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Conflitos armandos têm impedido a recuperação econômica do Burundi, que pretende investir mais de US$ 80 milhões para dobrar a produção de café até 2021. | AFP PHOTO/MARCO LONGARI
Conflitos armandos têm impedido a recuperação econômica do Burundi, que pretende investir mais de US$ 80 milhões para dobrar a produção de café até 2021.| Foto: AFP PHOTO/MARCO LONGARI

A crise acabou: agora desenterre algumas minas e cultive pés de café.

Essa é a mensagem do governo de Burundi, pequeno país no Sudeste da África – encravado entre a Ruanda, a República Democrática do Congo e a Tanzânia. A ideia é passar uma borracha nos três anos de violenta convulsão política, a partir de um plano de recuperação econômica baseado na mineração e na agricultura, além de um voto de confiança para o sucessor do presidente Pierre Nkurunziza.

Centenas de milhares de refugiados podem discordar. Enquanto o país tenta “trazê-los para casa”, uma comissão das Nações Unidas alertou que apoiadores do governo ainda estariam torturando e matando suspeitos de dissidência. E a maior parte da oposição exilada diz que as causas do conflito que tirou mais de mil vidas ainda não foram solucionadas.

Retratar o Burundi como uma nação estável é uma tentativa do governo de “negar os abusos contra os diretos humanos” e restaurar o fluxo de ajuda que é “importante para a economia voltar a crescer”, diz Richard Moncrieff, um dos diretores do Comitê de Crise da ONU. Muitos refugiados têm medo de retornar, enquanto o problema com a saída de Nkurunziza não for totalmente resolvido, pontua.

O investimento é profundamente necessário em Burundi, uma vez que o país é extremamente dependente de ajuda estrangeira e figura na posição de número 185 no ranking de desenvolvimento humano da ONU, que tem 189 nações. Burundi saiu de uma guerra civil em 2005, apenas para mergulhar em mais conflitos em abril de 2015, depois que o atual presidente tentou um terceiro mandato, o que os opositores consideravam inconstitucional. Protestos foram combatidos. Um golpe de Estado não funcionou e foi seguido por uma repressão letal aos dissidentes e pelas consequentes sanções da União Europeia.

O levante, que ameaçou atrair forças de paz da União Africana, aumentou a instabilidade num lugar do planeta rico em minérios. Burundi tem a menor economia da região, com a agricultura (baseada na produção de chá e café) respondendo por mais de um terço das riquezas do país. Mais de 3 milhões de pessoas (aproximadamente um terço da população) necessita de ajuda humanitária, segundo a ONU.

Ainda em junho, Nkurunziza prometeu deixar o poder assim que seu mandato terminar, em 2020, dissipando o medo de que o presidente – descrito como um visionário pelo seu partido – iria se espelhar em líderes de países próximos, como Uganda e Ruanda, e usar as recentes mudanças constitucionais para estender sua permanência na administração central. Ele voltou, então, sua atenção para a economia: “o Burundi está em paz agora”, afirmou em agosto, durante o anúncio do Plano de Desenvolvimento para a Década. “E esse é o motivo pelo qual decidimos fazer o planejamento para os próximos dez anos.”

Os objetivos são ambiciosos: fazer a economia crescer 10,7% ao ano até 2027 (em 2016, o índice foi de 2%); mais do que dobrar o PIB per capita, chegando a US$ 810, e uma série de projetos hidrelétricos.

A mineração também é vista como peça-chave, com o governo projetando um crescimento de 47% no período. Estima-se que o Burundi tenha 6% das reservas mundiais de níquel, além de exportar ouro e minerais raros. O país também pretende investir mais de US$ 80 milhões para dobrar a produção de café até 2021.

Transformar tudo isso em realidade depende de paz. O diretor da ONU conta que a promessa de Nkurunziza de se afastar foi seguida por uma forte pressão de figuras militares tradicionais, e que existe uma “grande possibilidade” de que o presidente renuncie e volte a concorrer em 2020, dividindo o partido e o exército. “Isso poderia criar ainda mais instabilidade”, frisa.

Uma investigação das Nações Unidas afirmou que violações sérias continuam em andamento, incluindo execuções sumárias e discursos de ódio “dos mais altos escalões” do governo. O documento ainda reporta a crescente influência do Imbonerakure, braço jovem do partido no poder que é acusado de abusos por grupos defensores dos direitos humanos.

Áreas de violência política “claramente diminuíram e mudaram de forma” desde 2015, “o que não significa necessariamente uma redução de risco para aqueles que fugiram”, avalia Clionadh Raleigh, diretor executivo no projeto estatístico “Locações e Ocorrências de Conflitos Armados”, que analisa e mapeia crises como a do Burundi. “O ressurgimento da violência é possível, especialmente com o clima mais quente na disputa política de 2020.”

O ministro das Reações Exteriores Ezekiel Nibigira disse recentemente que o Conselho de Segurança da ONU “deveria ter a coragem de retirar o Burundi de sua pauta”, afirmando que “o espírito de tolerância, honestidade e abertura política está crescendo fortemente”.

Até o final de agosto, havia 383 mil refugiados do Burundi em países vizinhos, mais da metade na Tanzânia e outros espalhados por Ruanda, Congo e Uganda, conforme a ONU. O governo tem contestado os críticos e reiterado que essas pessoas estão seguras para voltar.

Enquanto, acredita-se, cerca de 40 mil delas já tenham retornado para casa, há um risco claro para qualquer um que seja próximo a grupos de oposição, de acordo com Thijs van Laer, diretor da Iniciativa Internacional dos Direitos dos Refugiados, que tem sede em Uganda. Os governos da Tanzânia e do Congo estão pressionando a volta de alguns deles, diz Laer.

Um porta-voz do governo da Tanzânia negou a acusação e afirmou que o país tem trabalhado junto à ONU e ao Burundi para incentivar a repatriação voluntária. O governo do Congo também considera a afirmação falsa, enquanto um representante da Agência para Refugiados das Nações Unidos disse não estar ciente desses processos.

Bigirimana, pai de três crianças que vivem no campo de refugiados de Nyarugusu, no Oeste da Tanzânia, conta que fugiu no auge da crise e não tem pressa de voltar. “Qualquer um que não apoie o CNDD-FDD [partido no poder] é considerado um inimigo. Por que eu deveria voltar e ser vítima mais uma vez das mesmas pessoas?”

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