Turismo

Favela carioca é mais do que paisagem

Carolina Gabardo Belo, especial para a Gazeta do Povo
06/10/2011 03:03
A implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) fez com que o interesse dos turistas em conhecer as comunidades saísse da curiosidade e fosse parar nas estreitas vielas das fa­­velas. Ao todo, são 17 morros pa­­cificados e, desde a primeira ocupação pela polícia, em 2008, as visitas dobraram. O investimento em infraestrutura para receber os turistas também im­­pul­­sionou o movimento. Quase todas as comunidades possuem bondinhos que levam o visitante até o topo do morro – e economizam o fôlego para aproveitar o passeio – e os locais passam por processos de urbanização. Inseridas na rotina da cidade, as favelas possuem acesso fácil de ônibus, carro ou táxi. Benefícios para os turistas e para mais de 280 mil moradores.
“A pacificação levou o turista para a favela. Mas, principalmente, para as comunidades da zona sul. A procura pelas favelas das zonas norte e oeste ainda não acontece, mesmo tendo roteiros incríveis”, afirma o responsável pelo Blog da Pacificação, Camilo Coelho. Para ele, no entanto, a “descoberta” dos morros que estão fora do circuito turístico é questão de tempo. “Acredito que depois que os turistas conhecerem estas comunidades, não vão querer sair da zona norte.”
Vale inserir no roteiro uma visita aos morros do Borel, Sal­­gueiro, Macacos, São João, Tu­­rano e Formiga, todos pacificados. Mesmo sem a implantação de uma UPP, o Complexo do Alemão também colhe os frutos da alta do turismo nas favelas. A instalação do teleférico, em julho deste ano, levou a presidente Dilma Rousseff à co­­munidade e despertou o interesse dos sites de compras coletivas, que oferecem variados passeios e serviços para os próprios moradores.
Na laje
Ao ser recebido no pé do morro por um guia local, o estímulo para chegar ao pico é a paisagem. Os moradores são categóricos em dizer que possuem uma “vista privilegiada”, o que é facilmente comprovado de cima de qualquer laje. O Morro Santa Marta, no bairro Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro, é um dos únicos pontos da cidade que reúne no mesmo visual dois ícones cariocas: o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor.
O local mais indicado para curtir o cenário é ao lado da estátua em tamanho real do pop star Michael Jackson, que lá esteve em 1996 e recebeu, no mesmo local em que gravou o clipe da música They don’t care about us, uma homenagem póstuma.
Pelo caminho, as cores dão lugar ao passado de violência. Algumas marcas de bala ainda permanecem nas paredes, mas são raras, como as casas que foram erguidas no alto do morro e utilizaram latas em sua estrutura.
O primeiro morro a ser pacificado é também um ponto cultural e esportivo. O visitante é acolhido pelos moradores e pode escolher entre uma partida de paintball (o primeiro que foi implantado em uma favela), um petisco no bar que já virou ponto de encontro de turistas ou uma tarde de samba na quadra do Grêmio Recreativo Escola de Samba Mocidade Unida do Santa Marta.
Roteiro tem pernoite e festa na laje
Enquanto ganham mais uma opção de passeio, os turistas também têm a oportunidade de conhecer comunidades diferentes daquelas que, por muito tempo, foram destaque nas páginas policiais. Para os moradores dos morros, este quadro é motivo de comemoração. “As pessoas não tinham noção do que acontecia dentro das favelas. Agora podemos abrir a porta para nos conhecerem, interagirem com a gente”, analisa o produtor cultural Thiago Firmino. “Nascido e criado” no Santa Marta, ele também trabalha como guia local, levando os turistas para conhecerem de perto a comunidade, e usa a estatística para mostrar como é a realidade. “Um estudo mostrou que 97% dos moradores de favelas são trabalhadores e apenas 3% são marginalizados. Ou seja, a maioria paga pelos 3%”, diz.
A interação pode ser intensa. O roteiro de Firmino oferece um pernoite na favela, para acompanhar o nascer do sol no Mirante do Santa Marta, fazer churrasco na laje, jogar futebol com os moradores, encarar uma partida de paintball ou soltar pipa com as crianças da comunidade.
O guia destaca ainda a importância de o turista valorizar os produtos e os serviços locais. Com o aumento na procura pelas visitas, cerca de 20 empresas de fora do morro começaram a prestar serviços de guia, fazendo com que o retorno financeiro não fique lá. “Temos que nos valorizar. Agora tudo está melhorando e precisamos ganhar nosso espaço. Abrimos nossas portas para crescer ou para sermos usados?”, questiona.
Serviço:
O Blog da Pacificação disponibiliza vídeos do tour por todas as comunidades pacificadas do Rio de Janeiro. www.blogdapacificacao.com.br.