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Unidade de produção da Alegra, marca de cortes e produtos suínos da Unium, em Castro, no Paraná. | Divulgação/
Unidade de produção da Alegra, marca de cortes e produtos suínos da Unium, em Castro, no Paraná.| Foto: Divulgação/

Imagine uma joint venture baseada principalmente na confiança, na qual a empresa com mais expertise e maior fatia de mercado assuma a liderança na condução do negócio, mas que haja troca de informações entre os envolvidos. É exatamente isso que fizeram as cooperativas Capal, Castrolanda e Frísia (antiga Batavo), na região dos Campos Gerais, interior do Paraná. Reuniram-se sob uma mesma marca institucional, a Unium, e se aproveitaram do conhecimento de mercado de cada uma delas para competir em três segmentos por meio de uma intercooperação: o lácteo, o de suínos e o de trigo.

A ideia surgiu por acaso. Começou há cerca de cinco anos, quando a Castrolanda e a Frísia construíram unidades de beneficiamento de leite em Castro e em Ponta Grossa, respectivamente. “Quando a Frísia iria começar a operar a sua unidade, houve uma conversa entre a diretoria das empresas: ‘Nós vamos concorrer entre si? A bacia leiteira seria a mesma’”, relata Cracios Consul, gerente de marketing da Unium. “Começou de uma maneira não planejada, para evitar a concorrência, mas percebeu-se uma grande vantagem neste modelo”, destaca. A marca Unium surgiu em 2017.

No ano passado, a Unidade de Beneficiamento de Leite de Ponta Grossa processou um volume 1,1 milhão de litros por dia (sua capacidade é para 1,4 milhão) e a de Castro 1,15 milhão (com potencial para chegar a 1,4 milhão) – além de ambas, há a fábrica de Itapetininga, que processa outro 1 milhão de litros por dia.

Uma “joint venture” cooperativa

O formato de joint venture – comum no ramo dos negócios, quando duas ou mais empresas firmam um acordo, criando uma aliança comercial de prazo determinado e dividindo os resultados, sejam lucros ou prejuízos – é chamado de intercooperação no sistema cooperativo. Há um conselho administrativo composto pela diretoria das três empresas, que se reúne mensalmente para tomar decisões estratégicas, mas a parte operacional segue comandada pelos aspectos técnicos. Cada fábrica, seja de leite, de carnes ou de trigo, conta com a mão de um executivo, contratado por cada cooperativa controladora.

Os produtos lácteos das marcas Colaso, Colônia Holandesa e Naturalle, as farinhas comercializadas pela Herança Holandesa, e os cortes suínos da Alegra saem todos sob uma mesma marca de assinatura: a Unium. No ano passado, o faturamento dela, composto pelo resultado das três cooperativas, somou R$ 2,47 bilhões. Apesar disso, a Unium não tem uma personalidade jurídica constituída ou um CNPJ próprio, ao contrário do que costuma ocorrer com as joint ventures tradicionais.

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O investimento da marca de assinatura em 2018 chegou perto de R$ 150 milhões, considerando melhorias no abate de suínos (R$ 14,1 milhões), nos processos relacionados à produção de leite (R$ 121,7 milhões) e aportes no segmento de trigo (R$ 10,5 milhões). Atualmente, as três cooperativas representam aproximadamente 5 mil famílias de cidades dos Campos Gerais.

O superintendente da Organização das Cooperativas do Paraná (Sistema Ocepar), Robson Mafioletti, explica que a Unium é uma iniciativa diferente dentro do cooperativismo. “É uma marca que representa as três cooperativas, que seguem singulares. É um modelo distinto também do que ocorre em outras formas de negócio dentro do cooperativismo, com uma cooperativa central coordenando tudo, como é a Frimesa”, esclarece. Outro modelo costumeiramente adotado são as centrais de compras, que visam reduzir os custos na aquisição de produtos.

Para o gerente de Marketing da Unium, Cracios Consul, só existem vantagens para as cooperativas. “É um modelo competitivo e estabelece uma marca que avaliza o trabalho que está sendo feito. A confiança é o diferencial deste modelo: se os associados minoritários desconfiarem, essa relação acabou”, explica. “Isso não é um risco, porque as cooperativas já estão juntas há quatro gerações, além desse novo vínculo estreitado pela Unium. A dificuldade está em replicá-lo”, ressalta.

Consul garante que, no Brasil, não há outro modelo de negócio como esse. “Existem diversas iniciativas de intercooperação, mas não chegaram ao ponto de desenvolverem uma marca de assinatura”, desafia.

