Turismo

Witmarsum, a pequena colônia paranaense que divide sua história com o mundo

Gisele Eberspächer
08/08/2017 18:00
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Witmarsum encanta turistas no Paraná pela história, gastronomia e passeios. Foto: Daniel Caron/Gazeta do Povo.

Conhecer a Colônia Witmarsum pelo acesso da rodovia 277 é uma experiência inusitada. Depois de atravessar um corredor de árvores, você chega a um lugar com casas distantes uma da outra. Mal parece uma cidade. Aos poucos, surgem outros sinais: uma escola, um supermercado, um hospital, alguns restaurantes e silos. A Avenida Presidente Ernesto Geisel tem uma placa que sinaliza cuidado com vacas que podem cruzar a rua.
Não se sabe ao certo quantos são os habitantes de Witmarsum, que faz parte do município de Palmeira — com 33 mil habitantes —, mas estima-se que sejam cerca de 2 mil pessoas, com a maioria se dedicando à agricultura e à pecuária.
Discreta e tímida, a Colônia é uma grande produtora de leite e queijos – são até 80 mil litros de leite e uma tonelada de queijo produzida por dia – e mostra cada vez mais que é capaz de diversificar sua economia, com empreendedores investindo em setores como turismo, entretenimento e alimentação.
(Foto: Daniel Caron / Gazeta do Povo)
(Foto: Daniel Caron / Gazeta do Povo)
Não é uma tarefa fácil dar conta da história da Colônia, fundada em 1951 por um grupo de moradores do município de Witmarsum, em Santa Catarina. Eles têm uma longa história de migrações mesmo antes de virem para o Brasil.
Um dos responsáveis por cuidar dessa memória é Ricardo Philippsen, atual responsável pelo Museu Histórico da cidade. Filho do historiador Heinz Egon Philippsen, ouviu essas narrativas desde menino e hoje as compartilha com os cerca de 800 visitantes mensais do museu.
“A Colônia Witmarsum tem uma fama de ser uma colônia alemã, mas não é bem assim. Nossa história é um pouco diferente”, diz Philippsen, sentado em uma mesona logo na entrada do museu. Durante a entrevista, atendeu alguns visitantes que começavam a chegar na colônia num sábado de manhã frio e pedia para as crianças procurarem vários itens pela casa, numa espécie de gincana, para os pais poderem olhar a exposição com calma.
A partilha
A Colônia Witmarsum no Paraná foi fundada quando cerca de 80 famílias compraram a fazenda de Cancela, em Palmeira, e dividiram o terreno entre si. A casa que hoje hospeda o museu já estava no terreno, e serviu como hospital, maternidade e até sede da cooperativa.
Para interessados em história e geografia, a Colônia guarda mais uma surpresa. Ao lado de uma curva, logo atrás dos silos, é possível ver uma estria glacial: uma formação rochosa que registra um período em que a região era coberta por grossas camadas de gelo. Quando se moviam, essas placas deixavam as marcas que são visíveis hoje. A estimativa é que isso tenha acontecido entre 360 e 270 milhões de anos atrás.
(Foto: Daniel Caron / Gazeta do Povo)
(Foto: Daniel Caron / Gazeta do Povo)
O resultado da constante migração do grupo é visível em vários aspectos da vida dos menonitas. Basta um passeio pelo museu para perceber como agregaram objetos e costumes de todos esses países. O mesmo acontece com a culinária, da qual fazem parte os pierogis poloneses, a sopa borsch russa e o purê de maçã alemão.
Além da alimentação, os moradores mantêm outras tradições. Uma delas é o plautdietsch, variedade do alemão típica da Frísia e ainda falada na Colônia (embora o alemão padrão seja ensinado na escola). Outra tradição são os jardins, sempre bem cuidados com flores plantadas em fileiras ordenadas.
A vida em comunidade e a produção própria são essenciais para a vida da Colônia – para eles, a sociedade é formada por um tripé entre escola, igreja e cooperativa. Tanto que a Cooperativa Witmarsum comemora 65 anos em 2017. Ela foi fundada por 38 cooperados, que esperavam achar alternativas melhores de produção – quando chegaram à nova colônia no Paraná, perceberam que o solo era arenoso e não sabiam ao certo como seria a produção agrícola. Optaram então pela pecuária.
