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Público assiste a apresentação sobre terceira geração de transgênicos em stand da Bayer no Show Rural, em Cascavel | Marcos Tosi/Gazeta do Povo
Público assiste a apresentação sobre terceira geração de transgênicos em stand da Bayer no Show Rural, em Cascavel| Foto: Marcos Tosi/Gazeta do Povo

Durante décadas, soja transgênica foi sinônimo de Monsanto. A marca, no entanto, desapareceu da terceira geração de transgênicos apresentada fisicamente pela primeira vez numa feira agrícola brasileira, nesta semana, em pés de soja cultivados no Show Rural, em Cascavel. O canteiro-mostruário da Intacta 2 Xtend ficou numa área reservada e seria destruído após a feira, já que ainda não existe autorização para seu plantio comercial.

A tecnologia Intacta 2 Xtend, que protege a planta das principais lagartas da soja e resiste aos herbicidas dicamba e glifosato – é hoje propriedade da multinacional alemã Bayer, que comprou a Monsanto há seis meses, por 63 bilhões de dólares. “A marca Monsanto deixou de ser usada, mas isso aconteceu com todas as outras incorporações que a Bayer fez, seja na área de fármacos ou de saúde do consumidor. É uma constante. Basta ver que não existe mais Aventis, não existe Hoechst, não existe Schering”, explica o diretor comercial da Bayer, Márcio Santos.

A previsão é que o pacote Xtend esteja disponível no mercado em 2021. Os experimentos a campo começam nesse ano em dezenas de propriedades rurais parceiras da Bayer no Brasil.

Fiel da balança

Mas é da China que virá a decisão mais importante para o futuro da tecnologia. O país asiático é destino de 60% de todas as exportações globais de soja. O Brasil é seu maior fornecedor. De cada dez grãos de soja embarcados nos portos brasileiros no ano passado, oito tiveram como destino a China. Quase 90% da soja importada pelos chineses é produzida ou no Brasil ou nos Estados Unidos. Nesse contexto, não faz sentido os produtores brasileiros - nem os americanos - cultivarem uma variedade ainda não aceita pelo seu maior cliente. O risco de os chineses rejeitarem a tecnologia, no entanto, é minimizado pelo diretor comercial da Bayer.

Público do Show Rural contempla canteiro de soja Intacta 2 Xtend Divulgação

“Acreditamos que o sistema regulatório chinês é funcional. É igual ao Brasil, tem uma CTNBio, tem regras claras para submeter, tem um pacote de documentos e dossiês que você manda para lá. Tudo é analisado e a decisão é baseada em ciência. Acreditamos que isso vai continuar acontecendo, estamos muito bem equipados para ter êxito na China. Não só nós, mas outras companhias também. Para o mercado, o sistema está funcional”, diz Santos.

O pacote tecnológico Xtend, principal produto em desenvolvimento herdado pela Bayer da Monsanto, traz proteínas mortais para as lagartas que atacam a soja e acrescenta resistência ao dicamba, um herbicida que se soma ao glifosato no controle das plantas daninhas. Na prática, o dicamba deve extirpar pragas como buva, caruru, corda-de-viola e picão-preto, que vêm adquirindo resistência ao glifosato.

Inovação disruptiva

O que os alemães não querem herdar é a antipatia do grande público à empresa fundada em 1901 no estado americano do Missouri, que teria pago o preço de sempre apostar na chamada “inovação disruptiva”. Esta expressão é utilizada pelo diretor da Bayer, que lembra que a Monsanto mudou o modo de fazer agricultura com o desenvolvimento da tecnologia RoundUp, em que as sementes são modificadas geneticamente para resistir ao glifosato. O plantio direto só virou padrão das lavouras, diz ele, por causa do glifosato.

