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Chef chinês prepara alimentos típicos em mercado livre de Pequim
Chef chinês prepara alimentos típicos em mercado livre de Pequim| Foto: BigStock

O desafio político mais urgente enfrentado pela China pode não ser a onda de protestos em Hong Kong, nem o impasse na guerra comercial com os Estados Unidos. É a falta de carne suína, justamente no Ano do Porco do calendário zodíaco, que se tornou uma questão tão premente que os dirigentes do Partido Comunista já declararam que estabilizar a oferta e o preço está no topo da agenda política.

Os chineses adoram carne suína. Bisteca frita, costelinha com molho agridoce, stinco de barriga, lombo grelhado, pasteizinhos de porco. Cada chinês consome, em média, 54 kg de carne suína por ano. Metade de todo o consumo mundial.

Mas com uma série de feriados pela frente – começando com o festival de outono da próxima sexta-feira, quando as famílias se reúnem para festejar – as autoridades chinesas estão cada vez mais preocupadas de que o descontentamento da população fale mais alto do que as celebrações. A escassez da carne suína pode arruinar a “atmosfera alegre e pacífica” esperada para a comemoração do 70º aniversário da fundação da República Popular da China, mês que vem, que será o maior evento do calendário do Partido Comunista neste ano.

“Precisamos garantir o abastecimento de carne suína custe o que custar”, disse o vice primeiro-ministro Hu Chunhua no final de agosto, ao apontar que a escassez do alimento alcançará níveis “extremamente severos” no último trimestre deste ano e na primeira metade de 2020.

“É preciso nos anteciparmos e descobrir o que fazer para administrar a opinião pública”, argumentou, segundo relato da mídia estatal chinesa.

O Partido Comunista, conduzido com mão de ferro pelo líder Xi Jinping, reforçou as medidas de segurança e sufocou  os críticos às vésperas do aniversário da revolução, programado para 1º de outubro, que deverá ser marcado por uma enorme parada militar.

Estoques estratégicos

Para fazer frente à escassez, Chunhua disse que o governo deverá liberar parte de seus estoques congelados. É isso mesmo. Assim como o governo americano guarda suas reservas de petróleo para usar em tempos de crise, os chineses estocam carne suína.

“No que toca ao governo, a disponibilidade e a acessibilidade dos alimentos é um ponto-chave quando a população se pergunta: estamos melhor hoje do que há 70 anos?”, sublinha Andrew Polk, analista da Trivium Consultoria, com sede em Pequim. “Em função disso, o Partido Comunista dá importância extra à missão de garantir o bacon na cesta básica chinesa”, complementa.

Os problemas da China com a suinocultura começaram há um ano, quando iniciou a epidemia da febre africana. Oficialmente, a doença já provocou o sacrifício de 1,2 milhão de animais, numa tentativa de frear o avanço do vírus, que é altamente contagioso e letal para os porcos, mas não representa ameaça à saúde humana.

Em consequência direta do surto, o plantel de suínos chinês encolheu um terço em relação ao ano passado, e a produção de carne, naturalmente, desabou. Mas o vírus ainda não está controlado. Três novos casos surgiram no mês passado e a doença já apareceu no Vietnã e nas Filipinas.

A China produziu 54 milhões de toneladas de carne suína em 2018, segundo dados oficiais. A projeção é de que produza apenas 40 milhões neste ano. E, para 2020, o banco holandês Rabobank estima que serão apenas 34 milhões de toneladas.

A adoção generalizada do rifle sanitário (sacrifício para conter a doença) fez os preços dispararem. Desde julho, já aumentaram 50%, atingindo valor recorde de quase US$ 5.00 o quilo, facilmente deixando para trás o recorde anterior, de 2016.

A rede social chinesa TikTok está cheia de memes alusivos ao preço da carne. Num deles, um cliente pede um “bife” do tamanho de um polegar. Em outro, um homem desce a rua agitando uma carcaça suína, num ato exibicionista comparável ao motorista orgulhoso de um Lamborghini.

