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Foto da Matthew Henry do Burst Burst| Foto:

Não é a primeira vez que uma família entra em contato comigo porque pai ou mãe (ou ambos) não aceita o autismo do filho. E aí vem a pergunta “fatídica”: “O que você acha que eu devo fazer? Falar com os pais? Não me meter? Como lidar com isso?”. Minha reação é ler o e-mail, colocar como “não lido” e reler no dia seguinte, e assim por dias a fio, enquanto tento chegar a uma conclusão sobre o que dizer. O problema é “O que dizer?”.

As pessoas me pedem bastante opinião sobre como agir diante do autismo, e eu sempre digo que não sei se realmente posso dar uma opinião, já que sou igualmente uma pessoa que experimenta erros e acertos, porém, o que posso falar é como uma amiga, tentando ser o mais sincera possível sobre o que penso e sobre o que sinto. Assim, vou colocar três etapas que uso quando estou diante de uma família que não aceita o diagnóstico de seu filho:

    O meu trabalho como advogada junto a famílias em defesa pelos direitos de crianças autistas me deu uma visão um pouco diferente da que eu tinha inicialmente sobre vários aspectos. Quando olhamos para uma pessoa, tendemos a avaliar suas ações com base no que nós mesmos faríamos. Pensar “eu não agiria ‘assim’” ou “eu jamais faria ‘assado’”, em certos casos, é quase natural. E não estou aqui colocando o peso de um julgar condenatório propriamente, mas a forma como avaliamos a ação dos outros através de nossa forma de ver o mundo.

    Por outro lado, com meu trabalho, realmente aprendi, e tive que aprender, que a mesma experiência gera reações diferentes em cada pessoa e, se eu quiser colaborar com essa pessoa e ter minha opinião aceita por ela, não posso fazer a avaliação a partir do que eu faria na situação dela, mas tentar realmente ver a situação com os olhos da pessoa. A minha lógica pessoal terá sentido para mim, mas não será realmente compreendida pelo outro e, portanto, a interferência a partir de nosso próprio ponto de vista, em geral, não me parece ser um método de grande sucesso.

    Trocarei em miúdos, usando a mim mesma como exemplo. Quando recebi o diagnóstico, minha reação, em um breve resumo, foi partir para a luta, talvez porque justamente assim que lido com minhas dores: eu ajo com vigor para não sentir a força da pancada que tomei; quando estou lutando por algo, estou tão envolvida com um objetivo que não paro para analisar realmente as minhas dores pessoais e, assim, sobrevivo a elas. É claro que essa atitude traz consigo um preço, e claro que em algum momento eu tive que parar e encarar realmente minhas dores oriundas do diagnóstico, mas essa é uma maneira de ação funcional que eu encontrei para lidar com a minha vida. Essa forma é boa e ruim ao mesmo tempo, tem prejuízos e malefícios, e, como diz a canção: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

    Entretanto, para certas mães, a reação que eu tive é completamente ilógica porque, por suas histórias de vida e suas maneiras de ver o mundo, o momento de luto pelo diagnóstico era necessário e fundamental. E elas estão erradas? Não. Talvez tenham tido uma atitude mais pessoalmente ponderada que a minha. A minha foi mais funcional, talvez; a delas mais emocionalmente equilibrada e respeitosa consigo mesmas, quem sabe? O fato é que, em ambos os casos, o perfil de ação é motivado por escolhas, mas também por uma maneira própria de ver o mundo. Certas condutas fazem sentido para alguns e não fazem sentido para outros. Assim, tente observar o mundo com os olhos daquela mãe que está com dificuldades em aceitar o autismo antes de abordá-la, visto que suas palavras apenas farão real sentido a ela se puderem se encaixar na forma como esta mãe (ou pai) consegue ver o mundo.

    Olhar o mundo pelos olhos de uma mãe que não aceita o autismo, para mim, particularmente, é uma tarefa difícil, pois eu já normalizei tanto o autismo em minha vida que já não é mais uma palavra que sequer me cause impacto. Mas tento me focar na história de vida dessa pessoa, suas expectativas, seus medos, e tento senti-los como meus. Nesse processo, muitas vezes eu consigo ver que a pessoa não está emocionalmente capaz de ver certas situações que são claras aos olhos de quem está “de fora”. Não adianta falar algo que a pessoa não é capaz de entender, pois você só irá força-la a te contra argumentar, e tudo vira uma discussão perdida. Até porque, nesses casos, chega um determinado ponto da discussão que são só “negativas contra afirmativas”, o que não leva a lugar algum.