O fato é que, durante décadas, a tecnologia transgênica disruptiva da Monsanto foi alvo de protestos de ecologistas e setores da agricultura. Nos Estados Unidos, a Bayer enfrenta centenas de processos com pedidos de indenização de pessoas que alegam ter desenvolvido câncer por exposição ao glifosato, herbicida mais utilizado no mundo, criado pela Monsanto. Já houve condenações, mas a empresa aposta em dossiês científicos para reverter as sentenças.

No final do ano passado, a Bayer anunciou, nos Estados Unidos, que as vendas da divisão agrícola tinham aumentado 84%, impulsionadas pela compra da Monsanto. O presidente, Werner Baumann, disse à época que a companhia decidiu “se defender de todas as formas possíveis, porque o glifosato é completamente seguro e um ótimo produto, quando usado adequadamente”.

Apesar do desgastes da Monsanto como marca, na análise de Márcio Santos a aquisição foi uma espécie de “match made in heaven” ( “casamento dos céus”). “Isso é difícil de acontecer no mundo das fusões e aquisições. Mas no nosso caso a impressão é de que realmente foi o que aconteceu. Depois do desinvestimento que a Bayer teve de fazer para adquirir a Monsanto, as duas empresas são completamente complementares. Não existe nenhuma sobreposição vertical. Você tinha um portfólio e equipes da Monsanto trabalhando no segmento de sementes, biotecnologia e um agroquímico – o roundup. E, do lado da Bayer, havia equipes trabalhando com um portfólio de agroquímicos, exceto o glifosato. Então, é sobreposição zero”.

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Um exemplo da filosofia de inovação disruptiva da Monsanto teria acontecido em 2013, “quando ninguém falava de transformação digital” e a empresa investiu 1 bilhão de dólares na plataforma Climate FieldView, que coleta e processa automaticamente dados de campo, gerando mapas e relatórios em tempo real, acessíveis por celular, tablet ou computador. Pelo lado da Bayer, existe uma rede de 500 parceiros de serviços agronômicos para “ajudar a solucionar qualquer dificuldade do agricultor”. “Parece que há dez anos alguém tinha desenhado essas estruturas para serem encaixadas em algum ponto do tempo no futuro”, sublinha o executivo.

Oposição

Quem não vê perfeição nesse casamento é ONG ambientalista Greenpeace, que durante anos a fio liderou protestos contra os organismos geneticamente modificados da Monsanto. Para o diretor de campanhas do Greenpeace no Brasil, Nilo D’Ávila, a compra da Monsanto pela Bayer foi uma “má notícia para agricultores, consumidores e meio ambiente”. A Bayer, diz D’Ávila, “passou a controlar toda a cadeia de fornecimento de insumos para produção de soja, principal proteína utilizada tanto para alimentação animal quanto consumo humano”.

Ativistas do Greenpeace nas Filipinas protestam, no início dos anos 2000, diante de navio americano carregado com soja transgênicaMC/jpr/GREENPEACE

“O que já era ruim, vai ficar ainda pior. As duas empresas fazem parte de um modelo destrutivo e esgotado de produção, que provoca sérios impactos para agricultores, população e meio ambiente. Soluções para agricultura sustentável podem ser seriamente prejudicadas, com consequente aumento da pressão do lobby”, afirma o ambientalista.

A Bayer diz respeitar as opiniões divergentes - seja de parte de consumidores da Europa que resistem aos transgênicos, seja de ONGs ou políticos com motivações ideológicas.”Tem gente que não vai mudar de ideia”, conclui Márcio Santos.

A sustentabilidade, no entanto, está incorporada ao discurso da empresa alemã. Para os próximos anos, a Bayer vê três pilares para a agricultura brasileira: inovação, sustentabilidade e transformação digital. “No Brasil existe uma variação média de 30% na produtividade de cada talhão de soja. O desafio é mudar o patamar da produtividade. Produzir mais, no mesmo hectare, com inovação e com sustentabilidade. Não precisamos avançar sobre florestas, isso não existe”, conclui Santos, que também é produtor rural no interior de Minas Gerais.

* O jornalista viajou ao Show Rural Coopavel a convite da Bayer.

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