Do ciclo da borracha, no final do século 19, à inauguração da até hoje inacabada Rodovia Transamazônica, na década de 1970, a região Norte do Brasil figurou sempre como uma promessa que, pelo menos da parte brasileira, jamais chegou a se cumprir.
Do lado estrangeiro, porém, a história é outra: os investimentos nos últimos cinco anos têm transformado a logística do Arco Norte, conjunto de portos ao longo dos rios Amazonas e Tapajós, e da costa atlântica no Pará e no Maranhão.
A onda de recursos de fora do país, em boa parte de multinacionais como Bunge e Cargill, tem sido impulsionada pela expansão agrícola no Norte do Mato Grosso e na região do Matopiba (fronteira formada por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
“Eles acordaram para o Arco Norte. Países como China e Japão estão vindo com investimento pesado para essa região, já se fala em mais portos”, pontua o consultor em logística da TG Comercial, Luiz Cláudio Santos, que presidiu o Terminal de Grãos do Maranhão (Tegram), no Porto de Itaqui, até o ano passado.
Do Norte para o Norte
O interesse é tanto que, recentemente, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o USDA, publicou um relatório detalhado a respeito da capacidade de escoamento e das deficiências que impedem o avanço mais efetivo do agronegócio do Norte e Nordeste.
Um dos principais concorrentes do Brasil no mercado externo, principalmente em relação à exportação de soja e carnes, os norte-americanos têm interesse direto no que acontece por aqui e apostam tanto no aumento de produção quanto na quantidade de mercadoria escoada pelo Arco Norte. Com ressalvas, é claro.
“Embora as opções de transporte atuais possam ser caras e ineficientes, a produção brasileira continua crescendo. Em 2010, apenas 5% das exportações de grãos saíam pelos portos do Norte. Até 2015, contudo, os embarques totais do país haviam aumentado em cerca de 20%”, ressalta o USDA no documento. “Traders do setor privado observaram esse crescimento e responderam com a construção de seus próprios terminais.”
O departamento cita o caso de Miritituba, distrito do município de Itaituba (PA) às margens do Rio Tapajós, que recebeu US$ 1,5 bilhão em investimentos desde 2014 e hospeda, hoje, seis portos privados que transportam commodities pelo rio até terminais marítimos. Cada barcaça pode carregar 50 mil toneladas em uma única viagem, contra 40 toneladas de um caminhão. “Essa saída foi criada para facilitar o escoamento da crescente produção no norte de Mato Grosso e melhorar a competitividade nos embarques para a Europa, México, Oriente Médio e Ásia. Esses terminais podem transportar 4,5 milhões de toneladas de soja e milho em 2017, mas a expectativa é de que esse volume passe para 11 milhões de toneladas até 2021.”
Rodovias
Entretanto, o que, hoje, é previsão, já poderia ser realidade. “Com os investimentos dos últimos cinco anos, temos uma capacidade portuária excedente”, garante o diretor de inteligência de mercado da FC Stone, Renato Rasmussen. “É até estranho falar em excedente quando o assunto é logística, porque o resto muitas vezes é deficiente. O grande problema é irrigar esses portos com grãos.”
Segundo Luiz Cláudio Santos, a capacidade atual para as cargas que saem de Miritituba, atualmente, gira em torno de 15 a 20 milhões de toneladas. O principal entrave é o caminho até lá, em especial a BR-163, principal conexão com Mato Grosso.
“Você está nas mãos do frete rodoviário. São 100 km que não estão asfaltados e é uma rodovia de pista simples”, salienta o consultor. A previsão do governo federal é de que a BR-163 fique totalmente pavimentada até o fim de 2018. “Mas isso não está muito claro. O que chega para nós é que de 100 km pouco se fez até o momento e agora começa a temporada de chuvas, que vai até março. Aí não se faz nada, vira um atoleiro, com caminhão parado dez dias.”
Ferrovias
Para o USDA, a pavimentação irá “aumentar drasticamente a eficiência do transporte”, mas é apenas o primeiro passo. A solução virá mesmo com a duplicação e o desenvolvimento de obras complementares, como a Ferrogrão, ferrovia que fará trajeto paralelo à BR-163. “No entanto, ainda não é claro quando o projeto será aprovado, nem há previsão para início das obras. São 1.142 km com capacidade de escoamento anual de 42 milhões de toneladas. Quando concluída, a ferrovia fará com que o custo de transporte para soja e milho caia de U$$ 40 por toneladas para US$ 25. Um consórcio formado pelas traders ADM, Cargill, Amaggi, Loius Dreyfrus e Bunge está por trás do investimento”, complementa o relatório.
“É importante escoar pelo Arco Norte. O tempo de viagem tem de 3 a 4 dias de redução em relação aos portos do Sul, não importa se é para Europa ou para a China, pelo Canal do Panamá”, destaca Renato Rasmussen. “Mas os portos do Centro-Sul também estão passando por melhorias, eles continuarão importantes e podem aumentar inclusive a participação no escoamento de produtos agrícolas.”
Além da BR-163 e da Ferrogrão, o USDA lembra os casos da Ferrovia Transnordestina e da Ferrovia Norte-Sul, ambas inacabadas. Pontas soltas que, para o diretor da FC Stone, têm impedido um aumento significativo da produção brasileira de soja e milho. Da porteira para dentro, os números recordes da safra 2016/17 poderiam ser regra, não exceção. “Hoje Mato Grosso não usa nem 45% da área de soja para a produção de milho safrinha. A produção poderia dobrar. O que importa é o custo logístico e o know-how dos produtores.”
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