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Entre as novas medidas de segurança que devem ser recomendadas pela Anvisa estão o uso obrigatório de equipamentos para evitar que o produto se espalhe além do necessário e o veto à aplicação do 2,4-D pela mesma pessoa com o uso de trator.
Entre as novas medidas de segurança que devem ser recomendadas pela Anvisa estão o uso obrigatório de equipamentos para evitar que o produto se espalhe além do necessário e o veto à aplicação do 2,4-D pela mesma pessoa com o uso de trator.| Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Um dos ingredientes ativos de agroquímicos mais vendidos do país, o 2,4-D deverá ganhar aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para continuar no mercado, embora com novas medidas de segurança para o trabalhador e populações que vivem próximas a áreas de cultivo.

A previsão é que a proposta seja apresentada nesta terça-feira (14) em reunião com diretores da agência. A análise ocorre após conclusão da reavaliação toxicológica desse produto, processo que verifica a existência de possíveis novos critérios de riscos à saúde.

Segundo a Anvisa, análise de estudos atuais apontam que o produto não é carcinogênico, mutagênico ou teratogênico, ou seja, não causa câncer, mutações e outros danos graves, como má-formações em fetos. A ausência desses critérios levou a Anvisa a se posicionar pela manutenção do produto.

Trabalhadores e moradores de áreas próximas, porém, estão mais vulneráveis a possíveis riscos de intoxicações devido à exposição maior ao produto -daí a necessidade de novas medidas de controle.

"Tivemos uma preocupação em aprofundar a avaliação toxicológica de forma a dar decisão mais apurada possível. Para o consumidor, não há motivo de preocupação. Mas para o trabalhador e residentes, são necessárias medidas para reduzir a exposição e evitar situações de risco", afirma a gerente de monitoramento e avaliação da Anvisa, Adriana Pottier.

Entre essas medidas, estão a adoção de margem de segurança de dez metros para uso do produto em regiões onde há população residente próxima a áreas de cultivo; uso obrigatório de equipamentos para evitar que o produto se espalhe além do necessário; veto à aplicação do 2,4-D pela mesma pessoa com o uso de trator e novos limites para entrada de trabalhadores em áreas tratadas.

Antes, esse prazo era geralmente de um dia. Agora, deve passar a variar entre dois e 31 dias, a depender da cultura e da quantidade aplicada. Fora desse prazo, a entrada poderá ser feita apenas com o uso de luvas e outros equipamentos específicos para proteção.

Desde 2013, o 2,4-D é o segundo ingrediente ativo de agroquímico mais vendido no país, atrás apenas do glifosato. Só em 2017, foram comercializadas cerca de 60 mil toneladas do ingrediente, de acordo com dados do Ibama.

Atualmente, seu uso é indicado para até 13 culturas, caso do arroz, aveia, café, cana de açúcar, milho, centeio, cevada, soja e trigo, por exemplo.

No Brasil, o produto foi registrado pela primeira vez na década de 1970. Em geral, registros de agroquímicos têm validade indeterminada, sendo suspensos pelas empresas ou após processos de reavaliação devido à suspeita de riscos à saúde e ao meio ambiente.

No caso do 2,4-D, esse processo foi iniciado em 2006, após suspeita de que o produto tivesse potencial carcinogênico e levasse a uma possível desregulação do sistema endócrino, levando a problemas de tireoide.

Na época, a agência passou a exigir novos estudos das empresas fabricantes -o que foi apresentado em 2010. Apesar da apresentação, a avaliação toxicológica foi retomada apenas em 2014, após pressão do Ministério Público Federal. O órgão justifica a demora devido à reavaliação de outros agroquímicos.
Dois anos depois, os resultados foram apresentados em consulta pública, o que gerou divergência entre entidades e movimentos favoráveis a maior regulação dos agroquímicos, sobretudo em relação a potenciais riscos à saúde, em especial à tireoide.

Sem evidências

A agência argumenta que não há evidências que sustentem essa relação. Diz ainda seguir parâmetros internacionais. Hoje, o 2,4-D é permitido na maioria dos países -caso dos Estados Unidos, Austrália, Canadá, Argentina, Índia, China e Europa, por exemplo. A única exceção é Moçambique.

"Falam muito que ele é proibido, mas a forma proibida é o 2,4-D butilíco, que não existe no Brasil", afirma Pottier.

A Anvisa deverá propor novos limites para entrada de trabalhadores em áreas tratadas com 2,4-D. Antes, o prazo era de um dia. Agora, deve passar a variar de dois a 31 dias, dependendo da cultura e quantidade aplicada. Fora desse prazo, só será permitida a entrada com o uso de equipamentos de proteção.
A Anvisa deverá propor novos limites para entrada de trabalhadores em áreas tratadas com 2,4-D. Antes, o prazo era de um dia. Agora, deve passar a variar de dois a 31 dias, dependendo da cultura e quantidade aplicada. Fora desse prazo, só será permitida a entrada com o uso de equipamentos de proteção.| Michel Willian/Gazeta do Povo

Segundo a gerente, dados de monitoramento de água e alimentos também não apontaram riscos ao consumo. Isso ocorre devido ao percentual baixo de amostras desses produtos detectados com 2,4-D acima dos limites, Análise de 42 mil amostras de água entre 2014 e 2017, por exemplo, apontou quantidade do produto acima dos limites permitidos em apenas 0,01% das amostras. Outra verificação, agora em alimentos, também só teria encontrado limites acima em 0,5% das 564 amostras de arroz, abacaxi e laranja verificadas entre 2017 e 2018. "Os dados mostram que o uso de 2,4-D é seguro", afirma.

Especialistas, porém, têm questionado o controle dessas substâncias, apontando ausência de monitoramento amplo e contínuo no país. Questionada, a Anvisa diz que as análises visam representar cenários de maior risco e que novas avaliações estão em andamento. Também defende aumentar a coleta de dados no país sobre intoxicações.

Dados do Ministério da Saúde apontam ao menos 619 registros de intoxicações pelo 2,4-D entre 2007 e 2015 -o que evidencia que esse produto não é isento de riscos. Destas, 48,5% foram de intoxicações acidentais, a maioria ligadas a trabalhadores nas culturas de arroz e pastagem. O levantamento, no entanto, não informa quais sintomas foram relatados.

Entre as vítimas de intoxicações, 71% não tinham completado o ensino fundamental, o que levanta a possibilidade de ter havido problema na compreensão de alertas de segurança nos rótulos. Questionada, a agência diz que vai passar a exigir das empresas fabricantes programas de qualificação de capacitação dos trabalhadores para tentar minimizar esses riscos.

Esse é o segundo resultado de reavaliação toxicológica apresentado neste ano pela Anvisa. O primeiro foi o do glifosato, produto que também recebeu aval para continuar no mercado, mas com restrições. A medida gerou críticas de especialistas vinculados a entidades de saúde.

Também estão programados para este ano os resultados da reavaliação dos agroquímicos tiram e abamectina. Em seguida, a previsão é outros quatro agroquímicos devem ter potenciais riscos reanalisados até o próximo ano. A lista ainda não foi divulgada.

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