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O ovo da serpente
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A pesquisa do Instituto Ipsos divulgada na última semana traz alguns dados que merecem atenção. Levantamentos que medem o clima da opinião pública costumam falar mais nas entrelinhas do que aparentam aos leitores apressados.

A imprensa deu destaque à associação que o brasileiro faz, não sem motivo, do PT com os escândalos e crimes revelados pela Lava Jato. Nada menos que 64% dos entrevistados associaram, de forma espontânea, o partido que governou o Brasil entre 2003 e 2016 à operação, enquanto o PMDB, segundo colocado, mereceu 12% de menções. O PSDB vem em terceiro com ínfimos 3%.

O PT, como “marca”, foi dizimado, o que as eleições municipais do ano passado já mostraram. Lula, como sempre, está descolado do partido para uma parte significativa da opinião pública, assim como a esquerda como projeto político e ideológico não saiu chamuscada pela revelação da bandalheira petista. Não há motivos para comemorar, já que petistas criaram novos partidos, mudaram o discurso de outras siglas e estão por aí como se não tivessem nada com a pilhagem dos cofres públicos realizada nos últimos 14 anos.

Lula é lembrado como ligado aos escândalos de forma espontânea por 57% dos entrevistados, muito acima de Aécio Neves (44%) e Michel Temer (43%), o que coloca um teto claro nas suas aspirações como presidenciável. Lula hoje tem muito mais chance de ser escolhido indiretamente pelo Congresso do que pelo voto popular, o que explica a campanha de parte da imprensa e políticos pela queda imediata de Temer. Quando uma lista de políticos é apresentada, Lula pula para 87%, empatado tecnicamente com Temer (90%) e Aécio (88%).

A percepção geral é que toda classe política atual é corrupta e precisa ser substituída, investigada e punida por seus crimes. É o “pega pra capar” que criminaliza a política em vez de apenas sanear seus quadros pelas vias institucionais normais e democráticas. Basta considerar que 82% dos entrevistados acreditam que todos os partidos estão envolvidos em crimes para se entender o humor da população. A popularidade de Michel Temer é quase tão baixa quanto do goleiro Bruno.

Não há dúvida que o cidadão perdeu completamente a fé no atual establishment político e pede mudanças, justiça, lei e ordem. 

O brasileiro tem uma devoção quase religiosa em relação à Operação Lava Jato, o que diz muito sobre o momento do país e que serve de recado claro para quem quiser ter alguma idéia sobre os desdobramentos possíveis da crise atual. Quase todos os brasileiros (95%) acham que a Lava Jato deve continuar mesmo que traga “instabilidade” política e econômica.

Não há dúvida que o cidadão perdeu completamente a fé no atual establishment político e pede mudanças, justiça, lei e ordem. O apoio incondicional à Lava Jato mostra que o país sonha com uma cruzada moralizante e redentora que coloque líderes percebidos como honestos e intolerantes com a corrupção no poder. Não é a economia, estúpido.

O Brasil sofre as consequências devastadoras da maior recessão econômica da sua história e o eleitor quer, como solução, probidade, retidão de caráter, patriotismo, altruísmo e coragem para combater as “máfias” do poder. O país se sente roubado e está chamando a polícia.

Quanto mais desordem, mais clamor por ordem. Enquanto o governo Temer busca soluções econômicas para a crise, o Brasil vai ficando cada vez mais frágil politicamente. Contra o clima de desesperança que se instala aos poucos, a solução é política. O governo, que deveria liderar o combate à corrupção com gestos claros e medidas de impacto, é cada vez mais refém do clima jacobino de parte da imprensa, vive na defensiva e se mostra incapaz de ditar a narrativa e a agenda do país.

A população, cada vez mais cética, não vê saída clara para seus 15 milhões de desempregados e 60 milhões de inadimplentes. Ela acredita, com razão, que o judiciário não funciona do mesmo jeito para a elite política e para o ladrão de margarina do mercado. O acordo de delação premiada de Joesley Batista foi o último tapa na cara de um povo que sabe que há algo de muito errado, injusto e corrompido na maneira como os donos do país são responsabilizados por crimes, quando são.

A Lava Jato é vista como uma tábua de salvação de um povo à deriva num país afundando no mar de lama. O apoio à operação é a mensagem clara de quem, antes de qualquer outra discussão, quer a tal “ordem” escrita na bandeira e que vem antes do “progresso”.

Sem entender o grito atual por justiça e o ceticismo em relação ao establishment, a classe política do Brasil vai namorando com o caos enquanto seus formadores de opinião e a imprensa invertem prioridades, obcecados com a imposição de uma agenda social radicalmente impopular que só interessa às elites urbanas hedonistas e inconsequentes.

Se o Brasil quer mesmo brincar de França de meados do séc. XVIII, vai acabar ganhando de presente jacobinos tardios e depois um Napoleão para “colocar ordem na bagunça”. Ou o poder entende e aceita que precisa fazer gestos claros e urgentes em direção à investigação e prisão de corruptos, que passou da hora de se criar novas regras para coibir o saque de dinheiro público como feito nos últimos anos, ou o final dessa história não vai ser nada divertido.

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