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Logos da Fiat e da Renault
Logos da Fiat e da Renault| Foto: Marco Bertorello e Loic Venance/AFP

Pouco depois das 21h, quando o sol começou a se pôr na fachada de cristal que abriga a sede da Renault, nos arredores de Paris, o conselho da empresa convocou uma pausa.O grupo tinha se reunido pela pela segunda vez em dois dias para assinar uma proposta de fusão com a Fiat Chrysler Automobiles. Enquanto as negociações se arrastavam, um delegado do Estado pediu para entrar em contato com o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, que estava jantando na cidade no prédio do ministério, que se projeta para o rio Sena.

Le Maire falou com Martin Vial, seu representante na mesa e a voz do maior e mais poderoso acionista da Renault. A França queria um compromisso da parceira da Renault, a Nissan, para apoiar a operação. A abstenção - como sinalizado anteriormente pelo lado japonês - não era boa o suficiente, Le Maire disse, temendo que a Nissan pudesse começar a minar a aliança se não pudesse ser responsabilizada com um voto firme.

De volta à sala de conferências, as porções de sushi e pizza compradas por guardas de segurança deixaram de ser atraentes quando o grupo se reuniu por volta das 11 da noite. O clima também era monótono. Rapidamente ficou claro que a Nissan iria, de fato, se abster em uma votação. Quando chegou a vez de Vial falar, ele apresentou ao grupo o plano de jogo do governo.

O ministro viu uma oportunidade para pressionar a Nissan: no fim de semana, os ministros das Finanças do G-20 se reuniriam em Fukuoka, no Japão, e Le Maire queria usar seus poderes de persuasão para conquistar o parceiro japonês. Então, para surpresa de todos e algum aborrecimento, Vial sugeriu que adiassem a votação e voltassem a reunir-se na semana seguinte, depois que o Le Maire voltasse.

Paciência da Fiat se esgota

Na Itália, entretanto, a paciência de John Elkann estava se esgotando. O herdeiro da família Agnelli e discípulo do falecido CEO da Fiat, Sergio Marchionne, também estava recebendo atualizações sobre o encontro em Paris, e para ele, essa última opção do governo era demais.

Elkann havia passado semanas costurando o acordo com o CEO da Renault, Jean-Dominique Senard, mantendo o governo francês de perto informado, e sentiu que havia atendido às suas demandas a cada passo. Uma reunião de diretoria que durou muitas horas na terça-feira terminou sem votação porque os representantes queriam mais tempo, e agora o apetite de Elkann por mais atrasos estava esgotado.

Depois de uma breve conversa telefônica com Senard, Elkann orquestrou uma manobra surpreendente. Ele reuniu os membros do conselho da Fiat Chrysler para uma rápida reunião, onde o grupo decidiu retirar sua proposta de fusão. Pouco depois da uma hora da manhã, a empresa enviou um comunicado curto, quase culpando o governo francês pela decisão, dizendo que o país não tinha as "condições políticas" para apoiar o acordo.

E assim implodiu uma das fusões globais mais ambiciosas nos últimos anos, menos de duas semanas após a primeira divulgação, um audacioso plano para impulsionar diversas marcas de automóveis da França, Estados Unidos e Itália para o número 3 do mundo - com o promessa de alcançar o topo se o Japão mais tarde pudesse ser trazido para o grupo.

Este relato dos dias finais das negociações prévias que levaram ao colapso da meia-noite é baseado em relatos de pessoas próximas à situação, que pediram para não serem identificadas. As montadoras e o governo se recusaram a comentar as reuniões.

Tudo por um acordo

No período prévio ao colapso, todos os lados fizeram de tudo para fazer o acordo. Elkann e Senard construíram um relacionamento estreito nas últimas semanas, frequentemente se reunindo em Paris ou Turim para encontros informais com o objetivo de discutir os pontos mais delicados. As duas empresas europeias também se certificaram de manter a porta aberta para a Nissan, caso o parceiro japonês quisesse se juntar ao grupo em um estágio posterior.

O governo francês, com sua participação de 15% na Renault e poderosos direitos de voto duplo, também mostrou apoio, embora com algumas ressalvas: a fusão deve funcionar dentro da estrutura da Renault-Nissan e não colocar em risco a parceria de sucesso; empregos e locais de produção na França precisariam ser protegidos; a governança deveria  ser mantida; e o grupo deveroa participar de um projeto para criar um campeão europeu de baterias.

O papel da Nissan em particular foi um ponto importante para o governo. Senard viajou para o Japão na semana após o acordo ter sido divulgado para uma reunião do conselho da aliança, onde aproveitou a oportunidade para expor as virtudes da combinação com a Fiat. A França queria a Nissan firmemente por trás do acordo, temendo que qualquer oposição - ou mesmo apoio morno - significaria alienar um bom parceiro industrial ao longo do tempo.

Mas, enquanto a diretoria da Renault se preparava para se reunir em 4 de junho na sede, a posição da Nissan tornou-se cada vez mais precária. O CEO, Hiroto Saikawa, disse que a companhia japonesa precisava rever o futuro da aliança, incluindo relações contratuais, culminando na decisão da Nissan de se abster de votar. No final, o primeiro encontro terminou sem nenhum resultado firme, e o grupo passou uma hora examinando as últimas descobertas ligadas ao ex-CEO Carlos Ghosn. Eles concordaram em se reunir novamente no dia seguinte.

No momento em que o grupo voltou a reunir-se às 18 horas, na quarta-feira, o cansaço da reunião inconclusiva havia passado, e o otimismo se impunha, na medida em que a segunda tentativa impulsionaria a realização do acordo. Uma coletiva de imprensa havia sido organizada provisoriamente em Paris para o dia seguinte, com o lançamento praticamente preparado e com o CEO da Fiat Chrysler, Mike Manley, vindo dos EUA para a ocasião. O sindicato francês da CGT era a única voz dissoante, mas que poderia ser facilmente abafada pelo coro esmagador de apoio.

Então, o grande plano desmoronou, com a Bloomberg News noticiando, na madrugada de quinta-feira, que a Fiat havia retirado sua oferta.

Busca por culpados

O governo francês, por sua vez, ficou atordoado com a mudança de Elkann e precisou de algumas horas para recuperar o equilíbrio. Quando isso aconteceu, a busca por um culpado não demorou muito a entrar em erupção.

Não querendo ser visto como o fator perturbador, o governo disse que não fechou nenhuma porta, e que tudo o que pediu foi mais cinco dias para conquistar a Nissan. Temas como governança e empregos foram acordados, disse uma autoridade francesa a repórteres durante um briefing.

A Renault também lamentou o fracasso das negociações, agradecendo à Nissan por sua "abordagem construtiva" às deliberações e à Fiat por seus esforços. A Fiat, por outro lado, viu o Estado francês como o culpado, dizendo que o governo repetidamente tentou mudar as condições de seu apoio e deixando Elkann com a impressão de que o Estado clamava pelo controle total da entidade combinada, uma exigência inaceitável para a Fiat.

"Quando fica claro que as discussões foram tão longe quanto poderiam razoavelmente ir, é necessário ser igualmente decisivo no fechamento dos assuntos", disse Elkann em uma carta aos funcionários.

Ao fazer isto, Elkann usou como referência o livro de negócios de Marchionne, que morreu no ano passado e foi um líder incansável da consolidação da indústria automotiva. “É tão importante afastar-se da mesa (de negociações), quanto sentar-se”, disse Marchionne, em 2014.

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