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Marcelo Elias/Gazeta do Povo/Arquivo
Marcelo Elias/Gazeta do Povo/Arquivo| Foto:
Marcelo Elias/Gazeta do Povo/Arquivo

Marcelo Elias/Gazeta do Povo/Arquivo

No final do ano, em especial durante as festas, exsurge tempo de paz, que se espraia por toda a sociedade. Por convite deste blog, publico artigo de Tiago Gagliano Pinto Alberto, Doutor em Direito pela UFPR e Juiz de Direito em Curitiba, que faz análise desse fenômeno no Direito. Vale a pena a leitura.

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Então é Natal… E o que VOCÊ fez?

Olá a todos!

A nossa história enquanto seres viventes neste maravilhoso planeta Terra é no mínimo curiosa. Conta-se que no Natal de 1914, em plena Primeira Guerra Mundial, soldados britânicos e alemães experimentaram o que ficou conhecido como “A Trégua do Natal”. No período natalino, simplesmente pausaram a guerra, confraternizaram-se, trocaram presentes, entre si e com seus inimigos, e até mesmo jogaram amistosas partidas de futebol. Há, inclusive, uma Cruz próximo à cidade de Ypres, na Bélgica, comemorando a mencionada Trégua.

Naquele momento, os combatentes não se viam como inimigos. Talvez pelo medo da morte, como assinalaram alguns, ou por saudades de casa, como relataram outros, resolveram que a guerra poderia esperar; e que algo maior deveria ser comemorado: a vida. Esta não pode esperar e, embora a humanidade trabalhe incessantemente para eliminá-la de todas as possíveis maneiras e variadas formas desde o mais longínquo vilarejo à mais moderna cidade, a vida insiste em se fazer presente, encantando a todos no sorriso das crianças, na alegria do compartilhar, ou no simples abrir os olhos pela manhã e perceber-se diante de mais um dia a ser vivido.

Será que esta mesma lógica se aplicaria ao ambiente político e social?

No octógono político brasileiro – este inóspito lar de cérberos, fúrias e outros seres mitológicos que, do primeiro ao nono Círculo do Inferno de Dante escapam todos os dias guiados por Virgílio para, com a benção de Hades, tornar ainda mais reativa a vida dos seres humanos que habitam em nosso “Ornitorríntico” país –, por mais estranho que pareça dizer isso, existe vida pulsante.

Temos assistido, não sei desde quando, a uma série de escândalos: do impeachment à tomada pessoal do controle de instituições democráticas fundamentais para a vida pública, parece que já vimos de tudo. Não há mais gatunice que escape da realidade brasileira; somos experimentados e vividos. Malandragem aqui é o dia-a-dia; honestidade e probidade, exceção. Crise política é bobagem, todos os dias vivemos uma diferente. Neste ambiente, para além da cidade de Dite, parece que de malícia, furor e incontinência estamos prenhes. Assim, ainda haverá democracia à beira do Sexto Círculo?

Embora possa parecer paradoxal, a democracia concita a todos que, mesmo em momentos de crise (principalmente neles), discussões públicas e diálogos institucionais venham à tona. Não se trata de uma trégua efêmera, senão do perene descortino da vida em sociedade, da democracia em ação, do funcionamento das instituições.

Na semana que passou, tivemos a oportunidade de vivenciar uma situação destas em que a crise se tornou oportunidade. Após uma elogiável sessão que se passou sem brigas, infortúnios, ou momentos de marketing pessoal, o Supremo Tribunal Federal deu uma demonstração de que mesmo em oportunidades de definição do rumo do país no cenário político (econômico e social), ainda há como se lançar mão do diálogo e da temperança. Longe de coloridos partidários, posicionamentos ideológicos, subjetivos ou disparatados emocionalmente, o que se viu foram votos racionais, fundamentados, argumentativamente sólidos e bem lançados no sentido da definição da legalidade e constitucionalidade na definição dos procedimentos preliminares, de admissibilidade, da questão do impeachment na Câmara dos Deputados.

Houve, por assim dizer, algo como a “Trégua de Natal” no cenário institucional brasileiro, mediada por uma instituição que desempenhou bem o seu papel Constitucional. Neste momento, a democracia reviveu, fazendo da crise a oportunidade, do caos a luz, do pessoal o público.

Mas, não deixa de ser de certa maneira triste observar que tal somente se deu em virtude da atuação do aparelho judicante. Não que a Corte não deva atuar em momentos como esses, mas essa deveria ser a exceção; e, pelo que observamos atualmente em nosso país, não há, como regra, um comportamento cidadão, republicano, ou que prime pela justiça e isonomia.

Ao contrário, cada vez mais ficamos estarrecidos com pequenas corrupções diárias e comportamentos legalmente proscritos. Ao invés de jogarmos o jogo do “ganha-ganha”, em que todos são vitoriosos, insistimos no Dilema do Prisioneiro, em que para ganhar, temos que condenar alguém.

A nossa sociedade anda estranha. Não sei se influenciada (negativamente) pela política, ou se cedendo aos poucos aos caprichos do egoísmo e oportunismo, parece que estamos mesmo descendo as escadas rumo aos Nove Círculos.

Mas, se onde há vida há esperança, uma interessante reflexão em momentos como esse, de incerteza política, econômica e revolta social, seja a de que devemos retomar o mesmo pensamento que fez com que os soldados pausassem a guerra e se confraternizassem mesmo com os inimigos. Talvez se deixássemos de nos ver como adversários, inimigos, ou perenes litigantes, possamos baixar um pouco as armas e deixar a vida fluir, a democracia funcionar sem ruídos ou crises e as instituições operarem sem pessoalidade ou de maneira servil a interesses escusos.

É mais simples do que parece. Veja o outro como a si mesmo; exercite a compaixão e a compartilha; deixe fluir o bom e o bem; e seja feliz. Assim agindo, faremos da Trégua a regra; do conflito o debate e do problema a oportunidade. Com o tempo, essa onda proativa inundará também as instituições e o aparelho público de modo geral. Teremos uma Administração mais cidadã e Poderes constituídos mais altaneiros.

E aí, você topa? Eu sim! Vamos tentar, ao menos…

Um grande abraço a todos. Compartilhe a paz!

Tiago Gagliano Pinto Alberto é Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, aprovado em 1º lugar no certame de ingresso. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Membro do Conselho Científico da mesma Instituição e pesquisador do Núcleo de Pesquisa Jurídica (NUPEJ), coordenando o grupo referente às motivações das decisões judiciais. Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador do Curso de Argumentação Jurídica ministrado nas Escolas da Magistratura dos Estados do Paraná (EMAP), Santa Catarina (TRT – 12ª Região) e Tocantins (ESMAT). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Integrante do grupo Justiça, Democracia e Direitos Humanos, sob a coordenação da Professora Doutora Claudia Maria Barbosa. Integrante do Núcleo de Fundamentos do Direito sob a coordenação do Professor Doutor Cesar Antônio Serbena, UFPR. Associado fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Conselheiro indicado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná para o Conselho Estadual de Direitos Humanos de 2011/2013 (COPED). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba, Ex-Secretário Geral da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (2011-2014). Autor de obras e artigos nacionais e internacionais.

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