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Foto: Albari Rosa
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O automóvel vem perdendo espaço entre os mais jovens. De acordo com dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) de 2014 a 2017 a emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para jovens de 18 a 21 anos caiu 20,61%. Foram 939 mil documentos em 2017, ante 1,2 milhão em 2014.

E as causas deste desinteresse são diversos. Entre os principais motivos estão a crise econômica, os inconvenientes do trânsito, os custos para tirar a habilitação e para manter um veículo próprio e a popularização de aplicativos móveis, segundo apontamento feito por governo, setor automotivo e autoescolas.

“Muitos jovens não consideram mais a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) uma prioridade”, disse à Agência Brasil o presidente da Federação Nacional das Autoescolas e Centro de Formação de Condutores (Feneauto), Wagner Prado.

Segundo ele, o fenômeno se intensificou a partir de 2015 com o agravamento da crise econômica e o acesso aos serviços de aplicativos de transporte pago ou compartilhado.

“Antes, tudo que um garoto queria era completar 18 anos para poder dirigir o próprio carro. Hoje, eles veem os custos com IPVA, manutenção, seguro; o trânsito nas cidades; tem mais consciência sobre os riscos de acidentes. Somando a isso, aspectos como a Lei Seca, muitos acabam optando por outras formas de se deslocar, como os aplicativos de compartilhamento.”

Wagner Prado, presidente da Federação Nacional das Autoescolas e Centro de Formação de Condutores (Feneauto).

Carona e transporte público

Moradora do Distrito Federal, a universitária Aghata Ingridi de Sousa Sampaio, 22 anos, é um exemplo dos que dizem não ter interesse em tirar a primeira habilitação.

“Quando eu estava prestes a completar 18 anos, meu pai se ofereceu para pagar a autoescola. Só que eu me mudei para Foz do Iguaçu (PR) para fazer faculdade. Como eu morava perto do campus, ia às aulas de bicicleta. Além disso, a cidade não é tão grande e o transporte público lá funciona relativamente bem. Então, quando eu precisava, apanhava um ônibus”, contou Aghata.

De volta à capital federal, onde está concluindo o curso de Geografia, a jovem continua preferindo se deslocar de carona ou de ônibus entre sua casa, em Planaltina, e o campus da Universidade de Brasília (UnB). Um percurso de cerca de 60 km que, considerando ida e volta, consome, em média, duas horas e meia de seu dia.

“Não quero ter carro para não expor outras pessoas a riscos, me expor a engarrafamentos, ter de pagar todas as despesas. Também acho que é uma questão de consciência. Depender do transporte público pode ser cansativo, mas acho mais cômodo andar de ônibus que dirigir no trânsito de Brasília.”

Aghata Ingridi de Sousa Sampaio, universitária no Distrito Federal.

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Para a jovem, a falta de qualidade do transporte público motiva as pessoas a recorrer ao carro ou à moto particular como uma solução cômoda. “Só que dirigir no nosso trânsito é muito estressante. E quanto mais a pessoa utiliza o transporte público, mais ela vai cobrar do poder público um serviço de transporte coletivo de qualidade e melhorias na mobilidade urbana”, ressaltou.

Procura em queda

No Distrito Federal, onde a universitária voltou a residir, a emissão total de CNHs (incluindo novas, renovação, mudança de categoria e segunda via) vem caindo ano a ano desde 2015, quando foram emitidas 554.554 carteiras. Em 2016, foram 386.422; em 2017, 392.147 e, no ano passado, 333.952 carteiras.

A diminuição atinge todos os grupos etários, mas sobressai entre os condutores de 18 e 24 anos. Em 2015, foram emitidas 26.537 primeiras habilitações para essa faixa etária. Em 2018, o número caiu para 14.581, retração de 45%.

“Temos recomendado cautela ao setor. Há cinco, seis anos, muitos não previam a popularização dos aplicativos. Hoje, veículos que não precisam de condutores estão sendo testados. Daqui a poucos anos, portanto, teremos novas surpresas e eu acredito que tendemos a perder ainda mais clientes entre esta faixa mais jovem do público”, complementou Wagner Prado, que também é presidente do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores de Mato Grosso do Sul.

