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Os 120 km do Canal do Sertão de Alagoas que estão com água são responsáveis pela sobrevivência da agricultura no Semiárido do estado. Região irrigada produz frutas, verduras e raízes como macaxeira e batata-doce, além de matar a sede dos rebanhos
Os 120 km do Canal do Sertão de Alagoas que estão com água são responsáveis pela sobrevivência da agricultura no Semiárido do estado. Região irrigada produz frutas, verduras e raízes como macaxeira e batata-doce, além de matar a sede dos rebanhos| Foto: Rogério Machado/Gazeta do Povo

É possível avistar de longe a estrutura de concreto que serpenteia por quase metade do território alagoano. Com seus mais de 200 km de comprimento, o Canal do Sertão de Alagoas percorre as regiões do Alto e Médio Sertão, Bacia Leiteira e envereda pelo Agreste do estado. A enorme obra de engenharia não traz apenas água para abastecer o Semiárido nordestino, mas também cria condições para que um verdadeiro milagre ocorra nessa terra onde o sol não dá um minuto de trégua: a agricultura.

Construído paralelamente à famigerada obra de transposição do Rio São Francisco, do governo federal - que ainda não foi totalmente concluída - o canal começou a ser enchido há 8 anos. Desde então, possibilitou que milhares de agricultores familiares fossem assentados e começassem a produzir numa região que tem cara de deserto.

De acordo com José Reinaldo de Sá Falcão, superintendente de Desenvolvimento da Aquicultura da Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária, Pesca e Aquicultura (Seagri) de Alagoas, graças ao canal os efeitos da seca dos últimos 5 anos foram amenizados e hoje o município de Delmiro Gouveia, no oeste do estado, é o maior produtor de melancia e abóbora, uma realidade nunca imaginada antes da chegada da água.

Ao longo dos 120 quilômetros com água corrente (ainda faltam outros 85 km a serem concluídos), diversos produtores estão conseguindo produzir frutas, verduras e saciar a sede de seus rebanhos com a água do Velho Chico. É o caso de Everaldo da Conceição, que planta macaxeira, feijão de corda, milho, batata-doce e inhame, além de hortaliças como alface, coentro, couve, rúcula e pimentão. Ele cultiva 3,5 dos 21 hectares da propriedade, localizada dentro de um assentamento do Incra. “Esse canal é uma bênção. Ele tem melhorado muito a nossa forma de produzir”, diz o produtor, que tem na macaxeira sua principal fonte de renda.

Everaldo diz que gostaria de expandir a produção, mas reclama da falta de linhas de crédito para os pequenos produtores. “Por ser um assentamento, muitas políticas públicas só vêm através do Incra, então isso dificulta mais pra gente, atrapalha para desenvolver e produzir mais. Temos ajuda de assistência técnica do município, mas se conseguíssemos acessar o crédito, que é nosso direito, nós mesmos resolveríamos esse problema, com parcerias com os técnicos daqui”, afirma. Com isso, segundo ele, seria possível triplicar a produção atual.

Everaldo, presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Genivaldo Moura, em Delmiro Gouveia (AL), mostra a plantação de macaxeira. O uso dos tratores doados pela prefeitura tem ajudado os produtores na condução das lavouras. Foto: Rogério Machado/Gazeta do Povo
Everaldo, presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Genivaldo Moura, em Delmiro Gouveia (AL), mostra a plantação de macaxeira. O uso dos tratores doados pela prefeitura tem ajudado os produtores na condução das lavouras. Foto: Rogério Machado/Gazeta do Povo| Rogério Machado

O investimento serviria para aumentar a área irrigada. No caso de Everaldo, uma parte da lavoura ainda não é irrigada. “Não tenho como comprar mais canos e mangueiras para conseguir produzir mais”, explica o agricultor. Hoje tudo o que ele produz é vendido em feiras livres, para um restaurante universitário e para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Tudo é 100% agroecológico, diz ele, sem uso de agroquímicos e com adubo orgânico.

