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O presentão do governo para os planos de saúde
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Gilberto Yamamoto/Gazeta do Povo

Da coluna Caixa Zero, publicada nesta quarta, na Gazeta do Povo.

Hoje, Dia dos Namorados, um encontro no Rio de Janeiro debaterá um dos romances mais caros do país: aquele que se dá entre governos e planos de saúde em nossas terras. O seminário partirá de uma interessante nota técnica divulgada pelo Ipea no final de maio. Nela, o pesquisador Carlos Octávio Ocké-Reis faz as contas e descobre que, por ano, o cofre do governo repassa, de maneira sutil, R$ 7 bilhões para que as operadoras atraiam mais clientes.

A conta começa assim: no Imposto de Renda, é possível abater gastos com saúde. Em 2011, último ano analisado pelo estudo, essa renúncia fiscal chegou a R$ 15,8 bilhões, ou o equivalente a 22,5% de tudo o que o governo federal investiu em saúde pública no mesmo período. Parece que quem sai ganhando com isso é o contribuinte, meramente. E é mais do que justo, já que ele é penalizado anteriormente com o duplo pagamento: além de bancar o imposto do SUS, ainda tem de pagar uma operadora para ter bom atendimento.

A segunda parte do cálculo, porém, é separar desse total quanto foi parar no bolsos dos planos de saúde. O valor não só é alto como vem aumentando: em 2003, era de R$ 4,7 bilhões. Em 2011, tinha subido 64% e estava em R$ 7,7 bilhões. Simplificando, a renúncia fiscal em nome do bom funcionamento dos planos chega a 11% de tudo que o governo gasta com saúde no país. Pode-se chegar a uma conclusão bem diferente da anterior. Ao invés de investir mais no SUS, o governo pode estar usando o dinheiro de todos para financiar empresas que lucram com a própria ineficiência do SUS.

Desse jeito, o governo acaba criando dois tipos de contribuintes. Um é aquele já citado: acaba pagando duas vezes para ter um único serviço. O outro tem situação ainda pior e é penalizado três vezes. Primeiro, não tem muito dinheiro. Segundo, paga seus impostos embutidos na alimentação e em outros bens de consumo (desses, não há como fugir). E, terceiro, não tem como pagar um plano de saúde para a sua família, mas acaba financiando indiretamente as operadoras.

Não há dúvida de que os planos de saúde são um negócio lucrativo. Em 2011, já contavam com 63 milhões de usuários e tinham faturamento global de R$ 84 bilhões, segundo Ocké-Reis (cerca de 9% disso vêm da renúncia fiscal do governo). O lucro líquido das empresas, somado, estava em torno de R$ 4,9 bilhões em 2011.

Se a discussão ficasse apenas voltada para a renúncia fiscal, estaria fora de foco. Deixar de abater o gasto com saúde só aumentaria o drama de quem paga os planos. Mas o conjunto da obra mostra que o governo poderia investir mais no SUS, e que não o faz por uma escolha. O que, aliás, já havia ficado claro quando os burocratas tinham os R$ 40 bilhões da CPMF nas mãos e tiravam da saúde para colocar em outros lugares.

O fato é que o governo, de várias maneiras, subsidia os planos de saúde – inclusive, como sempre lembra mestre Elio Gaspari, deixando de cobrar o ressarcimento integral quando o sujeito que é usuário do plano acaba atendido pelo SUS. Em tese, paga para aliviar a pressão sobre o sistema e diminuir as filas. Alguém mais cínico, porém, poderia dizer que o governo, com isso, só está tirando do SUS a classe média, aquela que tem mais poder de reclamação e que talvez não aguentasse calada os maus-tratos infligidos aos mais pobres.

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