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Dizem que política e religião não se discute. Eu já penso que é super agregador conversarmos sobre esses temas, embora, infelizmente, estejamos em um momento completamente polarizado. Mas não estou aqui para discutir nem política, nem religião (não, hoje não é dia de polêmica; ou pelo menos eu acho que não). O objetivo é parar para analisar o que todos os candidatos e as eleições têm apresentado com relação à luta por melhores condições de inclusão de pessoas com deficiência (e, em destaque, pessoas com autismo).

Inicialmente, é importante deixar bem claro que eu não me envolvo com partido político, não pretendo entrar na política e, principalmente, não me sinto representada por nenhum dos candidatos à presidência. Vamos colocar da seguinte forma: se o Brasil fosse um restaurante e os candidatos fossem os alimentos, eu honestamente passaria fome. Depois dessa péssima metáfora, você pode estar se perguntando: “então… o que raios ela vai defender aqui?”.

Bom… Eu não vou defender nada, mas apenas abrir a reflexão para alguns aspectos que têm me chamado a atenção. Inicialmente, um dos pontos mais importantes é o momento em que os candidatos falam em Educação. Até agora, não vi qualquer candidato trazer às grandes mídias o tema inclusão de pessoas com deficiência. Fala-se em maiores investimentos para a Educação, porém, não se apresenta qualquer proposta com relação à inclusão de pessoas com deficiência. Igualmente, quando se fala em saúde pública, o tema inclusão é pouco ou nada trabalhado nas pautas de governo, não havendo apresentação de projetos sólidos sobre como realizaremos a recepção no SUS das famílias que recém receberam o diagnóstico e que necessitam de tratamento fornecido pelo Estado.

Hoje, a lei impede que uma escola recuse matrícula de crianças autistas, prevendo tal conduta como criminosa. Todavia, vivemos uma realidade nacional em que tal lei sucumbe à impossibilidade da demonstração do seu cumprimento. Explico. Escolas não fornecem documentos que permitam demonstrar efetivamente que uma criança autista fora preterida por uma neurotípica e, em todo o Brasil, as matrículas de crianças com autismo têm sido um processo tortuoso e humilhante. Ainda, apesar de haver previsão legal para que, em caso de necessidade, haja acompanhamento especializado da criança na escola, sabemos que tal situação tem sido objeto de diversas batalhas judiciais (seja por falta de qualquer acompanhamento, seja pela presença de um acompanhamento não especializado). Falta de adaptação de material pedagógico e de políticas ativas de inclusão são outros aspectos arduamente enfrentados. Ocorre que essas realidades passam ao largo dos debates.

Ter um filho diagnosticado com autismo e necessitar de atendimento do Estado é praticamente uma tortura para a maioria das famílias que passam por essa situação. Mesmo no Judiciário, advindo o êxito na obtenção de uma ordem judicial para concessão de tratamento, há dificuldades e árduo trabalho em fazer o Estado cumprir com a referida obrigação. Muitas vezes, ainda nos deparamos com a ausência de fornecimento de terapias especializadas, sendo que a criança é redirecionada a terapias genéricas e que não possuem efetividade comprovada, num descabido “tratar por tratar”, o qual trará drásticos impactos ao futuro da criança e ao psicológico de cada membro familiar envolvido.

Nesse contexto, poderíamos nos esquivar dizendo que estamos em um Estado falido, sem possibilidade de investimentos que privilegiem uma efetiva inclusão e tratamento de pessoas com deficiência. Todavia, muito da questão reside na ausência de uma pauta verdadeiramente pensada para tratar do tema inclusão. Agora, indo um pouco além da questão presidencial e englobando o engajamento de prefeitos, governadores, senadores, deputados e, inclusive, presidenciáveis, há muito que pode ser feito, em âmbito Executivo e Legislativo (farei aqui um compilado de informações rápidas e misturadas para não ficar um texto muito longo).

