Marleth Silva

Namoro e bolo são mais gostosos quando estão quentes

12/05/2021 18:32
Thumbnail
As pequenas agruras do dia a dia mineram os nervos da dupla de apaixonados. Agora ele desfia seu rosário de lamentações. Sente-se só. Sente falta dela. Nunca mais encontrará um amor como aquele. Tentou reatar, mas a moça não esquece as palavras duras ditas no rompimento. Para ela, acabou mesmo. Então só resta a ele chorar suas mágoas em festinhas barulhentas animadas por música sertaneja e cerveja.
– Mesmo com a pandemia?
– Só vêm os mesmos dois amigos de sempre.
A lamentação recomeça e soa dolorida e sincera.
Aqui abro um parêntese: todos nós temos respostas prontas às quais recorremos em situações como essa. Todo mundo já emprestou o ouvido para as lamentações de amigos com o coração partido. Vamos desenvolvendo, sem nos dar conta, um repertório de consolações. Sei bem que não posso prever o que irá acontecer com o vizinho que aproveita minha presença na sua porta para abrir o coração. Reconheço minha limitação para prognosticar se a história de amor dele tem esperança ou não. O que posso dizer é: sobreviva para ver o que vem depois. Sobreviva hoje, amanhã e depois. Sobreviva um semestre, um ano. Aí você já estará melhor. Talvez não ótimo, mas melhor.
E fecho o parêntese.
Com outras palavras, é isso que digo para ele. Mas como “Romeo” insiste em falar da dureza desses primeiros dias de solidão, tento animá-lo a fazer algo para se distrair. Afinal o rapaz só tem 23 anos.
É nesse momento que me deparo com o monstro.
– Tente se distrair com seus amigos – digo a ele.
– Mas e o coronavírus?
– Ah, é mesmo... Já pensou em viajar um pouco?
– Para onde, com essa pandemia?
– Tem razão. E aplicativo de relacionamento?
– Só os insanos estão topando marcar encontro.
– Você sempre gostou tanto de shows de música...
– Não tem mais.
A conversa não chega a lugar nenhum. O vírus destruiu todas as rotas de fugas a que recorriam os corações partidos (com exceção de embebedar-se sozinho em casa, mas isso não vou sugerir). A verdade é que vivemos dias especialmente difíceis para quem sofre de desamor ou enfrenta um fim de caso.
Nosso diálogo toma aquele rumo repetitivo de toda conversa que não tem como chegar a um termo satisfatório. Quem lamenta um romance sem futuro não vê futuro em nada. Não tenho mais o que dizer e nem vejo como escapar do bate-papo. Meu rol de frases de apoio está esgotado. Felizmente, eu trouxe um pedaço de bolo. É por isso que estamos aqui, na porta da casa dele. Aponto para o pratinho que ele segura em frente ao peito enquanto chora suas mágoas:
– Coma o bolo. Vai te fazer bem.
Ele levanta o guardanapo, sonda a fatia de bolo de mexerica com cobertura de açúcar, cheira, arranca um pedacinho com os dedos e prova. Percebo um brilhozinho de satisfação em seus olhos, o primeiro da noite. Salvos pelo bolo que recém saiu do forno, ele e eu nos despedimos e vamos comer logo, antes que esfrie.