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| Foto: JIM WATSON/AFP

É como uma placa de táxi. Se você quiser criar gado de leite ou galinhas no Canadá, primeiro tem que adquirir uma espécie de franquia do governo - o que é quase impossível - ou gastar um bom dinheiro comprando licença e quotas de produção de quem já está no negócio. Para apenas uma vaca leiteira, por exemplo, o ‘pedágio’ para entrar no ramo custa 30 mil dólares canadenses (cerca de R$ 90 mil). E há pedágios semelhantes para galinhas poedeiras, frangos de corte e perus.

Se no Brasil as placas de táxi sofreram enorme desvalorização após o advento dos aplicativos de transporte particular, no Canadá as licenças dos pecuaristas acabam de levar um duro golpe, após o país ceder à pressão do presidente norte-americano Donald Trump para desregulamentar o setor.

O agricultor canadense Henry Holtmann estava tão otimista com o mercado leiteiro que esperava construir um novo espaço para alojar suas 550 vacas. Mas os planos terão que aguardar por causa do novo pacto comercial assinado pelo país com os EUA. O acordo, que inclui também o México, permitirá que os americanos enviem mais leite para o norte, quebrando a engrenagem do setor leiteiro canadense, gerenciado de forma a combinar precisamente a produção conforme a demanda.

“Isso não vai resolver os problemas dos Estados Unidos com o excesso de oferta de leite”, afirma Holtmann, que representa a terceira geração da família de produtores de Rosser, Manitoba. Ele passará o inverno revisando o impacto do acordo comercial e avaliando se seus planos de expansão ainda valem a pena. “É um tapa na cara dos produtores canadenses que trabalham duro todo dia para manter a oferta”, lamenta.

Vencedores e vencidos

Os produtores dizem que vão perder com o novo acordo, que dará aos Estados Unidos acesso facilitado ao mercado de produtos lácteos canadenses e vai acabar com o sistema de precificação do país. Esse sistema tem sido repetidamente atacado pelo presidente americano Donald Trump. O setor leiteiro era um dos últimos entraves para viabilizar um acordo de livre comércio entre os dois países e o primeiro-ministro Justin Trudeau havia jurado proteger o setor. Na segunda-feira (1º), Trudeau prometeu recompensar os agricultores para amortecer o golpe.

“É desapontador que eles tenham concordado com isso”, lamentou David Wiens, vice-presidente da Associação de Produtores de Leite do Canadá, entidade baseada em Ottawa e que representa cerca de 12 mil produtores do país. “É uma grande vitória dos EUA e, consequentemente, para os canadenses é uma derrota”.

Como parte do acordo, o Canadá eliminará sua política denominada de “Classe 7”, que torna o leite mais barato para as indústrias que compram de produtores domésticos os suprimentos de leite ultra-filtrado, um ingrediente concentrado usado para aumentar a quantidade de proteína em queijos e iogurtes. Enquanto o sistema ajuda a dar suporte a uma rede de processamento que está sendo construída no Canadá, os fazendeiros norte-americanos reclamam que ela efetivamente bloqueia as importações e derruba os preços mundiais do produto.

Os EUA estão lutando com um excesso de leite e Trump disse, em abril, que o Canadá está tornando os negócios dos produtores americanos “muito difícil”. As concessões canadenses impulsionarão a quantidade de leite, queijo e nata que os EUA conseguirem despachar sem tarifação para o país vizinho, incluindo um aumento das exportações de leite fluido para 50 mil toneladas no sexto ano de vigência do acordo, segundo informa o escritório de representação comercial dos EUA.

O Canadá também dará aos EUA mais acesso ao seu sistema de laticínios, gerenciado pela oferta, cotas e tarifas de importação. O país já havia desistido de interromper o seu lucrativo sistema em outras duas oportunidades de acordo, uma com a União Europeia e outra com países do Pacífico.

Compensações

Em discurso a jornalistas em Ottawa, a ministra de Relações Exteriores, Chrystia Freeland, confirmou que o Canadá vai oferecer compensações aos produtores porque “é a coisa mais justa a ser feita”.

O acordo encurtará investimentos no setor e deve segurar os planos de expansão de produtores e da indústria do setor, segundo Wiens. Com mais produtos norte-americanos nas prateleiras das lojas, a demanda pelos lácteos canadenses deve recuar, diz ele.

Do outro lado, os americanos estão bebendo cada vez menos leite e o consumo total diminuiu, ao passo que os consumidores buscam alternativas para o produto, como o leite de amêndoas. Ao mesmo tempo, a crescente demanda por manteiga e nata resultou em sobra de leite desnatado, que é descartado quando a gordura é removida.

Em 2017, o Canadá importou US$ 368 milhões em produtos lácteos dos EUA, enquanto na via oposta da fronteira cruzaram somente US$ 116 milhões, um déficit de US$ 252 milhões. Ainda assim, os lácteos representam um pequena fatia dos US$ 500 bilhões em transações de bens entre os dois países anualmente.

O Canadá possui um sistema que limita a oferta, por isso os produtores do país estão indo bem e os “consumidores não, porque estão pagando mais”, diz Tom Vilsack, chefe executivo do conselho de exportação de produtos lácteos dos EUA. Nos Estados Unidos, a oferta não é limitada artificialmente, então os produtores produzem mais, o que “coloca o peso sobre o consumo e as exportações”.

Segundo Vilsack, ainda há muitos detalhes que devem ser examinados para determinar precisamente qual o impacto que esse acordo comercial terá agora e no futuro.

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