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 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Em uma manhã de outono no condado de Sonoma, na Califórnia, Katie Jackson se encaminhou às vinhas para avaliar a colheita. Era o final da temporada e um exército de trabalhadores braçais corria para apanhar as uvas antes que as primeiras chuvas, por mais fracas que fossem, começassem a cair.

Naquele dia, porém, Katie, vice-presidente de sustentabilidade e assuntos externos da Jackson Family Wines, não estava preocupada apenas com o transporte das variedades cabernet, chardonnay e merlot. Ela verificou também a rede de sistemas que instalou para ajudar as uvas a se adaptar à mudança climática.

Junto com os irmãos e a mãe, Katie é dona da Jackson Family Wines, uma das maiores vinícolas de propriedade familiar dos Estados Unidos. Mais conhecida pelo chardonnay Kendall-Jackson, presença constante em supermercados, a família também produz dezenas de outros vinhos em cinco continentes. Após décadas no negócio, os Jacksons percebem pequenas variações no clima, e estão convencidos de que está ficando mais seco e quente, e que isso poderia ser um problema.

Enquanto a Califórnia enfrenta uma seca que já dura um ano, os Jacksons, a exemplo de outros vinicultores, estão enfrentando uma nova realidade. A uva está amadurecendo mais cedo. As noites são quentes. Os aquíferos estão secando.

Como resultado, o vinho da região se tornou um laboratório para a reforma da agricultura em escala nacional.

Os Jacksons estão indo além das medidas usuais para mitigar a seca. Estão empregando corujas e falcões para caçar pragas atraídas pelos ventos suaves, encontram novas formas de captar a água da chuva e buscam um uso mais eficiente da energia.

A mudança climática está forçando os Jacksons a enfrentar questões práticas e existenciais. É possível fazer um bom vinho com menos água? Uvas boas continuarão crescendo aqui dentro de 20 anos? O que será de um setor fundamental para a identidade californiana?

Usando jeans, camisa xadrez e botas para caminhada, Katie, 30 anos, pegou carona com um dos gerentes do vinhedo até um morro com vista para o Vale Alexander, área que produz alguns dos melhores vinhos da Califórnia.

No pico, ela parou para inspecionar um barracão que abriga as entranhas do sistema de irrigação do vinhedo. Dentro estava um motor de frequência variável que economiza energia e permite uma irrigação mais eficaz.

Ali perto se encontra uma estação climática movida à energia solar. Se os sensores decidirem que ficou frio demais no meio da noite, máquinas de ventos fazem circular ar quente para proteger as vinhas.

Abaixo, fica um corujal, parte de uma iniciativa de controlar pragas sem pesticidas. E um pouco abaixo do cume existe um reservatório artificial, um dos mais de cem acrescentados para administrar o recurso mais precioso da fazenda: água.

“O clima está ficando mais e mais quente, e estamos vendo mais extremos, do muito úmido ao muito seco. Aos poucos, vamos aprendendo”, diz Katie.

Até agora a seca não provocou caos nas vinícolas da Califórnia. Nenhuma colheita foi destruída e a qualidade permanece boa. Além disso, muitos dos vinhedos da família ficam em bolsões da costa californiana que se beneficiam com a bruma úmida e fresca.

Os desafios, porém, estão longe de teóricos. A mudança climática está ameaçando o suprimento de café mundial. Vários relatórios sugerem que as temperaturas em elevação podem colocar em perigo regiões vinícolas. Um estudo sugeriu que, até 2050, muitas regiões na Europa podem se tornar inadequadas para uvas viníferas. O mesmo estudo sugeriu que a produção da Califórnia pode cair 70 por cento até a metade do século.

As vinícolas da região estão percebendo mudanças distintas que significam um futuro mais quente e seco.

“Era comum termos noites em que a temperatura caía abaixo de zero, mas, agora, quando os produtores acordam, é menos provável que encontrem poças de lama com gelo dentro. Os agricultores terão de se tornar mais ágeis”, diz Daniel Sumner, professor de Agricultura e Recursos Econômicos da Universidade da Califórnia, campus de Davis.

A mudança climática não era uma preocupação premente para Jess Jackson, advogado de San Francisco, quando comprou uma plantação de pera e nozes no norte do estado em 1974. Ele queria ver como se saía produzindo vinho.

Cerca de uma década depois, lançou a primeira safra de Kendall-Jackson. Envelhecida em barris de carvalho francês, o vinho foi um sucesso instantâneo. Jackson logo começou a comprar mais vinhedos.

