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Parte dos pesquisadores teme que o enxugamento do setor inviabilize a pesquisa agropecuária, considerada vital para impulsionar a produção e geração de renda no meio rural, especialmente para os pequenos produtores. | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Parte dos pesquisadores teme que o enxugamento do setor inviabilize a pesquisa agropecuária, considerada vital para impulsionar a produção e geração de renda no meio rural, especialmente para os pequenos produtores.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

As recentes propostas de reestruturação de empresas de pesquisa agropecuária no Brasil, como a Embrapa e alguns institutos estaduais, sob a justificativa de cortar custos e melhorar a eficiência dessas empresas tem levado os pesquisadores a acalorados debates. Algumas pessoas ligadas ao setor temem que os cortes inviabilizem a pesquisa agropecuária, considerada vital para impulsionar a produção e geração de renda no meio rural, especialmente para os pequenos produtores.

Do alto de seus 88 anos, o engenheiro agrônomo e pesquisador Eliseu Roberto de Andrade Alves, da Embrapa, é um dos que teme pelo futuro da pesquisa. Ele foi um dos palestrantes do debate que abriu, nesta segunda-feira (6), o 41º. Ciclo de Atualização em Ciências Agrárias da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para Alves, os institutos de pesquisa precisam, antes de tudo, mostrar resultados e também saber como divulgar esses resultados. Somente assim os governantes e a população serão convencidos da importância dessas instituições para o país, segundo ele.

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O pesquisador, que foi um dos fundadores da Embrapa, diz que a empresa nasceu espelhada no modelo norte-americano, baseado em conhecimento e pesquisa para o agronegócio. “A pesquisa precisa ter organização e o olho no cliente, que é o agricultor”, pontua. Para ele, o futuro da pesquisa se confunde com o futuro da própria agricultura. “Os avanços precisam ser medidos e divulgados de forma que a população consiga entender. Estamos caminhando para uma agricultura muito bem-sucedida, que bem alimenta os brasileiros, é grande exportadora, mas emprega muito pouco”, sentencia.

A reestruturação da Embrapa vem ocorrendo desde 2017. Desde então, a empresa reduziu o número de áreas administrativas, abriu um plano de demissão voluntária e reduziu de 46 para 42 as unidades de pesquisa no país. No Paraná, o governador Ratinho Júnior apresentou uma proposta de fundir as quatro autarquias ligadas ao campo: o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), o Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), a Companhia de Desenvolvimento Agropecuário do Paraná (Codapar) e o Centro Paranaense de Referência em Agroecologia (CPRA).

No início do ano, o governo da Paraíba fez algo semelhante. Criou a Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer) juntando as estruturas da Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba (Emepa), Instituto de Terras e Planejamento Agrícola do Estado da Paraíba (Interpa) e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da Paraíba (Emater-PB). A justificativa seria uma economia de R$ 20 milhões para os cofres do estado.

Desafios

Segundo Alves, a agricultura brasileira é hoje cada vez mais exportadora, com excedente de produção e muita tecnologia aplicada, o que explica o crescente aumento de produtividade nas últimas décadas. No entanto, a produção está cada vez mais concentrada em poucos produtores. Um efeito colateral do emprego de tecnologia no campo, segundo ele. As cooperativas, que são uma tradição no Sul do país, são uma boa ferramenta para resolver esse problema, diz Alves. “No Sul, a política agrícola envolveu os políticos, prefeitos, governadores e lideranças rurais, de baixo para cima, e visou dar poder de mercado aos produtores. Por isso, o sucesso de suas cooperativas, associações, órgãos de classe e federações.”