(Foto: Daniel Caron / Gazeta do Povo)
(Foto: Daniel Caron / Gazeta do Povo)
“Com o passar do tempo, se viu o potencial do leite. A cooperativa comprou então reprodutores para melhorar a genética dos animais e tratores que ficavam à disposição dos cooperados”, conta Artur Sawatzky, diretor presidente da cooperativa. Ele defende que juntos conseguem ter um poder econômico maior para negociar com fornecedores e maior facilidade de comercializar o produto final, além do suporte técnico e operacional durante e produção.
O queijo foi uma maneira encontrada para agregar mais valor ao produto. O projeto começou nos anos 2000, quando conseguiram as máquinas necessárias e um profissional da área para treinar a mão de obra. “Estamos muito próximos do mercado de Curitiba, que tinha demanda para esse tipo de produto”, diz Sawatzky.
Hoje a cooperativa conta com 332 associados e 155 funcionários. Além do leite e dos 10 tipos de queijo, eles produzem também ração (principalmente para consumo dos próprios animais) e ajudam em questões sociais e de infraestrutura da Colônia. Em 2016, o faturamento foi de R$ 105 milhões.
(Foto: Daniel Caron / Gazeta do Povo)
(Foto: Daniel Caron / Gazeta do Povo)
Tempos modernos
A produção de leite, no entanto, não é mais viável para todos na Colônia. Em parte porque os jovens acabam saindo da cidade para estudar e encontram outros interesses e empregos. Mas também por uma questão geográfica: “Não temos mais como expandir, e muitas áreas são divididas por questões de herança. A produção de leite precisa de espaço. Em terrenos menores, a atividade do leite fica questionável”, explica Sawatzky. E uma das alternativas encontradas foi o turismo, que começou há cerca de 20 anos.
A Pousada Siebert, o restaurante Bauernhaus e a confeitaria Kliewer estão entre os primeiros empreendimentos voltados para comércio e serviços. A Kliewer começou com um casal de professores que buscava um complemento de renda com a venda de biscoitos e pães. Aos poucos o negócio aumentou e virou uma confeitaria movimentada – eles atenderam 4.500 pessoas no último feriado de Carnaval.
Hans Ulrich Kliewer, dono na confeitaria, conversou comigo rapidamente em um intervalo de sua apresentação – nos fins de semana, toca acordeão em uma banda que anima os turistas que tomam café no local. O empreendimento familiar tem 11 funcionários e atende principalmente visitantes e grupos escolares que passam pela Colônia.
Já a Pousada Siebert começou atendendo comerciantes e empresários que vinham para a colônia para negociar com a cooperativa. A atual proprietária, Carmen Siebert Franz, é filha do fundador e conta que no início compravam itens da Kliewer para o café da manhã e indicavam o Bauernhaus como local de almoço.
O restaurante, por sua vez, foi a saída encontrada para uma colheita ruim. Hoje investiram no turismo rural, além do buffet de comida alemã, trabalham com grupos escolares que querem entrar em contato com a natureza.
(Foto: Daniel Caron / Gazeta do Povo)
(Foto: Daniel Caron / Gazeta do Povo)
Artesanato
Com o turismo, a economia se diversifica. Já existem lojas de artesanato (local ou importado da Alemanha) e de produtos coloniais voltadas para turistas. Produtores locais expõem suas mercadorias – compotas, bolos, biscoitos, doces, conservas, artesanato, frutas e legumes – em uma feirinha todos os sábados de manhã, das 9 horas às 12 horas, em frente ao mercado. Além disso, a própria oferta já é maior: hoje já existem plantações de cogumelos e frutas vermelhas e até produção de cervejas artesanais.
Bebida
Uma das empresas novas é a Usinamalte, fábrica de cervejas artesanais criada pelo Ferdinando Schmeider e pelo Aldecir Isbrecht. Schmeider nasceu na Colônia em 1979 e, depois de ter passado alguns anos fora, resolveu voltar para ter uma vida mais calma e trabalhar no setor de queijos da cooperativa.
Depois de viajar para a Alemanha e conhecer as cervejas de lá, voltou inspirado para começar a produzir a própria bebida. Comprou um kit caseiro para experimentar receitas e, depois disso, só precisou encontrar um sócio para transformar a curiosidade em negócio. Schmeider e Isbrecht registraram a Usinamalte em 2015 e em 2017 começaram a colocar o produto no mercado.
