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Lendo um artigo de 8 de agosto de 1999, na Folha de São Paulo, do sociólogo Alain Touraine, diretor da Escola de Altos Estudos em Ciência Sociais de Paris, percebo o quanto os sinais dos arroubos fascistas e insensibilidades sociais dessa segunda década do século XXI  são filhotes dos desatinos da globalização do fim do século XX. Uma globalização, nas palavras do sociólogo francês, citando o relatório do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), além da revista do Cepal ( Comissão Econômica para a América Latina), que é perversa, pois “o fato principal é o aumento da pobreza e sobretudo da desigualdade social.” O mais importante, continua o sociólogo, “não é que a fortuna das três pessoas mais ricas do mundo seja maior que a renda de meio milhão de habitantes dos países mais pobres, mas sim que, em nível mundial, como nacional, tenha aumentado a fratura social entre ricos e pobres. De um lado, cada sociedade vê os mais ricos destacarem-se e ligarem-se a redes mundiais, ao mesmo passo que cresce a massa de excluídos, marginalizados e desvalidos, que raras vezes representa menos que 15% da população dos países industrializados e que pode se elevar a 60% ou mesmo 80% nos mais pobres.

Touraine cita  o filósofo alemão Habermas: “o agravamento da pobreza e, onde ele existiu, o recuo da Welfare State, podem provocar uma onda de populismos de direita. Não se trata só de redistribuir; há sobretudo que reintegrar à sociedade aqueles que foram excluídos e que se sentem desenraizados. Esses tendem a se fechar em pequenos grupos, bandos de jovens ou seitas religiosas, mas podem igualmente ser arrebatados por tempestades tão fortes, a ponto de tornarem-se vulneráveis à manipulação autoritária.”

O pensador francês termina seu artigo com o seguinte apelo: “é preciso repetir todos os dias que reformas e transformações são tão possíveis quanto necessárias, e que o indispensável reforço do sistema político deve proporcionar a cada país meios de fazer recuar a desigualdade, a pobreza e a exclusão.”

Pouco mais de 15 anos depois, os debates nos jornais e revistas desse nossos  país cada vez mais desigual destacam o fato de o Enem incluir uma questão na qual o geógrafo Milton Santos, autoridade reconhecida mundialmente, associa a globalização ao aumento do desemprego.

O que diriam os intelectuais europeus, africanos, latino americanos e de muitos países asiáticos sobre essa afirmação? Tendenciosa e esquerdista? Manipuladora e doutrinaria? Ideológica e marxista? Imagino a perplexidade deles caso defrontados com essa “interpretação” dos nossos populistas de direita e de muitos jovens “vulneráveis à manipulação autoritária”.

“É só olhar os relatórios”, diriam eles. “Vocês não costumam consultar os dados internacionais sobre o aumento excruciante da concentração de renda no mundo?” “Nunca ouviram falar em Thomas Piketty?” “Acreditam mesmo que todos esses dados e relatórios são manipulações do marxismo mundial para desacreditar o, a, sabe-se lá quem?”

É incrível ( e risível) a miopia desses argumentos que querem se sustentar em pé, apesar da fragilidade na qual buscam se embasar.

Ironia ( e tristeza) : um artigo de 1999, perdido em meus livros, diz mais e melhor sobre o século que ainda não havia começado do que muitos editoriais que parecem não terem saído da sombra dos velhos discursos da guerra fria…

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