro do médico com o paciente. Todo o resto é secundário e isso se inverteu.
Um dos “culpados” pela crise seria o foco na cura e na tecnologia?
O endeusamento da tecnologia não foi uma coisa gratuita, tiveram interesses econômicos muito fortes. A medicina está dentro do que se chama de bionegócio, que é o maior negócio do mundo e o principal culpado. A interferência se reflete logo na primeira consulta, e inclui todas as profissões da saúde, as clínicas, hospitais, aparelhos e indústria farmacêutica. Não se trata só do médico.
De todos esses citados, a influência da indústria farmacêutica está mais próxima do paciente, não? É uma situação errada quando o médico prescreve ao paciente um medicamento de alguma marca específica?
Não, o médico pode ter escolhas. O que é absolutamente errado e intolerável é receitar o medicamento com outro interesse que não o de cuidar do paciente. Não é algo feito só pela indústria farmacêutica, a indústria de exames também. Existe a máfia do jaleco branco, de próteses, de stents, tudo que você pode pensar tem o lado cinzento. Quando isso surge, saem as notícias na televisão, na internet, de um comportamento antiético, e atinge a todos e abala a confiança entre nós.
Algumas entidades médicas americanas têm divulgado o excesso de prescrição de exames sem necessidade por meio de um movimento chamado Choosing Wisely. Como está essa discussão no Brasil?
Essa discussão ainda não existe no Brasil porque está ligada ao bionegócio. Não apenas em fazer exames desnecessários, mas em intervenções e medicamentos. Os bionegócios têm lobbies poderosos. Para você confrontá-los, tem que começar pelos estudantes. Porque, quando está em uma fase de compromissos, você não os rompe.
E as pesquisas clínicas, de sites de pesquisas médicas renomados? É possível imaginar que eles também tenham sido corrompidos?
Nada ficou de fora do bionegócio. Os médicos têm que adquirir hoje uma formação ética, saber os limites certos, ter uma capacidade científica muito boa para deixar de ser um elo fraco. O médico bem preparado e competente é respeitado dentro do bionegócio. O mal preparado é usado para tirar proveito. A minha confiança está nos estudantes.
A influência das tecnologias e do dr. Google é prejudicial para a retomada da relação?
As mudanças tecnológicas são ótimas, sem elas não existiria a medicina moderna. Mas não podemos nem endeusá-las e nem querer que elas substituam os médicos. Na hora que eu faço o exame achando que vou corrigir um exame clínico mal feito, não vai dar certo. Não tenho nada contra o dr. Google, porque médicos, estudantes, pacientes, todo mundo consulta a internet. Agora, o paciente precisa conversar com o médico sobre as informações que achou no Google, para entender e ter o direcionamento correto.