Inicialmente, ao contrário do que muito se pensa, investimentos estruturados na saúde não precisam ser de alta monta para efetivamente trazer reflexos ao fornecimento de tratamento de qualidade para famílias que tenham crianças com autismo. Se pensarmos em centros integrados, gerenciados por terapeutas verdadeiramente qualificados em terapias comprovadas, como a análise aplicada do comportamento (ABA),  que propiciem capacitação de profissionais sob supervisão (para aplicação em ambiente controlado e natural), com capacitação de familiares para que os cuidados em casa sejam direcionados, o modelo de terapêutica intensiva eficaz se faz possível com menos investimentos e qualidade (havendo a devida cautela em trazer profissionais verdadeiramente qualificados). Com cautela e estrutura, tais centros não exigem gastos elevados, nem em estrutura nem em mantenimento, e representam uma economia a longo prazo, na medida em que o trabalho terapêutico adequado com crianças autistas de forma precoce influencia diretamente num futuro mais independente e, portanto, em menores gastos para o Estado.

Muitas das crianças corretamente tratadas acabam por, em função de um adequado tratamento, não necessitar (ou findar sua necessidade de forma mais precoce) de acompanhamento por acompanhante escolar especializado. Ainda, o tratamento precoce potencializa um futuro com possivelmente menor necessidade de intervenção terapêutica e, assim, maior economia do Estado. Com mais crianças independentes, menos famílias recorreriam a benefícios governamentais, o que, por sua vez, igualmente reduziria os gastos estatais. É claro que cada caso é um caso, mas sabemos que o tratamento precoce é, de fato, o precursor da independência para pessoas com autismo e, portanto, tal investimento representa uma economia. E para quem acha que é impossível a construção de centros adequados para acolhimento de crianças com autismo, eu aconselho a pesquisar os projetos de “Clínica-Escola do Autismo”, de Berenice Piana. Não se gastaram trilhões e anos a fio para fazer um trabalho qualificado, e eu juro que tenho vontade de escrever em letras garrafais na fachada: “É POSSÍVEL” (embora eu acredite que a Berenice e o pessoal não iriam gostar dessa minha mudança arquitetônica).

No que se refere às escolas, é inacreditável que até hoje nosso Legislativo não tenha obrigado os colégios a fornecerem senhas no momento do pedido de matrícula, tal qual um sistema de protocolo. Uma medida assim viabilizaria a verificação de se efetivamente um aluno foi preterido por outro, e a devida investigação dos motivos. Uma medida tão simples, que daria efetividade à demanda de ser ilícita a recusa de alunos autistas e seria uma forma de combate à exclusão. No tocante a acompanhantes especializados, estes igualmente necessitam de uma estruturação em seu fornecimento, tendo em vista que representam efetivamente a possibilidade de um real acesso à Educação. Por mais que o Estado se encontre com horizontes limitados de investimento, acredito que uma das maiores indignações dos brasileiros é a estruturação equivocada na realocação de recursos. Investimentos errados, demasiados, mal feitos. Precisamos de investimentos reais, intensivos e sistematizados na educação de base e ensino fundamental, inclusive no que se refere à inclusão.

É evidente que aqui estou trabalhando de forma simplista com cada tema, até pela limitação de espaço (não dá para escrever um livro em uma postagem). Também não é meu objetivo estruturar pautas de governo não estruturadas. A questão é chamar atenção para temas tão relevantes que sequer tem sido tratados. O tema deveria ser mais amplamente debatido, mesmo que seja para candidatos dizerem abertamente que “esta não é uma pauta” para eles. Autistas possuem grande representatividade. A estimativa, baseada nos dados mundiais de ocorrência de autismo (e cuja frequência só faz aumentar, ano a ano) divulgado pelo CDC (Center of Diseases Control and Prevention – EUA), é de que vivam cerca de 2 milhões de autistas no Brasil (300 mil deles só em São Paulo). Esse é um dado que acredito que os políticos deveriam ter checado, pois nós, famílias de crianças com autismo, não somos poucos e representamos uma massa expressiva de votos e, de fato, não estamos sendo minimamente representados.

Há muita gente que quer #lulalivre, gente que brada “bolsomito!”, gente que quer o nome fora do SPC para já e até mesmo gente que acha que a URSAL tá vindo aí te pegar (cuidado, hein?). “Democracia é uma delícia. Dei minha vida inteira e vou continuar dando!”. Então, viva a diversidade de escolha de seu candidato. Mas, quem realmente representa o candidato que luta pelo futuro de seu filho autista? Infelizmente, pelo visto nenhum presidenciável parece se importar em falar de tais temas de forma ampla com as grandes mídias.

Um grande abraço e até a próxima postagem!

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