Jackson, que morreu em 2011, criou os filhos ao redor dos negócios. Katie Jackson trabalhou em sua primeira colheita limpando tanques e filtros em uma adega. Hoje em dia, ela chefia o setor de sustentabilidade da empresa, pressionando pelo uso de menos água, menor consumo de combustível fóssil e mais técnicas naturais de produção.

Em 2008, a empresa formalizou o programa de sustentabilidade e começou a mensurar o uso de eletricidade e água e as emissões de gases do efeito estufa. “Eles são líderes, mas isso está virando um assunto importante para todo mundo”, diz Rex Stults, diretor de relações governamentais do grupo que representa as vinícolas do Vale do Napa.

O sinal mais claro do esforço da família Jackson pode ser visto na rede de reservatórios espalhados pelos vinhedos. Alguns custaram US$ 1,5 milhão para construir.

Os Jacksons também começaram a analisar suas vinhas com ferramentas mais sensíveis. Recentemente, Katie instalou aparelhos que medem quanta seiva existe nas vinhas. Eles transmitem os dados para a sede, onde programas calculam a quantidade de água que áreas específicas do vinhedo precisam. “Agricultura baseada em dados”, diz ela.

Os Jacksons também monitoram a colheita usando drones equipados com sensores que detectam umidade avaliando as cores da vegetação. A cor errada pode indicar deficiências nutricionais nas vinhas ou vazamentos na irrigação.

“Antes, era preciso ter um vinicultor experiente para examinar a uva. Agora, podemos decolar um drone, marcar uma área das vinhas com GPS e ir direto ao ponto que tem problemas”, afirma Clint Fereday, diretor de aviação da empresa.

O marido de Katie, Shaun Kajiwara, é gerente de vinhedo da empresa. Caminhando pelas fileiras de vinhas, ele conta que nos últimos anos a empresa começou a plantar novos parreirais cujas raízes crescem mais fundo no solo, puxando mais água subterrânea e exigindo menor irrigação.

A empresa também começou a desinfetar com luz ultravioleta e não com água os tanques de 193 mil litros que usa para misturar chardonnay. Existe um novo sistema elaborado de captura de água da chuva. E os trabalhadores criaram um sistema para reciclar a água utilizada para lavar os tonéis. No total, essas iniciativas estão economizando 106 milhões de litros por ano.

“A cada ano, achamos mais maneiras de usar essa água que desceria pelo ralo”, conta Sam Jamison, gerente-geral da marca La Crema.

Agora, Katie supervisiona um projeto ambicioso de recarga do lençol freático. Neste inverno do Hemisfério Norte, a empresa pretende captar o escoamento de águas pluviais e inundar um grande vinhedo plano nos arredores da vinícola La Crema. Se tudo funcionar como planejado, a água vai se infiltrar e ajudar a reabastecer um aquífero do qual a fazenda se beneficia.

Todas essas iniciativas deixaram os Jacksons em uma posição invejável: eles têm mais água do que necessitam.

Em 20015, Katie soube que o riacho Green Valley, afluente do rio Russian, enfrentava dificuldades. A seca o reduzira a uma série de poças estagnadas, ocasionalmente ligadas à água corrente, criando problemas para o salmão-prateado, uma espécie ameaçada. A família planta uva pinot noir em um morro nos arredores do arroio e mantém um reservatório ali; ela propôs liberar água para ajudar os peixes. Logo, canos de PVC foram ligados ao reservatório, esticando-se três quilômetros do morro ao afluente.

Para Katie, era uma questão de garantir um futuro saudável para o negócio da família. E as iniciativas da família estão fazendo a diferença. Desde 2008, a Jackson Family Wines reduziu 31 por cento o uso anual de água.

“Minha família sabe que a seca ainda não acabou. O acúmulo de neve ainda é pequeno. Existe menos água no lençol freático do Vale Central.”

Por fim, Kajiwara acredita que com a combinação correta de novos rizomas, plantas de cobertura e chuva fortuita, parte dos vinhedos da família pode não precisar de irrigação.

“Dentro de alguns anos, acho que poderemos ter uma agricultura de sequeiro. Nosso reservatório será apenas uma garantia.”

Esta é a imagem do futuro para a família Jackson: um vinhedo ao norte da área vinífera tradicional, onde os recursos naturais podem compensar parte dos efeitos acarretados pela mudança climática. E, em combinação com as adaptações adotadas por Katie Jackson, pode ser o bastante para garantir que a empresa continue produzindo vinhos de qualidade durante muitos anos.

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