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Custo para tirar a CNH é alto

Outro fator que vem impactando na menor procura para tirar a primeira habilitação é o alto custo do processo. Os valores variam bastante de uma autoescola para a outra, mas o preço médio é de R$ 1,8 mil para as categorias A e B, e chega a R$ 2,4 mil ao incluir as taxas de exames médico e psicotécnico e demais taxas do Detran.

"Tomando por base um processo de habilitação padrão, com um número razoável de aulas práticas e extras e o índice médio de aprovação, eu diria que o custo total chegaria, tranquilamente, aos R$ 3 mil."

Ronaldo Cardoso, especialista pós-graduado em Gestão e Segurança no Trânsito, em entrevista ao site www.aprovadetran.com.br.

No Paraná, por exemplo, o valor cobrado pelas taxa públicas do Detran para a categoria B passa dos R$ 700 - exames médico, psicológico, teórico e prático e emissão da permissão para dirigir. Já em Santa Catarina, o valor-padrão é próximo a R$ 400.  No Rio Grande do Sul e em São Paulo, gira na casa dos R$ 300, enquanto que no Rio de Janeiro fica perto dos R$ 500.

Lembrando que os valores acima são somados aos preços cobrados em cada Centro de Formação de Condutores (CFC), dando um custo final entre R$ 2 mil a R$ 3 mil.

Compartilhamento, bicicleta e patinetes

bicletas compartilhadas em parque de Curitiba
Bicicletas da Yellow. Foto: Hamilton Bruschz

Em nota, a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Economia, do Ministério da Economia, informou que “vê como uma tendência para os próximos cinco anos a diminuição do interesse pela propriedade de automóveis e o aumento da procura por compartilhamento de veículos e uso de soluções alternativas, como bicicletas e patinetes”.

E que, ao fim deste prazo, o assunto pode ser tema da primeira revisão do Programa Rota 2030 – Mobilidade e Logística -, a política industrial para o setor automotivo que entrou em vigor em dezembro do ano passado, com previsão de durar até 2030.

“A mudança do padrão de consumo de motoristas mais jovens não consta diretamente no texto do primeiro ciclo da política Programa Rota 2030”, acrescentou a secretaria.

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O órgão explicou que, pelos próximos cinco anos, os consumidores mais jovens “ainda deverão ter participação significativa no mercado dos veículos tradicionais”.

A pasta também lembrou que o Rota 2030 contempla incentivos a novas tecnologias de propulsão e soluções estratégicas para a mobilidade e logística em consonância com “novos modelos de negócio”.

"Os jovens já não veem mais a CNH como uma forma de independência, como acontecia em décadas atrás. Os demais meios possibilitam que eles coloquem outras prioridades acima da compra de um carro ou da obtenção da CNH. A paixão pelo carro vem diminuindo com o tempo.”

Viviane Macedo, gerente de Estratégias de Pesquisa do Instituto Mobih, criado para garantir o engajamento da sociedade com o tema da mobilidade humana.

Pesquisa revela mudança

Uma recente pesquisa analisou a relação das diferentes gerações com a mobilidade. Apresentado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) em novembro de 2018, o estudo contempla os resultados das entrevistas com 1.789 pessoas de 11 capitais: Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.

Na ocasião da divulgação, o então presidente da Anfavea, Antonio Megale, classificou os resultados como “surpreendentes”.

Apenas 39% dos entrevistados entre 26 e 35 anos possuíam carro. O percentual entre os jovens de até 25 anos era ainda menor: 23%. Entre os do primeiro grupo, 31% responderam não desejar comprar um carro nos próximos cinco anos. Percentual idêntico ao dos entrevistados com 36 a 55 anos de idade. Já entre os mais jovens (até 25 anos), 30% não tinham interesse em adquirir um veículo automotivo.

Somente 35% da geração mais nova têm habilitação para dirigir, e 8% dos que não têm CNH disseram que não pretendiam tirar o documento. O que pode ser explicado pelo fato de que saber dirigir sempre foi visto como uma habilidade capaz de ampliar as chances de conseguir um emprego.

Na época, o presidente da Anfavea interpretou que os dados sugerem que, mesmo entre os mais jovens, o desejo de ter um veículo e a CNH se mantém, mas que, de fato, algumas mudanças começaram a ocorrer entre os indivíduos da chamada Geração Y (de 26 a 35 anos) e se potencializaram entre os da Geração Z (até 25 anos).

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