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Curitiba: reflexões sobre sua pobre vida cultural
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Gustavo Dudamel. Grande estrela da música clássica.Veio so Brasil mas não veio a Curitiba

Estive na exposição que está em cartaz no Museu Oscar Niemeyer com gravuras e instalações do artista holandês C. M. Escher. Esta exposição, extremamente bem montada, e que ficará em cartaz até meados de agosto, me surpreendeu por dois motivos: uma exposição realmente importante em Curitiba, e a afluência inédita de público. Apesar de centenas e centenas de interessados, me pergunto: por que esta é a primeira exposição de nível internacional (foi exibida anteriormente em São Paulo e no Rio de Janeiro) que chega à capital paranaense nos últimos anos? Daí faço outras perguntas que envolvem a vida cultural de Curitiba e do Estado do Paraná, e que mostram como estamos alijados da intensa atividade cultural de outras cidades e de outros estados.
O Paraná não é um estado pobre e Curitiba está longe de ser uma cidade miserável. Então vamos às questões: por que Curitiba há anos não tem sequer uma montagem profissional de ópera? Por que nomes internacionais que vêm a São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, e outras cidades, não se apresentam por aqui? Não me surpreende que o mais cotado maestro da atualidade, o venezuelano Gustavo Dudamel, e a sua festejada Orquestra Jovem Simon Bolívar, que se apresentou recentemente em São Paulo e em Brasília, não se apresentou por aqui. E também não me surpreende que as fantásticas exposições dos pintores Impressionistas e de obras de Caravaggio, que estiveram em cartaz em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, também não deram o ar da graça por aqui. Se há público, se há interessados, por que?

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Obra de Escher em excelente exposição no Museu Oscar Niemeyer

Estou em Curitiba há 28 anos, e uma coisa que me impressionou quando cheguei por aqui é a parcela que tradicionalmente se destina à cultura, tanto no Estado como na Prefeitura. Quando vim para cá era maestro do Coral Lírico do Teatro Municipal de São Paulo, e participava de modo ativo nos planejamentos das programações por lá. Meu primeiro choque, quando comecei a atuar como maestro da Orquestra Sinfônica do Paraná, é que a verba anual em 1985 para todo o ano para a Orquestra, o Ballet Teatro Guaíra e a Companhia Paranaense de Teatro (que já foi extinta) era equivalente à da verba destinada a uma única montagem de ópera no Teatro Municipal de São Paulo. Diversos governos passaram, de diversos partidos, e a coisa mudou muito pouco. Existe uma tradição de se destinar pouca verba para cultura por aqui, isto é fato. Mas outro fato, é que existe bastante procura, bastante público. Exemplo disso são as enormes filas desta exposição de Escher (fui numa quarta feira, e mesmo assim havia uma grande fila). Ignorar este imenso público potencial ou é burrice ou é desfaçatez. O que me revolta é que pude ver enormes somas de dinheiro aparecerem quando havia interesses pessoais.
Vou exemplificar. Quando em 1998 fez-se uma inauguração apressada do grande auditório do Canal da Música (prazos legais de inauguração), foi contratado um trio americano, piano, violino e violoncelo, cujos membros eram amigos de pessoas do governo. Vejam bem, apesar de o Estado ter uma orquestra, a pseudo inauguração (a maquiagem da inauguração teve que ser destruída e só um ano depois o auditório passou a funcionar) aconteceu com um Trio camerísticos. E o trio recebeu dois terços do que era a verba anual do Teatro Guaíra na época. O escândalo foi noticiado por jornais como a Folha de São Paulo, mas a coisa ficou por assim mesmo. Triste !!!

Se a coisa é tradicionalmente complicada no meio público a coisa é ainda pior no meio do empresariado. Atuei por alguns anos como diretor artístico da programação musical do auditório da então Unicenp, hoje Universidade Positivo. Só consegui trazer artistas de renome internacional como a pianista Sonia Rubinsky e o violonista Fabio Zanon pelo fato de ser amigo dos mesmos, pois a poderosa instituição oferecia valores ínfimos, muito aquém do que eles costumavam receber. O que é patente é que estes artistas atraiam centenas de pessoas nos domingos de manhã, tornando o auditório uma referência nacional. A poderosa organização não percebia o quanto isso beneficiava sua imagem.
Algo que muito me revolta é que diversas empresas paranaenses patrocinam, e pagam muito bem, eventos e acontecimentos culturais fora do Estado. E quando se fala a palavra “privatização” dos equipamentos culturais tremo de medo, pois sei que não só o governo quer tirar o corpo de sua responsabilidade, mas não haverá apoio nenhum da classe empresarial. Isto significa que a vida cultural estará comprometida.

Seria injusto deixar de citar os esforços que se faz atualmente para se ter uma atividade mínima, mesmo com pouca verba. Exemplo disso são algumas exposições, como a já citada, no Museu Oscar Niemeyer. A programação feita pela Fundação Cultural de Curitiba da Camerata Antiqua mostra uma criatividade notável com recursos tão limitados, e vejo na programação deste ano do Teatro Guaíra nomes importantes como o do violinista canadense James Ehnes (cujas gravações recentes de obras de Bela Bartók ganharam muitos prêmios) e dos pianistas Sergio Tiempo e Gabriela Montero. Só penso que isto é pouco para uma cidade que, com a região metropolitana, tem mais de dois milhôes de habitantes.

Curitiba permanece com seu ar provinciano, uma cidade onde os filmes alternativos não entram em cartaz, onde seus pintores (Miguel Bakun, que injustiçado!!!) não são conhecidos além dos limites do estado, onde o público mais curioso não reluta em pagar uma passagem aérea para São Paulo para assistir grandes músicos, ver boas peças de teatro e ver boas exposições. Como já disse, estou aqui há 28 anos, e temo que nada mude nos próximos 28 anos.

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