Sai carne suína, entra fruto do mar

No mercado Xinfadi, o maior de carne em Pequim, clientes e vendedores estão igualmente desanimados. Yu, uma vendedora que está na praça há 50 anos, disse que em agosto os preços subiram como nunca. “Isso tem um impacto enorme nas minhas finanças”, relatou, preferindo não dar o sobrenome. Ela estima que o número de clientes caiu em pelo menos um terço, na comparação com o mesmo período do ano passado. “As pessoas dizem que não podem mais comprar carne suína, que está muito caro”.

Shang Jinsheng, aposentada de 68 anos que fazia compras no mercado de Xinfadi, disse que ia comprar só metade da carne suína a que estava acostumada, substituindo o restante por frutos do mar. “Eu comprava carne de porco toda semana, mas agora já faz três semanas que não compro nada. Só passei para ver o preço, estou indo para a barraca de camarão”, afirmou.

Com a proximidade dos feriados, os governos central e das províncias estão tomando medidas para diminuir a diferença entre oferta e demanda. No fim de semana, a cidade de Guangzhou, no sul do país, começou a liberar 1.800 toneladas de reservas de carne suína congelada para o mercado local, numa distribuição que deverá seguir até as festividades de 1º de outubro.

Leitãozinho da Granja Fontana, município de Charrua, Rio Grande do Sul. Expedição Suinocultura da Gazeta do Povo.
Leitãozinho da Granja Fontana, município de Charrua, Rio Grande do Sul. Expedição Suinocultura da Gazeta do Povo.| Jonathan Campos / Gazeta do Povo

Na cidade de Nanning, na fronteira com o Vietnã, os moradores podem comprar carne suína com 10% de desconto. Mas o limite é de 900g por pessoa, por dia, e cada vendedor só pode vender o peso-quilo equivalente de um animal.

O governo central determinou que as províncias têm de ser autossuficientes em carne suína. E os bancos não só têm de manter linhas de crédito para os suinocultores e frigoríficos, como precisam assegurar que as taxas estejam favoráveis. Ainda assim, não há uma solução mágica que se possa adotar.

“Os porcos não crescem da noite para o dia. Eles precisam de tempo”, diz Sun, criador de 45 anos dono de um box no mercado de Xinfadi.

Para enfrentar a escassez, as importações de carne suína da China devem quase triplicar neste ano. A maior parte é fornecida por países europeus, mas também pelos Estados Unidos e pelo Brasil.

A situação faz da guerra comercial com os EUA um desafio a mais. Pequim impôs uma sobretaxa de 10% aos produtores agrícolas americanos em setembro, aumentando a tarifação da carne suína para 72%, e cancelou vários pedidos de grandes compras.

Guerra comercial é desdenhada

O governo tem tentado minimizar o impacto da guerra comercial. Uma autoridade de Pequim disse, em entrevista à TV estatal, que as importações de carne suína dos EUA representam apenas 0,2% do mercado chinês.

Ainda assim, a quantidade de carne suína importada pela China dos EUA caiu mais de metade nos últimos dois anos, justamente no momento em que é mais necessária.

Enquanto isso, as autoridades tentam convencer os consumidores a experimentar outros tipos de carnes. O jornal Life Times, afiliado ao Partido Comunista, chegou a sugerir em manchete de capa que ingerir muita carne suína não faz bem à saúde. “Coma menos porco: sua carteira e seu corpo vão agradecer”, publicou o jornal na rede Weibo, versão chinesa do Twitter.

Os internautas chineses não se impressionaram. “Essa é a versão moderna do ‘que eles comam brioches’”, disse Jiang Debin, citando a frase atribuída a Maria Antonieta quando o povo ficou sem pão, pouco antes da Revolução Francesa. “Eles estão dando conselhos espertos como esse para enganar as pessoas, mas não têm coragem de simplesmente dizer: não coma carne suína se não tiver dinheiro suficiente no bolso”.

Leia também: Na China, preços dos alimentos aumentam e economia desacelera

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