Decisão estratégica torna cooperativas sócias entre si

Para evitar a concorrência entre os leites, as cooperativas tomaram uma decisão estratégica que se seguiu aos outros produtos: a instituição com mais representação de mercado (mais produtos, expertise e marketing share) acaba se tornando a líder, com as outras como sócias.

No caso dos suínos e do leite, a Castrolanda é a responsável e, para o trigo, a Frísia – a Capal é sócia em cada um deles. “Cada cooperativa conta com o seu comitê técnico nas áreas específicas. Essas áreas vão se comunicando e trocando informações a respeito de produtividade, cuidados com a base, entre outros pontos. Quando identificamos melhoras no processo, elas são adotadas por todos”, explica Consul.

De acordo com o gerente de Marketing da Unium, o principal objetivo está no fato de não haver necessidade de criar estruturas para tocar o novo negócio, além de uma tributação menor. “Todo o backoffice já existe. As diferenças estão nas indústrias, que contam com o seu pessoal próprio. Mas toda a estrutura por trás, caso de RH, Logística e Marketing, é oferecida pela cooperativa, como se ela prestasse um serviço para a unidade. É dessa forma nos três modelos, reduzindo os custos”, afirma Consul.

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Essa junção permite que a Unium enfrente os maiores desafios impostos aos empresários brasileiros, otimizando seus recursos. De acordo com pesquisa “Desafios dos Empreendedores Brasileiros”, realizada pela Endeavor Brasil, as cinco maiores dificuldades são gestão de pessoas, gestão financeira, burocracia, inovação e marketing e vendas. Segundo o Global Entrepreneurship Monitor, coordenado pelo Sebrae, as políticas e programas governamentais, a falta de apoio financeiro e o contexto político e clima econômico são as barreiras complexas de se superar.

Atualmente, as vendas realizadas são feitas tanto para o consumidor final quanto no segmento B2B – negócios entre duas empresas. A Unium optou por não informar quanto vende em cada uma das áreas, mas a maior parte de seus negócios é voltada para o B2B. No segmento leiteiro, a empresa comercializa para empresas como Nestlé, Danone, Italac, Piracanjuba, entre outras. Na área de carnes, para Outback e Madero – além de exportar para 31 países. Em trigo, as relações comerciais são com Wickbold, Nestlé, Jasmine Alimentos, entre outros.

O fechamento de um ciclo

A Unium, em muitos casos, fecha um ciclo, efetivando negócios entre as próprias cooperativas. Explica-se: parte do que os agricultores cultivam em trigo é negociado com as fábricas que desenvolvem ração. Ou seja, uma instituição se torna fornecedora da outra, permitindo o rastreamento da produção e a troca de informações diretamente com a base.

A ração é usada na alimentação dos leitões, que são abatidos na fábrica da Alegra – em torno de 3,2 mil por dia. Após o processo de corte da carne e de entrega para o consumidor final ou B2B, a farinha, que é produzida a partir da tritura dos ossos, é revendida também para a produção de ração para pets. Ou seja, uma cooperativa acaba incentivando os negócios da outra.

Cooperativismo está em ascensão no Paraná, o quintal da Unium

De 2017 para 2018, o crescimento do faturamento do cooperativismo no Paraná foi de 18,8% -- de R$ 70,3 bilhões para R$ 83,5 bilhões. De acordo com o superintendente da Ocepar, Robson Mafioletti, o índice foi acima da média histórica -- aproximadamente 10% ao ano -- e se deve à defasagem de preços na comercialização de produtos em 2016 e em 2017. “Nós temos um planejamento para atingir 100 bilhões em faturamento. Esperamos que isso aconteça nos próximos anos. Em geral, a cada quatro ou 5 anos, o cooperativismo dobra de tamanho no estado”, diz.

Para Mafioletti, os bons resultados das cooperativas para os próximos anos vão depender do cenário macroeconômico e da existência de linhas de financiamento para investimentos. “As linhas do BNDES (Banco Nacional para o Desenvolvimento Econômico e Social) são importantes para que os projetos agroindustriais saiam do papel”, relata. “Mas o ambiente macroeconômico e político precisa ajudar em uma maior oferta de emprego e de renda e, como consequência, do aumento do consumo”, diz.

No ano passado, cerca de 96 mil pessoas eram empregadas pelo cooperativismo no estado. No entanto, se forem consideradas as famílias e pessoas beneficiadas indiretamente, estima-se que 31,3% dos cerca de 11,3 milhões de habitantes se relacione com alguma cooperativa.

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