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Soka University (Foto: Eduardo Mesquita Pereira Alves)
Soka University (Foto: Eduardo Mesquita Pereira Alves)| Foto:
Soka University (Foto: Eduardo Mesquita Pereira Alves)

Soka University (Foto: Eduardo Mesquita Pereira Alves)

Na semana passada, a Gazeta do Povo publicou o artigo Vamos debater a educação jurídica e, por consequência, os paralegaisno qual participei como co-autor. Diante da temática, solicitei ao meu ex-aluno  Eduardo Mesquita Pereira Alves, pesquisador na Universidade de Tóquio, advogado, formado em Direito pela UFPR, que descrevesse a vida profissional do bacharel em Direito no Japão. Ele elaborou uma lista que nos permite ter uma visão ampla do que ocorre nas carreiras jurídicas do outro lado do mundo. Leia abaixo.

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O graduado em Direito no Japão não irá, exercer necessariamente se tornar advogado, juiz ou promotor. O mesmo vale obviamente em qualquer país, a diferença, no entanto, é que no Japão o acesso à essas três profissões é muito mais restrito, e especialmente no caso dos advogados é certamente bem diferente do Brasil. A própria advocacia tem caráter muito distinto, dividindo espaço com muitas carreiras “paralegais”. A carreira a ser seguida, a dificuldade de acesso e os próprios salários também dependem de fatores como Universidade de origem, base territorial e até tentativas no “Exame de Ordem” até aprovação.

O que apresento a seguir é uma visão geral das carreiras jurídicas existentes no Japão divididas em quatro categorias: a) carreiras tradicionais; b) alto escalão burocrático; c) carreiras paralegais; d) iniciativa privada

I – Três carreiras tradicionais (advogados, juizes e promotores)

As três carreiras de elite no Japão, geralmente reservadas aos egressos das melhores Universidades do país, são acessíveis a partir de um mesmo exame nacional e treinamento promovido pelo governo.

 Os graduados que pretendem se tornar advogados, promotores ou juízes no Japão devem, além de cursar graduação (não necessariamente em Direito), cursar uma pós graduação no modelo das Law School norte-americanas, ser aprovado em Exame Nacional que seleciona àqueles que serão aceitos no Instituto de Pesquisa e Treinamento Legal, instituição pública que treina e aloca profissionalmente advogados, juízes e promotores. A carreira a ser seguida é escolhida durante o treinamento.

a) Advogado: o papel do advogado japonês é muito mais restrito que em outros países. Sua função é eminentemente litigiosa. Diferente do Brasil, onde questões consultivas, elaboração e análise de documentos representam também um dos principais papeis do advogado, no Japão essas questões menores são em geral realizadas por outros profissionais paralegais. Compreender a diferença é extremamente importante para compreender questões como a pequena quantidade de advogados no Japão, que implica em uma pequena quantidade de pessoas autorizadas a representar clientes no judiciário, mas não representa de forma alguma escassez de profissionais habilitados a fornecer uma enorme variedade de serviços legais.

Por ser a única carreira de elite não submetida à rigorosa hierarquia e controle burocrático, os advogados japoneses são tidos como muito mais liberais que seus pares conservadores, os juízes e promotores.

Como na maioria dos países, a categoria tem no geral uma imagem negativa (a ideia de que ninguém gosta de advogado também existe por aqui), porém, o advogado como indivíduo é respeitado socialmente e intelectualmente. Contradições como essa não são inerentes apenas no Japão, no entanto.

O salário médio de um advogado japonês é de 15 milhões de ienes anuais, ou 150 mil dólares. O advogado recém contratado nos maiores escritórios recebe valores que variam de 10 a 16 milhões de ienes ($100.000 a $160.000). Em escritórios menores costumam partir de 10 milhões de ienes.  A variação depende, ainda, de fatores como o número de tentativas para aprovação no Exame Nacional, do sexo do indivíduo, se a firma é doméstica ou internacional, do local de atuação e ainda do fator “Universidade de Tokyo”, que em geral implica em salários maiores.

b) Promotor: a menor (em número de membros) das carreiras jurídicas de elite, é marcada pela reprodução da estrutura burocrática das demais carreiras públicas japonesas. Suas funções são, além da persecução penal, a representação do Estado nas demandas civis e administrativas. Seu grande poder reside nas questões penais. A taxa de condenações obtidas pela promotoria japonesa é de mais de 99%, o que garante um grande respeito e imagem de eficiência. O índice é influenciado, no entanto, pela total discricionariedade de persecução: oferecem a denúncia apenas se quiserem, não sendo essa escolha condicionada por regras bem definidas, como na maioria dos países, e nem submetida ao aval do poder judiciário.

O salário inicial da promotoria é de 227 mil ienes por mês, e no nível mais alto pode chegar a 1 milhão e 400 mil por mês.

c) Juiz: outra carreira extremamente burocrática, é marcada por um controle hierárquico e ideológico forte. É considerada umas das instâncias mais conservadoras da sociedade. O avanço na carreira depende de um alinhamento muito próximo com as decisões de instâncias superiores, já que as decisões de promoções é tomada por uma comissão interna da Suprema Corte.

