Turismo

Quarenta dias de Carnaval? País da América do Sul tem a folia mais longa do mundo

Carolina Werneck
17/01/2018 18:00
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Carnaval em Montevidéu, 1996. A murga Luna Pirata dança pelas ruas da capital uruguaia em busca do título do Concurso Oficial do Carnaval do Uruguai. Entre os integrantes do conjunto que dança pelas ruas, um adolescente que, 20 anos depois, coordenaria toda a festa, considerada hoje a mais longa do mundo.
Gerardo Reyes não tinha como adivinhar a importância que o carnaval teria em sua vida. Há dois anos ele ocupa o cargo de gerente de Festejos e Espetáculos do Departamento de Cultura da Prefeitura de Montevidéu, mas foi naquele ano que ele começou sua história com a festa. “Olhando para trás sinto que meu papel atual se fortalece pelo caminho que fiz no carnaval”, avalia.
Anos depois ele foi membro de uma das murgas mais tradicionais do país, chamada Contrafarsa. “Acho que é daí que surge o apego emocional, essa responsabilidade que eu sinto por deixar todas as contribuições possíveis para essa festa.”

“El más largo del mundo”

Culturalmente muito rico, o carnaval do Uruguai bebeu de diversas fontes para se tornar o que é hoje, “o carnaval mais longo do mundo“, com quase 40 dias de duração. “O carnaval uruguaio é um fenômeno enorme, nutrido de elementos tão diversos como a animação dos cabarés da noite montevideana e a tristeza rebelde dos cortiços em que viviam as populações afro da cidade”, explica Reyes.
Comparsa de Candombe agita uma rua de Montevidéu. Foto: Leonardo Correa/Uruguay Natural
Comparsa de Candombe agita uma rua de Montevidéu. Foto: Leonardo Correa/Uruguay Natural
Este ano a festa começa no próximo dia 25 com o Desfile Inaugural na Avenida 18 de Julio, que é uma das principais vias de Montevidéu. Atualmente trata-se de um grande festival de música, canto e teatro, repleto de apresentações e desfiles que se estendem até meados de março. Os eventos são realizados no Teatro de Verano Ramón Collazo e também nas ruas da capital.
Uma das grandes atrações é o Concurso Oficial do Carnaval, que dura por volta de 30 noites com quatro ou cinco conjuntos se apresentando em cada uma delas. Há quatro noites de desfiles de rua no centro e 18 nos bairros. “Um desses desfiles é o ‘Desfile de Llamadas‘, que, durante duas noites, representa a melhor e maior homenagem ao ritmo, à história e à beleza do candombe de rua“, afirma Reyes. Em 2018, graças a algumas mudanças nos regulamentos, 18 das 48 comparsas – grupos que fazem o candombe – participantes são do interior do país.

Brasil x Uruguai

Em vez do samba, quem dá o tom no carnaval uruguaio são o candombe e a murga. Em vez dos blocos e do desfile das escolas de samba, há as comparsas e o Desfile de Llamadas. Reyes, entretanto, gosta de falar do que torna as duas festas parecidas. “Ambas são notavelmente populares, com expressões similares, já que as pessoas vão para as ruas para fazer sua uma festa que se baseia nas produções artísticas de grandes conjuntos, cada um deles assume temáticas ou expressões que falam de seu entorno ou das coisas que acontecem nele.”
Apaixonado pelo sentimento e pelos ritmos que dominam Montevidéu ao longo dos dias de festa, o gerente de festejos e espetáculos diz estar certo de que o carnaval do país tem grande potencial turístico. “É muito difícil ser objetivo ao falar de algo que se ama, porque assim se sente o carnaval no Uruguai. Não gostamos de prometer nada, apenas convidar a todos que conheçam um carnaval que se caracteriza por sua segurança, sua limpeza e seu caráter eminentemente humano.”

Candombe, Comparsas e Murgas

Foto: Leonardo Correa/Uruguay Natural
Foto: Leonardo Correa/Uruguay Natural
Ritmo de origem africana, o candombe é tocado com três tipos de tambor chamados de chico, repique e piano. No Desfile de Llamadas são mais de 2,5 mil tambores, o que faz do espetáculo o maior do mundo em número desses instrumentos tocados ao mesmo tempo.
É um momento de tradição e memória, já que ao longo dos séculos 18 e 19, os escravos se reuniam fora da cidade para tocar seus tambores, que ressoavam chamando as pessoas para o encontro. A isso se dava o nome de “las llamadas del tambor” – “as chamadas do tambor”, em tradução livre. O desfile foi batizado para relembrar suas origens.
O candombe tem tanta importância na cultura uruguaia que é reconhecido como Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco. “Transmitido no seio das famílias de ascendência africana, o candombe não só é a expressão de una resistência, mas também uma festividade musical uruguaia e uma prática social colectiva profundamente arraigada na vida diária desses bairros”, descreve o site da organização.
Segundo a Uruguay Natural, ligada ao Ministério do Turismo uruguaio, “as ‘Sociedades de Afrodescendentes e Lubolos’ ou ‘Comparsas de Candombe‘ são herdeiras de uma tradição envolvida nas denominadas Salas de Nación da época Colonial”. Seus integrantes se dividem entre os instrumentistas, o corpo de dança e os personagens.
Foto: Leonardo Correa/Uruguay Natural
Foto: Leonardo Correa/Uruguay Natural
A murga, por sua vez, é outro ritmo musical que tem suas raízes na Espanha, mas a denominação também é usada para os grupos que se apresentam com o ritmo. Formada por 17 integrantes, há 13 coristas, três integrantes da bateria e um diretor de cena e coral.
Juntos, os membros da murga apresentam cenas com uma mistura de humor, sátira e crítica geralmente ligados à política e à realidade social. “O carnaval nasce dos bairros e a maioria tem uma Murga pela qual torcer, apoiar ou seguir, ora nos desfiles ora nos concursos oficiais, que tem júri qualificador outorgando prêmios e menções”, explica a Uruguay Natural.
Para Reyes, que começou a se relacionar com o carnaval justamente em uma murga que nunca recebeu o prêmio do Concurso Oficial de 1996, o verdadeiro prêmio chegou muitos anos mais tarde. “Em nível pessoal tenho o orgulho de ver o amor pelo carnaval na minha filha Malena, de 15 anos. Por isso digo com alegria que a semente desse amor germinou da melhor maneira possível.”
Gerardo Reyes: de integrante de murgas a gerente de Festejos e Espetáculos da Prefeitura de Montevidéu. Foto: Divulgação
Gerardo Reyes: de integrante de murgas a gerente de Festejos e Espetáculos da Prefeitura de Montevidéu. Foto: Divulgação

O ano todo

O Uruguai mantém um espaço específico para contar a história e guardar as lembranças do carnaval no país. É o Museu do Carnaval, que fica aberto ao longo de todo o ano. As entradas para residentes no Mercosul, inclusive no Brasil, custam 70 pesos uruguaios (cerca de R$ 8). Mais informações sobre horário de visitação e acervo podem ser encontradas no site do museu.
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