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Com mais de 218 milhões de cabeças, Brasil tem o maior rebanho comercial do mundo. | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Com mais de 218 milhões de cabeças, Brasil tem o maior rebanho comercial do mundo.| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

A partir desta terça-feira (1º), pecuaristas da maior parte do país, inclusive do Paraná, começam a vacinar os rebanhos de bois e búfalos contra a febre aftosa, doença que pode levar a perdas econômicas gravíssimas. Com 218 milhões de cabeças, o Brasil tem o maior rebanho comercial do planeta.

A idade dos animais a serem imunizados – assim como a multa pelo descumprimento do calendário – varia conforme o estado. Para os paranaenses, a vacinação vale para o gado com até 24 meses. Em novembro, na segunda etapa da campanha, o rebanho inteiro é vacinado no Paraná, incluindo os animais que irão receber a segunda dose.

A campanha de 2018 vem num momento delicado para a pecuária nacional. Hoje, a imunização é obrigatória. Mas a ideia é que, já partir do próximo ano, a aplicação das doses deixe de ser feita gradativamente, para que o país se torne área livre de aftosa sem vacinação, o que poderia abrir mercados internacionais mais exigentes. A dúvida, entretanto, é: o Brasil tem mesmo braço para colocar em prática tudo o que pretende?

Sobre a febre aftosa

A febre aftosa é causada por vírus e não tem cura. Ela provoca febre, seguida do aparecimento de aftas, principalmente na boca e nos cascos, dificultando a movimentação e alimentação dos animais. Isso leva a uma elevada e rápida perda de peso e queda na produção de leite, gerando grandes prejuízos. Os animais contraem o vírus por contato direto com outros animais infectados ou por alimentos e objetos contaminados, seja pelo sangue, saliva, leite, urina e fezes. A principal consequência da febre aftosa é econômica. Por ser um dos vírus mais contagiosos, os países livres colocam barreiras à entrada de animais susceptíveis e seus produtos, com origem em regiões afetadas. Basta apenas um foco em uma propriedade para haver restrição nos mercados internacional e nacional. A doença não traz riscos para humanos. Fonte: Adapar

O planejamento do governo federal começa, na prática, a partir de maio de 2019, pela região Norte, inicialmente em Rondônia e no Acre. Os dois estados serão os primeiros onde a aplicação da vacina será suspensa. A meta é acabar com as campanhas em todo o país até 2021, para então, em 2023, ganhar o reconhecimento da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE).

Causada por vírus, a aftosa é altamente contagiosa e traz impactos econômicos desastrosos, com o abate dos animais infectados e embargos à cadeia de proteína. Os casos mais recorrentes aparecem nos rebanhos bovinos, mas ela afeta praticamente todos os animais de “casco rachado”, como suínos e ovinos.

O último surto no Brasil foi em 2006, no Mato Grosso do Sul, um ano depois do último caso registrado no Paraná, quando mais de 6 mil cabeças foram sacrificadas e o setor estimava um prejuízo de R$ 180 milhões aos agropecuaristas paranaenses. O estado nunca mais se recuperou do tombo: as exportações caíram pela metade desde então, fechando 2017 em aproximadamente 20 mil toneladas de carne in natura.

O professor Paulo Rossi, que coordena o Laboratório de Pesquisas em Bovinocultura da Universidade Federal do Paraná (LapBov), avalia que as vantagens com o fim da vacina são indiscutíveis. O problema, para ele, é o tempo apertado.

“Existe um estudo em que a OIE mostra que o vírus está com baixa circulação na população bovina, que existe segurança para fazer isso. A grande questão é a fiscalização, que hoje é um dos pontos que a gente ainda questiona”, afirma. “Se você começa a liberar em alguns estados e em outros não, como fica fiscalização nas fronteiras?”

Atualmente, o Brasil já é território livre da aftosa, mas com vacinação, status que será reconhecido oficialmente em maio deste ano, na sede da OIE, na França. Nesta quinta-feira (5), inclusive, o Ministério da Agricultura (Mapa) encerrou uma série de atividades sobre o tema, na semana intitulada “Brasil Livre da Febre Aftosa”, para comemorar a erradicação da enfermidade no território nacional. Apenas Santa Catarina – que tem 4,5 milhões de cabeças ou 2% do rebanho nacional – é livre da doença dispensando a vacina.

O Brasil já é território livre da aftosa, mas com vacinação, status que será reconhecido oficialmente em maio deste ano na sede da OIE.Antônio More / Agência de Notícias Gazeta do Povo

Quem paga a conta?

No plano de erradicação da aftosa, o governo trabalha com a divisão dos custos entre o setor público (incluindo o poder federal e o estadual) e o setor privado, mas não deixa claro quem arcaria com o quê exatamente. “Teria que aumentar número de postos e fiscais, e estados não conseguem pagar as próprias contas. Acho que é um risco muito grande”, questiona Rossi.