    Assim, tento desenvolver uma conexão com a pessoa que me permita saber até que ponto ela estará entendendo o que tenho a dizer. De nada adianta despejar algo do tipo: “olha, você não está encarando o autismo do seu filho”, porque as palavras serão ouvidas, mas dificilmente serão internalizadas e compreendidas na efetividade. Trabalhar com aceitação do autismo para certas famílias significa trabalhar com o luto do filho idealizado, o que deveria ser feito por profissional da área de psicologia. Quando tais famílias optam por não ter apoio de profissionais da área, o processo torna-se muito difícil, e a intervenção de famílias e amigos nesse processo nem sempre é eficaz ou mesmo aceita. É preciso ter a consciência que, ao abordar o tema, se está colocando o dedo em uma ferida, e que existem diversos pontos de vista que a pessoa, que não conseguiu ultrapassar essa fase de luto, pode não estar preparada para escutar.

     

      Diante de um quadro de autismo não aceito, surge o dilema ético: se não interferir, não estarei fazendo nada por esta criança; se interferir, aquele que não aceita pode voltar-se contra mim. Escolhas. Eu realmente acho que o futuro de qualquer criança está acima da relação interpessoal, então eu, particularmente, intervenho. Mas, é preciso ter ciência de que isso pode ser doloroso para você, pois isso pode trazer brigas e afastamento. Não é fácil, nem sempre é eficaz, mas é uma escolha.

      Existem pessoas que são de tal forma avessas a aceitar o autismo de seus filhos que, em uma mera menção da palavra ou uma sugestão de procura a um médico, já se revoltam contra aquele que procurou proferir alguma orientação. Estar ciente que este tipo de reação pode acontecer quando tentar realizar algum tipo de orientação ou interferência é fundamental. Manter a calma nessas situações é tão ou mais importante que iniciar uma conversa sobre o tema autismo. Foque sempre seu objetivo no bem-estar da criança e esteja ciente que nem sempre a tentativa de auxílio e a continuidade de uma relação de amizade são possíveis num mesmo momento em certos casos (embora isso pareça ser antagônico até de descrever).

      Falar sem colocar um tom de julgamento, sem condenar a pessoa que está negando o autismo, sem querer parecer incisivo ajudam muito para que a coisa não descambe. Nunca adote um ar professoral, principalmente se estiver falando com uma mãe ou um pai sobre seu filho, pois possivelmente eles vão acabar se defendendo sem nem ao menos te escutar. Seja paciente, e não tenha expectativas de que tudo vá dar certo e a pessoa sairá aceitando completamente o autismo do próprio filho após uma conversa, pois as coisas podem não ser da maneira como planeja.

       

        Toda vez que for falar sobre autismo com uma família que tem dificuldade em aceitar o diagnóstico, duplique seu amor e apenas fale daquilo que você realmente sabe. Notícias falsas, especulações e generalização de sintomas (como se fosse de todas as crianças autistas, enquanto, na verdade, a manifestação se mostra diferente em cada criança diagnosticada) podem fazer com que suas palavras sejam desacreditadas ou mesmo induzir os pais a erros por falta de conhecimento real sobre o tema.

        No ramo da moda, escutamos muito que menos é mais, e talvez aqui esse seja um bom segredo. A melhor orientação a ser dada é sempre que procurem médicos e profissionais da área de saúde bem-conceituados. Quando falo de autismo, baseio minhas informações em pesquisas científicas sobre o tema e sempre pesquiso a fonte, como estas pesquisas são feitas e, ainda, sempre falo sobre a importância de se estar bem orientado por uma boa equipe de saúde.

        Oriente os pais a procurarem terapia para si. Temos que derrubar o estigma de que terapia é para quem não está bem! Terapia é para ficar bem, é para lidarmos com a retomada de nossas vidas após um acontecimento tão marcante, como o diagnóstico.

          Se há um real descaso com o quadro de saúde que esteja efetivamente prejudicando a criança de forma consistente, é obrigação do cidadão denunciar ao conselho tutelar. Talvez seja uma das medidas mais difíceis e dolorosas de se fazer, mas é preciso ter a ciência que é o futuro de uma criança que está em jogo. Não se trata do que o conselho tutelar irá fazer ou qual será o desfecho da situação, mas da obrigação como cidadão. Proteger a criança é um dever de todos nós, cuja omissão traz prejuízos para o que acreditamos ser a construção de um futuro inclusivo.

          Aceitar o autismo é uma jornada muito difícil para alguns pais e, para familiares e amigos que amam a criança e querem seu bem, tal situação pode se tornar um jogo de xadrez. Encontrar o ponto de equilíbrio em não julgar, falar com amor e saber o momento em que a situação pode estar sendo uma situação de risco à criança é extremamente complicado. Mas, com carinho, busca por apoio e união, tenho certeza que os nós que atam a compreensão de que há vida após o autismo serão desatados.

          Grande abraço a todos.

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