Na avaliação do engenheiro agrônomo da Embrapa, a pesquisa é uma “decisão de investir” e “a linguagem que o investidor quer ouvir é a taxa de retorno, com base de cálculo nas tecnologias que os agricultores engendraram a partir dos conhecimentos gerados”. Segundo Alves, o modelo de organização da pesquisa precisa ser facilmente entendido pelos agricultores e baseado naquilo que eles exploram. “Nunca em nomes genéricos difíceis de serem correlacionados com a vida das famílias rurais. O Executivo, o Parlamento e o Judiciário querem saber quanto cada real investido trará de retorno, na linguagem que eles entendem. E também a sociedade. Assim, se pode comparar alternativas de investimentos”, argumenta.

Iapar

Durante o evento na UFPR, o pesquisador da área de Sócio-Economia do Iapar Tiago Pellini reclamou da falta de transparência do governo do estado, que, segundo ele, simplesmente decidiu elaborar um projeto de fusão sem consultar os pesquisadores e demais servidores. “O Iapar participou de todos os programas importantes para a agricultura do Paraná desde a sua criação, há 46 anos. E quando querem mudá-lo, ninguém do instituto é ouvido”, queixa-se. Ele afirmou que já houve uma reestruturação do Iapar em 2014 e que alguns programas foram descontinuados.

“O Iapar segue padrões de eficiência técnica, e não de eficiência econômica”, lembrou Pellini, explicando que a instituição possui atualmente cerca de 90 profissionais com foco em pesquisa aplicada, além de 30 laboratórios e 4 mil hectares de áreas experimentais. “Se perdermos isso, não recuperamos mais. O que nos falta é gente para tocar as pesquisas”, aponta.

Prédio do Iapar em Londrina. Se criado, o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Rural também sediará as suas pesquisas na cidade do Norte paranaense, Roberto Custódio /Arquivo Gazeta do Povo

De acordo com o pesquisador sênior e líder do programa de Sistemas de Produção do Iapar em Londrina, Rafael Fuentes Llanillo, a discussão em torno do projeto de junção dos quatro institutos está apenas começando. O projeto de fusão, que está sendo elaborado por um grupo de técnicos dos quatro institutos, será apresentado até o dia 30 de abril ao governador Ratinho Júnior. Se aprovado, será encaminhado para votação da Assembleia Legislativa do Paraná.

Llanillo concorda que o Iapar carece de pesquisadores, mas que a contratação de novos profissionais tem esbarrado nos limites de gastos impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A única forma encontrada pelo governo para repor o quadro de forma mais imediata é criando uma nova empresa de pesquisa e incentivando as demissões voluntárias. Com isso, abririam-se novas vagas para a contratação de pesquisadores.

Ele rechaçou as acusações de que não há transparência no processo. “Nada vai ser alterado na alçada do novo instituto. Não haverá destruição da forma de fazer pesquisa. A fase de consulta e discussão começa agora”, reafirma. O Instituto Paranaense de Desenvolvimento Rural, nome provisório da nova instituição, terá a missão de fazer a integração da pesquisa com a extensão rural e a assistência técnica, além de promover o desenvolvimento agropecuário, segundo Llanillo.

Cases

Entre os cases que estão sendo analisados para a formatação da estrutura do novo instituto está a experiência de Santa Catarina, que em 1991 criou a Empresa Catarinense de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri) a partir da união da Associação de Crédito e Assistência Rural do Estado (Acaresc), Instituto de Apicultura de SC (Iasc) e Associação de Crédito e Assistência Pesqueira de Santa Catarina (Acarpesc), entre outras.

Llanillo explica que o Iapar hoje está com 1/3 de sua “força motriz”, ou seja, apenas 88 pesquisadores. Destes, 25 estão para se aposentar. Daqui a três anos, mais 10 também poderão se aposentar. “Ficaríamos com 20% da nossa capacidade de pesquisa”, pontua. Com isso, argumenta, o Instituto perderia naturalmente a capacidade de produzir pesquisa. Além disso, a integração proporcionaria uma economia anual de R$ 4,6 milhões aos cofres do estado. Outras vantagens, segundo ele, seria ter um planejamento mais integrado, com adoção de programas prioritários e ações regionalizadas.

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