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Com 15% dos campos ceifados na Argentina, a Bolsa de Cereais de Rosário projeta uma safra de 57 milhões de toneladas para esta temporada, contra 32 milhões no ciclo anterior . | Michel Willian/Gazeta do Povo
Com 15% dos campos ceifados na Argentina, a Bolsa de Cereais de Rosário projeta uma safra de 57 milhões de toneladas para esta temporada, contra 32 milhões no ciclo anterior .| Foto: Michel Willian/Gazeta do Povo

Ironias do destino. Quando a China foi às compras no ano passado, pagando prêmio pela soja sul-americana no auge da guerra comercial com os EUA, a Argentina, abalada pela pior seca em 50 anos, quase não tinha soja para esmagar. Quanto mais para vender em grãos. Agora que o mercado está com preços ruins, los hermanos retornam ao jogo com safra cheia.

Com 15% dos campos ceifados, a Bolsa de Cereais de Rosário projeta uma safra de 57 milhões de toneladas para esta temporada, contra 32 milhões no ciclo anterior – um aumento 25 milhões de toneladas, ou 75%. Só não é melhor do que em 2014, quando foram colhidas 60 milhões de toneladas de soja numa área maior de plantio. No entanto, quando se contam todos os grãos que devem ser produzidos neste ano (incluindo milho, trigo, sorgo, girassol e outros), a perspectiva é de um recorde absoluto de 135 milhões de toneladas. Somente a colheita de milho deve chegar a 48 milhões de toneladas, 10 milhões a mais do que o recorde anterior.

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“Quem diria que depois do desastre do ano passado teríamos um desempenho desses. Está sendo um ciclo incrível. Tudo deu certo e estamos tendo um clima bárbaro para a colheita”, avalia Cristian Russo, chefe de estatísticas da Bolsa de Cereais de Rosário.

O produtor Miguel Curmona, do município de Victoria, em Entre Rios, reclama do preço da soja, que está abaixo do esperado. Apesar disso, a perspectiva é de uma ótima safra.Michel Willian/Gazeta do Povo

O outro lado da moeda: “É uma lástima que dessa vez os preços não estão ajudando nada. A cotação da soja, aqui na Argentina, está em 220 dólares a tonelada, mas deveria estar uns 20 dólares a mais. Em nenhum momento houve preço interessante, então os produtores ainda não venderam praticamente nada”, revela Miguel Curmona, produtor do município de Victoria, na província de Entre Rios.

Emilce Terré, chefe de Informação e Assuntos Econômicos da Bolsa de Cereais de Rosário, conta que os produtores estão entregando a soja para as grandes traders, “mas não colocam preço”. “Como a cotação está muito baixa, o produtor entrega a mercadoria e deixa para fixar o preço mais tarde. Hoje estimamos que três em cada quatro agricultores estão fazendo isso. Mas não há sinais de que os preços vão melhorar. O mercado parece entender que a tendência é de um acordo na guerra comercial entre a China e os EUA”, observa.

A previsão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) é de que no ciclo atual mais de 75% da soja argentina, ou 43 milhões de toneladas, serão esmagados para extração de farelo e óleo de soja, produtos de maior valor agregado e que pagam 3% menos de imposto do que a soja em grão. As instalações portuárias e agroindustriais às margens do Rio Paraná – 20 plantas esmagadoras de soja e 19 portos – na chamada Grande Rosário, formam o maior centro de processamento e exportação do complexo soja do mundo (grãos, farelo e óleo).

No ano passado, a escassez de soja nos pampas foi tão grande que, pela primeira vez em 20 anos, a Argentina trouxe o grão dos Estados Unidos para esmagar. O país precisou dobrar o volume de soja importada, de 3 milhões para 6,2 milhões de toneladas.

Sócios implacáveis

Para lucrar com grãos na Argentina, os produtores precisam arrancar grandes volumes do solo, já que possuem dois “sócios” que não abrem mão de sua parte. O primeiro é o governo, que, em meio a uma crise de desvalorização da moeda e inflação beirando 50% ao ano, manteve as infames “retenciones”, o imposto de exportação que foi uma das marcas da impopularidade do governo da presidente Cristina Kirchner e do qual Maurício Macri, atual mandatário, não conseguiu abrir mão diante da crise orçamentária. Atualmente, cobra-se da soja 18% de imposto sobre o preço de venda e mais 4 pesos para cada dólar exportado. Com o dólar cotado a 42 pesos, na prática o imposto total sobre a oleaginosa chega a 28%.

O outro sócio com mão pesada nos lucros da soja são os donos das terras. Na Argentina, 70% da soja é cultivada em áreas arrendadas. No caso de Miguel Curmona, esse índice é de 80%. Ele paga 15 sacas de soja (900 kg) como arrendamento para cada hectare plantado. Nesse cenário, as fazendas vão ficando cada vez maiores para possibilitar que o ganho venha pela exploração em larga escala. Miguel Curmona e o sócio, Carlos Morán, cultivam 10 mil hectares. No verão, 70% vão para a soja e 30% para o milho. No inverno, 30% são destinados para o trigo.

O engenheiro agrônomo Cristian Russo, da Bolsa de Rosário, não esconde o otimismo: “até aqui, está sendo um ciclo incrível, tudo deu certo.”Michel Willian/Gazeta do Povo

E foi o trigo, com suas altas produtividades no último inverno, que ajudou a atenuar os prejuízos da estiagem anterior. Emilce Terré, economista da Bolsa de Rosário, acrescenta que as duas boas safras anteriores também contribuíram para que o efeito da seca não fosse tão dramático. “O que aconteceu é que no ano passado o produtor tratou de vender muito rápido o trigo, para cobrir os custos. E a mesma coisa aconteceu com o milho este ano. As exportações mensais de março de milho são históricas, foram mais de 4 milhões de toneladas, nunca se exportou tanto. E isso foi importante, porque o Brasil sai um pouco depois com a colheita”, enfatiza.

Com 15% da soja e 25% do milho colhidos, já se prevê que as produtividades deste ano na Argentina alcançarão as melhores médias históricas. Segundo Terré, serão 3.300 kg de soja por hectare e 8.500 kg de milho. Para cobrir todos os custos de produção, incluindo o arrendamento e as retenciones, estima-se que são necessários 2.800 kg por hectare (46 sacas). As margens, portanto, estão garantidas.

O engenheiro agrônomo Cristian Russo, da Bolsa de Rosário, não esconde o otimismo. “No núcleo ao redor de Rosário já estamos com 55% da soja colhida. E nas próximas duas semanas a colheita vai ser muito intensa. Estamos de olho no clima, porque, há três anos, houve 20 dias de chuva contínua no mês de abril e essa região perdeu 100 mil toneladas de soja por causa da chuva. No entanto, até aqui, está sendo um ciclo incrível, tudo deu certo”.

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