 Em uma espécie de ciclo vicioso, alguns pesquisadores acreditam que juristas de esquerda, liberais ou progressistas evitam a carreira pelo controle rigoroso exercido sobre as decisões, optando pela advocacia, e ao mesmo tempo a carreira é atrativa aos conservadores, que podem se manter na linha de suas convicções, permitindo que o próprio sistema e seus incentivos reproduzam a mesma configuração ideológica.

O salário inicial é de 227 mil ienes por mês, podendo chegar a 2 milhões mensais no cargo de Presidente da Suprema Corte.

II – Alto Escalão da Burocracia Ministerial

A seleção para burocracia japonesa ocorre por meio de um concurso público anual dividido em três categorias. A Categoria Um é aquela reservado aos que aspiram aos cargos de primeiro escalão dentro dos Ministérios. É uma posição prestigiosa e estável reservada em grande parte egressos de Universidades de elite, novamente com grande preferência aos alunos da Universidade de Tokyo, que ocupam mais a grande maioria das vagas anuais.

Segundo Milhaupt e West (2003) “Todai (The University of Tokyo) is widely viewed as the breeding ground for the elite of the elite… admission to Todai, especially its law department, is a virtual guarantee of career success”. Muitos acreditam, no entando, que isso não se deve à superioredade dos seus alunos, e sim ao fato de que aqueles que fazem a seleção dos novos funcionários são ex-alunos que tendem a favorecer seus “calouros”. A realidade é que a burocracia japonesa é pouco transparente, e isso se reflete em seu processo seletivo e nas suspeitas de favorecimentos suspeitos.

Os salários vão de 221 mil ienes a 1.346.000, reservado aos Vice-Ministros categoria 11. Podemos observar que o salário mais alto chega a ser mais baixo que o de um advogado recém formado. A popularidade da profissão não está ligada ao dinheiro, no entanto, mas a sua estabilidade, status, poder, e ao amakudari, a contratação de burocratas em seus 40 ou 5o anos pelas companhias por eles supervisionadas ou reguladas.

III – Paralegais

São carreiras responsáveis por serviços legais de menor complexidade (ou maior burocracia), acessíveis por meio de testes nacionais de certificação, normalmente também muito difíceis.

a) Escrivão

Realiza toda uma variedade de serviços legais de menor complexidade, especialmente elaboração de documentos, contratos, registros de transferência de imóvel, preparam documentação e requerimentos perante a administração pública, solicitações e modificações de visto. Em suma lidam com a burocracia legal japonesa.

b) Agente de patente

Realizam todos os procedimentos relacionados a patente, do registro às medidas protetivas a ela relacionadas.

c) Agente Tributário

Elaboram documentos relacionados à declaração de impostos, efetuam consultas e planejamento tributário e ainda representam os clientes em litígio administrativo.

d) Contador Público Certificado

Semelhante contador do Brasil, conhece os padrões uniformes de contabilidade formal das empresas, e no caso do Japão são os únicos habilitados a preparar o supervisionar a elaboração de diversos documentos contábeis das empresas listadas na Bolsa de Valores. É uma certificação em três etapas que habilita também a realizar as funções de agente tributário e escrivão.

e) Notário

Serviço de certificação e arquivamento de documentos, contratos, incorporações, contratos sociais e etc. Selecionados por nomeação do Ministério da Justiça.

IV – Iniciativa Privada

Por inciativa privada me refiro à contratação de graduados em direito por empresa de médio e grande porte. O graduado em Direito que busca essa carreira geralmente concorre em igualdade com os demais candidatos nos grandes exames de seleção e entrevistas realizados anualmente. No Japão a busca a contratação de recém graduados é conduzida de forma padronizada por todas as empresas durante um mesmo período no ano, e o contratado pode ou não ser alocado em departamentos jurídicos. Como mencionei anteriormente, advogados no Japão focam na atividade litigiosa, então geralmente toda a questão consultiva, contratual e administrativa incorporadas dentro das empresas em departamentos especializados ou não no Direito.

Os salários são bastante variáveis, mas costumam partir da faixa de 220 mil ienes mensais.

Novamente, graduados da Universidade de Tokyo podem ser liberados dos exames de seleção e a eles podem ser conferidas posições iniciais melhores e salários mais altos. A preferência por graduados em Direito da UTokyo e outras Universidades de elite não ocorre necessariamente porque as empresas acreditam que essas pessoas são mais preparadas dentro da instituição de ensino, mas porque assumem por uma convenção social ( baseada na dificuldade do vestibular) que estudantes de Direito dessas instituições são mais inteligentes que os outros candidatos.

No sistema de emprego japonês não existe sequer necessária vinculação entre sua área de formação e sua função no trabalho, para todos os efeitos o graduado em Direito pode ir parar em departamentos sem contato direto com a função legal, então há a valorização de supostas competências pessoais em detrimento da preparação acadêmica.

* As informações foram retiradas do curso Introduction to the Japanese Legal System, na Universidade de Tokyo, que usa como livro base o livro The Japanese Legal System de Milhaulpt, Ramseyer e West (Segunda Edição) além de conversas com os professores e com um dos autores da obra (Ramseyer, professor de Harvard). A maioria das informações pode ser encontrada em mais detalhes no próprio livro.

O blog Dinheiro Público agradece a contribuição.

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