O entusiasmo de Schmeider pelas cervejas é visível quando ele tira um pouco da bebida de um dos tanques para experimentar. “Amarga”, diz. A cerveja ainda ficaria vários dias ali antes de ficar pronta, processo que pode demorar meses.
A primeira cerveja comercializada por eles foi batizada de Kliewer, uma pilsen leve vendida exclusivamente na confeitaria. Hoje eles já vendem outros quatro tipos: a American Pale Ale, a stout Katarina, a puro malte Oktober Wit e a Weissbier, uma cerveja de trigo leve. O investimento inicial com as máquinas foi de R$480 mil, cujas parcelas são pagas com o retorno das vendas. A produção é de 2.400 litros por mês distribuídos em 12 pontos de venda.
Para o futuro, Schmeider conta que pretendem investir no turismo. “Queremos abrir a fábrica para visitação e ter uma espécie de pub para as pessoas experimentarem a cerveja aqui mesmo”, diz.
Vou embora com a impressão de que a Colônia Witmarsum vive um período de reinvenção. Depois de entrar pela BR-277, busco a saída da 376. Apenas algumas centenas de metros separam a última casa da rodovia movimentada. É hora de voltar.
(Foto: Daniel Caron / Gazeta do Povo)
(Foto: Daniel Caron / Gazeta do Povo)
Uma saída
O turismo ainda é recente para a Colônia Witmarsum. Como não foi planejado, incomoda alguns moradores. Ainda assim, é uma saída econômica viável. “A geração mais nova tem que se reinventar. Não tem mais terra para agricultura ou pecuária. Eles estão pensando em soluções diferentes”, diz Phillipsen.
História de Witmarsum
A história de Witmarsum começa na Frísia, região no norte da Europa que hoje pertence à Alemanha, Holanda e Dinamarca.
Na primeira metade do século 16, o padre católico Menno Simons se converte ao anabatismo e lidera uma reforma religiosa. Sua influência foi tanta que os novos fiéis se chamam menonitas.
Defensores de uma postura pacifista e comunitária, os menonitas sofreram perseguição religiosa em vários dos países pelos quais passaram. Tiveram que sair da Frísia quando a região entrou em guerra e eles foram repreendidos por não participarem das lutas. Encontraram asilo em Gdansk, na atual Polônia, antiga Prússia.
Os anos 1700 foram um período conturbado e o grande império prussiano viveu muitos conflitos, dos quais os menonitas não participaram. “Os jovens alemãs morriam na guerra, os menonitas não lutavam. Eles se tornaram então muito vulneráveis e começaram a ser perseguidos”, diz Ricardo Philippsen, do Museu Histórico de Witmarsum. O próximo exílio foi para a Rússia, onde encontraram abrigo na região onde hoje é a Crimeia. A imperatriz era Catarina, a Grande, que dava boas-vindas para os povos com terras e liberdade religiosa.
Após 100 anos, o imperador Alexandre começou um processo de russificação – as liberdades diminuíram e todos deveriam falar russo e se converter para a Igreja Ortodoxa. Houve então uma bifurcação na história e muitos menonitas fugiram para os EUA, onde formaram as comunidades Amish.
Outros ficaram na Rússia, até que a Revolução Bolchevique chegou. Muitos foram mortos e os que escaparam deixaram o que tinham para trás. Só conseguiram sair do país ao comprovarem que não eram russos – a liberação aconteceu no dia 25 de novembro de 1929, uma data importante celebrada até hoje.
Para o Brasil
Inicialmente buscaram refúgio na Alemanha, de onde conseguiram negociar a vinda para a América do Sul. Três grupos vieram para o Brasil: um deles foi para o Rio Grande do Sul, outro para o Boqueirão, em Curitiba, e o último para Santa Catarina, onde fundou a cidade de Witmarsum em 1930 – o nome é uma homenagem a uma cidade da Frísia, onde seus antepassados tinham vivido há quase 500 anos.
“Os menonitas são um movimento religioso, mas sempre vivem juntos e em comunidade. É quase um grupo étnico”, explica Philippsen. Historicamente, a agricultura é uma das principais fontes de renda do grupo e foi o motivo da saída de Santa Catarina. Lá, o terreno era acidentado, o que dificultava a produção agrícola. Decidiram em assembleia a mudança e escolheram um lugar mais adequado, o Paraná.
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