A campanha eleitoral nem começou – ao menos não oficialmente – e já há quem prometa gasolina abaixo de R$ 3 por litro. Difícil imaginar jeito mais fácil de agradar à plateia.
Ciro Gomes (PDT) disse na segunda-feira (19) que, se ele estivesse hoje no governo, a gasolina estaria custando de R$ 2,80 a R$ 3. Como? De acordo com o pré-candidato, basta desatrelar o preço das cotações internacionais do petróleo, “substituir o preço especulativo estrangeiro por um preço nacional razoável”.
Para tentar entender o que o pré-candidato chama de razoável, o preço médio da gasolina no país estava em R$ 4,57 por litro na semana passada, segundo pesquisa da ANP, a agência reguladora. Reduzir para R$ 2,80 significa cortar R$ 1,77 de uma só tacada. No estado de São Paulo, maior mercado consumidor, o preço na bomba era de R$ 4,35. Nesse caso, teria de cair R$ 1,55 para chegar a R$ 2,80.
Pelo que Ciro deu a entender, o milagre não viria de um corte de impostos (que no início do mês representavam em média 42% do preço na bomba em capitais e regiões metropolitanas, segundo a Petrobras); nem de uma intervenção nos ganhos de distribuidoras ou postos de combustíveis (responsáveis, juntos, por 15%); nem de mudança no custo do etanol que é misturado à gasolina (11% do preço final); e sim de uma redução nos ganhos da Petrobras (responsáveis por 32% do preço na bomba, conforme a própria estatal). Pois, segundo o pré-candidato, a razão de existir da empresa é proteger o país “dos ciclos eternos de especulação com o preço do petróleo”.
O argumento é de que a Petrobras está lucrando demais com a gasolina, para beneficiar acionistas minoritários. E quanto exatamente ela está ganhando? Difícil saber. O que se sabe é que, no início da semana passada, a estatal vendia o combustível para as distribuidoras por R$ 1,99 o litro, em média, sem impostos (esse é o valor de venda, e não a margem; não é o dinheiro que fica “limpo” para a empresa).
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Em cima desse valor inicial, que a Petrobras cobra nas refinarias, é que entram os tributos e as margens dos outros elos da cadeia. Ele teria de cair bastante para resultar num preço de R$ 2,80 na bomba. Se fosse mantida a participação que a Petrobras diz ter atualmente no preço final, de cerca de 32%, seu preço de venda para as distribuidoras teria de baixar para R$ 0,90 por litro.
Mas a comparação simples entre o preço na refinaria (R$ 1,99) e o valor final nas bombas na semana passada (R$ 4,57 na média nacional) indica que a fatia da Petrobras andava bem maior que isso, em cerca de 43%. Considerando essa proporção, o valor que a estatal cobra das distribuidoras teria de baixar para R$ 1,20 por litro para corresponder a um preço na bomba de R$ 2,80.
De um jeito ou de outro, o eleitor/consumidor ficaria muito satisfeito.
Mas o eleitor/contribuinte talvez não. Porque:
1) ele é o principal sócio da Petrobras, que teria de bancar a bondade; e
2) cedo ou tarde o presidente da República notaria a queda drástica na arrecadação de impostos sobre os combustíveis e teria de compensá-la com outros tributos, cobrados de adivinhe quem.
A última vez que o preço da gasolina nas bombas custou R$ 2,80 foi em 2013, durante o governo Dilma Rousseff, que sangrou o caixa da estatal para segurar a inflação. Faturando menos e sobrecarregada por um programa de investimentos megalomaníaco, muito influenciado pelo que se descobriu na Lava Jato e que incluía duas refinarias que sabidamente jamais dariam retorno, a estatal afundou no prejuízo e viu sua dívida disparar. É uma história bem conhecida. Não adianta culpar apenas a corrupção pelas perdas; diferentes estimativas mostram que, apesar de todo o roubo, a má gestão pesou mais.
E há um detalhe. Esse preço de 2013 é nominal. Devidamente corrigido pela inflação, ele equivale hoje a cerca de R$ 3,80 por litro. Quer dizer: nem mesmo no governo Dilma se vendeu combustível tão barato quanto o que Ciro Gomes está prometendo. Considerando os valores atualizados, em nenhum momento da série histórica iniciada em 2001 o preço foi tão baixo.
Mas Ciro diz que é capaz. Alguém vai pagar caro por isso.
PS: A declaração de Ciro Gomes sobre a gasolina abaixo de R$ 3 foi dada em entrevista durante evento da Unica, a associação das usinas de açúcar e álcool. Ele não comentou o que um preço nesse patamar significaria para a produção brasileira de etanol. Endividada e incapaz de competir, parte dessa indústria – tão exaltada pelo então presidente Lula antes da descoberta do pré-sal – foi à falência nos tempos de controle do preço do derivado do petróleo.
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