Ele cita um estudo mencionando que, apenas no Paraná, seria necessário investir em 50 postos de fiscalização. “Para ter fiscalização 24 horas por dia, a gente precisaria de no mínimo oito fiscais por posto. O estado não tem dinheiro para contratar essa gente. É um momento ruim para se discutir isso. E isso só no Paraná”, acrescenta.

Além da crônica dificuldade em fiscalizar fronteiras continentais – lembrando que nenhum dos nossos vizinhos na América do Sul estuda, ao menos por enquanto, seguir o movimento brasileiro – a medida, pontuam especialistas, pode criar vários “Brasis”, já que os estados foram separados em bloco e deixarão de vacinar de forma escalonada.

“Os estados vizinhos vão ser ‘exterior’. Se tiver diferença de preços entre eles, como vou segurar? São dois ‘Brasis’ pecuários”, diz Emilio Salani, vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), sobre o comércio de gado. “Terá que ser feita uma lei [nos estados que suspenderem], dizendo que quem vacinar será multado. Porque se você vacinar e eu ‘bater a agulha’ no seu boi, e ele tiver anticorpo, vou suspeitar que o vírus está ali. A história de que vou proteger o meu não existe.”

Não é surpresa que a indústria de saúde animal tenha um pé atrás com relação à medida, mas os argumentos são sólidos. O Sindan diz ser a favor do fim da vacinação, mas pleiteia que o prazo para adequação seja maior, começando em 2021, e não já no próximo ano. “Essa vacina é a garantia do Brasil exportador de proteína, porque se a enfermidade entra novamente, você tem interrupção da exportação de carne de boi, aves e suínos imediatamente. Em biologia não existe risco zero”, defende Salani.

Atualmente, o Brasil produz cerca de 240 milhões de doses de vacina contra a aftosa; no entanto, conforme as campanhas forem suspensas, a produção também para. Por enquanto, o governo não sinalizou ainda como - e se - será feito um banco emergencial.Diogo França/Texto Comunicação Corporativa

Retaguarda

E se risco zero não existe, o plano B também não parece muito claro. Assim como outros especialistas, Salani critica o fato de não haver uma definição clara sobre um banco emergencial de vacinas contra a aftosa. “Nós vamos ‘desligar as torneiras’ de Rondônia e Acre. E onde está o banco do governo? Quem é que vai fazer isso, quem vai bancar?”, questiona. “Quem tem 220 milhões de bois não pode brincar nesse quesito, e o governo está se batendo, tentando fazer um modelo de banco. Do dia 31 de maio de 2019 até 31 de maio de 2023, teremos um período de interrogação com relação à sanidade.”

O Agronegócio Gazeta do Povo entrou em contato com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mas não recebeu resposta até a publicação da reportagem.

No Paraná, o suíno pressiona o boi

O Paraná quer até antecipar o fim da vacinação contra a aftosa, previsto, de acordo com o plano do governo federal, para 2021. O motivo, entretanto, não é o boi: com 9,5 milhões de cabeças de gado - pouco mais de 4% do efetivo brasileiro –, é principalmente a suinocultura que pressiona a cadeia de bovinos.

O setor produtivo argumenta que a carne suína paranaense é barrada em 65% do mercado internacional por causa da obrigatoriedade da vacina no gado, sendo que, de acordo com a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), apenas 1% do rebanho bovino paranaense viria de outros estados e colocaria em xeque a sanidade estadual como um todo.

O diretor da Adapar, Inácio Kroetz, concorda que, pensando no Brasil, o “momento não é nem favorável”. “Se considerarmos as possibilidades de ingresso do vírus, temos lugares mais vulneráveis”, diz.

Por outro lado, ele defende que o Paraná tem condições de suspender a vacinação. “Nosso vizinho [Santa Catarina] não vacina e nem por isso teve qualquer episódio. O Paraná tem condições em relação à aftosa e a qualquer doença transfronteiriça. Agora, sobre a questão do estoque de vacinas, é óbvio que será necessário. Hoje, se o Paraná resolver sair isoladamente, não haveria problemas, porque a vacina continua sendo aplicada no Brasil e haverá estoques. Mas se o Brasil resolver sair como um todo, aí não teria como”, completa.

O professor Paulo Rossi, da UFPR, lembra, contudo, que o “isolamento” do Paraná poderia desregular o mercado de bovinos, pela demanda de “bois estrangeiros”, além de frisar os problemas de fronteiras com outros estados e países. “Eu ainda vejo com certo temor por uma questão de todo o controle sobre a doença. A gente ganharia em longo prazo, na exportação, mas teríamos problemas sérios em curto prazo”, afirma.

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