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Faça uma viagem à era medieval: conheça Albi, no sul da França

Agência Estado
21/10/2016 20:30
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O nome da rosa: Albi representa de modo particular essa paisagem única. No coração medieval da cidade é impossível não lembrar de O Nome da Rosa, filme baseado no best-seller do escritor italiano Umberto Eco. Albi (pronuncia-se Albí) remete a alba, cor branca em latim, embora o fim da tarde, quando o sol pincela seus tijolos, explique o apelido La Rouge. Foto: Bigstock

Uma cidade medieval no sul da França, toda de tijolos e embelezada por terraços e jardins. Art de vivre com toque moderno e, ao mesmo tempo, o sabor de se hospedar em um castelo do século 12. Vinhos únicos de cepas ancestrais como mauzac, duras, braucol e loin-de-l’oeil, hoje trabalhadas no ritmo do sol, da lua e das constelações. Embutidos que por si só representam uma imersão na gastronomia local.
Alegrem-se viajantes de todos os horizontes: a região francesa de Tarn é uma combinação perfeita onde se podem curtir todas essas pequenas grandes coisas, tout ensemble, tudo junto. Um herborista que fabrica os próprios perfumes, extraídos dos musgos da floresta; um mercadinho no campo que só funciona aos domingos. Aliadas a tudo isso, obras de Tolouse-Lautrec, o pintor que, no auge do Impressionismo, ousou criar nova linguagem.
Albi representa de modo particular essa paisagem única. No coração medieval da cidade é impossível não lembrar de O Nome da Rosa, filme baseado no best-seller do escritor italiano Umberto Eco. Albi (pronuncia-se Albí) remete a alba, cor branca em latim, embora o fim da tarde, quando o sol pincela seus tijolos, explique o apelido La Rouge.
Com o intuito de mostrar o poder da Igreja Católica, os bispos iniciaram, em 1282, a construção da monumental igreja dedicada a Santa Cecília, patrona dos músicos. A obra de arte gótica revela um mundo de contrastes entre a austeridade do exterior e a profusão de detalhes internos. A catedral compõe com o Palácio Berbie, antiga residência dos bispos, uma extraordinária cidadela que avança para o céu com suas muralhas, torres, campanários, pórticos, arcadas e escadarias. Todo esse volume ocre-avermelhado pousa no jardim à francesa, de arabescos verdes que circundam canteiros em flor.
Palácio de La Berbie: pinturas da natureza que fizeram história. Foto: Bigstock
Palácio de La Berbie: pinturas da natureza que fizeram história. Foto: Bigstock
Mercado da cor
A cidade começou a crescer ao redor da catedral. Casas maiores e outras mais modestas compõem um conjunto harmonioso graças ao uso do tijolo aparente. A partir do século 15, duas ervas utilizadas como corantes de tecidos fizeram Albi prosperar: o açafrão Crocus sativus e o pastel, planta de cachos de flores amarelas e miúdas, a Isatis tinctoria.
Os ricos comerciantes ergueram palacetes de tijolos com diferentes grafismos, entremeados por grossas traves de madeira e batentes entalhados. Nos andares mais altos, solários secavam as folhas do pastel. Percorrer Albi com calma e olhar atento é indispensável para notar, por exemplo, as placas de ferro trabalhado dos comércios da época medieval, como chaveiro, hospedaria, sapateiro, adega.
Ou ainda descobrir jardins inesperados no fim de becos, junto a fontes, em terraços ou claustros secretos como o de Saint Salvi, onde flores brotam em meio às ervas de uma horta. Tão antiga quanto em sintonia com o tempo moderno, no térreo das velhas casas de Albi hoje funcionam lojas de moda com pegada jovial, cafés, restaurantes e queijarias.
De um jeito único
Tem como viver a região de um jeito muito peculiar. Confira algumas curiosidades dessa charmosa parte da França.
  1. Tem bicicleta, sim: Quer pedalar? O Albicyclette é um circuito por estradas vicinais ladeadas de campos de girassol e trigo, que cruza 17 comunidades nos arredores. Confira: bit.ly/albicyclette.
  2. Ao ar livre: Piquenique é uma instituição em Albi. Moradores abastecem cestas de vime de pão fresco, embutidos, vinho, queijo e cerejas frescas e seguem para as margens do Rio Tarn.
  3. Palavras próprias: Dá para dizer que a região de Albi tem sua própria língua: em várias localidades do Rio Tarn, muitos habitantes ainda falam o dialeto occitano, que deriva da língua românica, misto de francês e catalão.
  4. Patrimônio: Foi no Brasil, em 2010, que o comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, reunido em Brasília, reconheceu o valor da cidade episcopal de Albi e a inscreveu na lista dos bens culturais da humanidade.
  5. No Masp: O acervo do Museu de Arte de São Paulo inclui uma tela de Toulouse-Lautrec, que retrata a condessa Adèle sentada junto a hortênsias brancas nos jardins do palacete da família.
Serviço
Como chegar: da estação Gare de Montparnasse, tome o trem para Tolouse-Matabian (a viagem dura em média 5h30) e de lá para Albi Ville (1h). Compre com antecedência no site sncf.com/en/passengers (desde 52 euros por trecho), pois o trecho para Tolouse é concorrido.
Onde ficar: no centro de Albi, o Hotel les Pasteliers tem boa localização, bom café da manhã e tarifas desde 65 euros para duas pessoas: hotellespasteliers.com.
Site: www.albi-tourisme.fr.
No reinado de Albi
Seu nascimento se deu em noite de tempestade. Era novembro de 1864, raios cortavam o céu e iluminavam as janelas daquele palacete em Albi – cidade que o sol da tarde costuma tingir do mesmo vermelho que os cabelos soberbamente ruivos das dançarinas de cabarés que ele iria retratar. O nome dos Toulouse-Lautrecs carregava fidalguia; seus antepassados aristocratas, alguns deles heróis, fizeram parte das primeiras Cruzadas.
Aos 14 anos Henri quebrou as duas pernas, e como não se solidificavam, acabaram por se atrofiar e deixar de crescer. Sabe-se hoje que ele deveria sofrer de uma distrofia óssea, complicada pelo fato de seus pais serem primos-irmãos. Embora seu tronco tenha se desenvolvido normalmente, Lautrec nunca passou de 1,52 metro de altura. Além de baixinho, era meio deformado, feioso e claudicante. Quase grotesco. Mas dono de um talento e de uma mente tão brilhantes quanto de um inabalável senso de humor.
Lautrec morreu aos 37 anos, levado sobretudo pelo abuso do álcool. A condessa Adèle, sua mãe, reuniu suas pinturas, litogravuras e desenhos, cerca de mil trabalhos, e os doou à cidade de Albi.
Hoje, o Museu Toulouse-Lautrec (museetoulouselautrec.net; 9 euros) ocupa várias salas do Palácio Berbie, a poucos passos do palacete onde ele nasceu, e causa inesgotável admiração.