Outra saída encontrada pelos produtores da região foi buscar no associativismo uma forma de se fortalecer. Eles criaram a Associação de Pequenos Produtores Rurais de Genivaldo Moura, que é o nome do assentamento. Everaldo, que presidente da associação, conta que o grupo engloba 35 famílias. Apesar de ter apenas 3 anos, a entidade já conseguiu melhorar o preço final dos produtos para os agricultores. Antes, 1 kg de macaxeira saía por R$ 1. Hoje o valor alcança R$ 3 o quilo.

Trator comunitário

Os agricultores de Delmiro Gouveia também conquistaram um apoio importante com maquinário. A prefeitura do município cedeu em comodato vários tratores, que são cuidados e mantidos pelos próprios produtores familiares e usados de forma compartilhada por cinco comunidades.

Ao todo, o estado de Alagoas possui 82.369 estabelecimentos agrícolas familiares, segundo o IBGE. Eles ocupam uma área de pouco mais de 551 mil hectares, a maior parte dela concentrada no Semiárido. Desse total de estabelecimentos, 4.538 foram criados a partir de assentamentos da reforma agrária. Os dados são do Censo Agropecuário de 2017.

A atividade agrícola intensa na região irrigada pelo Canal do Sertão também atraiu os olhares dos pesquisadores. A Embrapa, por exemplo, conduz projetos experimentais com o objetivo de transferir tecnologia adaptada para a cultura na região. Isso está ocorrendo nas terras do produtor Valney Silva Soares, que foi um dos contemplados pelo projeto Lagos do São Francisco, uma iniciativa de responsabilidade social da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) em parceria com a Embrapa Semiárido.

No caso de Valney, a iniciativa é para plantar cítricos. Daqui a 5 anos ele poderá colher os primeiros limões adaptados ao calor e clima árido do sertão. “Pesquisadores da Embrapa virão aqui dar assistência mensalmente a ele, com todas as orientações técnicas. E o Valney vai ser o primeiro a produzir limão aqui na região”, afirma a engenheira agrônoma Renali da Silva Medeiros, ligada ao projeto Lagos do São Francisco.

A iniciativa surgiu a partir da necessidade de mitigar os impactos surgidos em decorrência da construção da barragem da Usina de Xingó na agricultura familiar da região. As ações do projeto são voltadas para atividades que têm representação econômica, como apicultura, cultivo de forrageiras, hortaliças, entre outras.

O pernambucano Valney, de apenas 23 anos, largou a família há 2 anos para desbravar, sozinho, uma área de 10 hectares onde hoje colhe banana, batata-doce, macaxeira e milho. “A minha vinda para cá foi justamente pela oportunidade de poder irrigar a terra por gravidade com a água do canal. Em outros lugares o custo da energia é muito alto, e aqui o gasto é zero”, argumenta o rapaz, que chegou a dormir embaixo de um umbuzeiro dentro da propriedade. A casa ele ainda está construindo, conforme vê a roça crescer e as finanças melhorarem.

Valney Silva Soares, produtor de Delmiro Gouveia (AL) está rindo à toa com a boa produtividade da banana e macaxeira, graças às boas práticas agrícolas e à água oriunda do Canal do Sertão. Foto: Rogério Machado/Gazeta do Povo
Valney Silva Soares, produtor de Delmiro Gouveia (AL) está rindo à toa com a boa produtividade da banana e macaxeira, graças às boas práticas agrícolas e à água oriunda do Canal do Sertão. Foto: Rogério Machado/Gazeta do Povo| Rogério Machado

“Valney é curioso, pergunta as coisas, tem a mente aberta e segue as nossas orientações”, elogia Renali. O jovem produtor também faz rotação de culturas e investe em adubação do solo. Atualmente já produz como gente grande: colhe entre 100 mil e 120 mil bananas ao ano e de 15 mil a 20 mil kg de macaxeira por hectare. Ou seja, produz em uma escala maior que outros produtores de mesmo porte da região, justamente por seguir as orientações dos técnicos e fazer o manejo adequado das culturas.

O exemplo dele demonstra o grande potencial da região irrigada pelo Canal do Sertão e, segundo a engenheira agrônoma do projeto Lagos do São Francisco, revela um cenário otimista para o futuro. “Daqui a dez, quinze anos, se for feita a gestão correta desse canal, veremos uma outra realidade aqui”, conclui Renali.

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