No curso do rio, castelo e jardim

Preservados, os muros e fortificações de Cordes-sur-ciel datam de 1922. Foto: Bigstock
Preservados, os muros e fortificações de Cordes-sur-ciel datam de 1922. Foto: Bigstock
O que vale agora é alugar um carro e tomar a estrada que segue os meandros do Rio Tarn para conhecer as cidades medievais fortificadas como Cordes-sur-ciel, Penne, Bruniquel, Puycelsi, Castelnau-de-Montmiral, só para citar algumas. Muitas, que enriqueceram com a comercialização das tintas ou do couro, hoje vivem do turismo, e oferecem charmosos hotéis para os que desejam conhecer os diferentes atrativos de cada uma delas.
A primeira parada é no Chateau de Mayragues, localizado a 25 quilômetros do centro de Albi, às margens do rio, o que interfere no microclima das velhas videiras ali plantadas em 1609. Os tintos produzidos caracterizam-se pelo tom vermelho-carmim com aromas complexos como de frutas em calda, cassis e especiarias. Os brancos, doces ou secos, são perolados.
O castelo todo em pedra foi construído entre os séculos 12 e 17, e os dois quartos de hóspedes ficam no antigo solário com vista para as videiras. Pertence a Alan Geddes, escocês que se apaixonou por uma francesa administradora do Museu Carnavalet de Paris. Alan trocou o uísque pelo vinho, e a neblina pelo sol, e Laurence restaurou o castelo que mereceu o grande prêmio de restauro do país em 1998. O casal organiza no verão apresentações de quartetos, recitais, trios de flauta, sonatas ou cantatas no jardim.
Em seguida, Cordes-sur-ciel é recheada de boas histórias. Legendária, seus muros e fortificações bem preservados datam de 1222; ainda conserva os duplos portões de ferro e madeira. Ao passar por eles é impossível não escorregar no clichê: volta-se em segundos no tempo.
Na rua principal, a fachada de pedra das casas ostenta esculturas de dragões e de estranhos personagens, ao lado de grossos ganchos de ferro para pendurar os enormes tapetes vindos dos mais diferentes locais do mundo. Eram símbolos de prestígio e cultura dos moradores viajantes.
Impressões de Camus
Construída sobre uma colina de pedra, quando vista à distância no amanhecer enevoado, a região parece estar suspensa no céu. Para o escritor argelino Albert Camus, “tudo ali é belo, mesmo a tristeza”.

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