Choveu tanto aqui
Que até caiu
Outro pingo no ï
(Alvaro Posselt, poeta curitibano, num inspirado haikai sobre o clima da cidade)
Falar do tempo em Curitiba não é só uma forma de puxar papo. De dizer algo quando não se tem nada a dizer. É item de primeira necessidade. Tomando emprestado o bordão da BandNews, aqui em 20 minutos tudo pode mudar. Vai que alguém deu aquela olhadinha na moça do tempo e está mais bem informado sobre os humores celestiais… Levo ou não o guarda-chuva? Tenho de seguir o conselho de mamãe: pegar o casaquinho para sair no sereno? Em se tratando de Curitiba, sempre é útil perguntar: vai fazer sol? Ou será que vai chover?
Se bem que essa pergunta é retórica. Vai chover. Sempre chove. Pelo menos nesses tempos. E que tempo la-za-ren-to! Mas ok. O tempo úmido e instável talvez explique Curitiba e sua gente. Afinal, ele é tão ou mais curitibano que o lazarento. O termo, a expressão idiomática, que fique claro. Tanto quanto a vina, o penal, o loki, o piá, a japona e os daís que usamos para encadear as boas histórias. Tá bom, as ruins também.
Mas voltemos ao tempo. Nosso clima é mesmo lazarento. Um punhadinho de dias de sol num mês inteiro?! Em pleno verão?! Tá de brincadeira?! Mas vá lá. A verdade é que a gente nem devia reclamar. Já tínhamos de estar acostumados. Sempre foi assim.
Duvida? Em 2014, para promover as delícias do país tropical abençoado por Deus (e atrair estrangeiros para a Copa do Mundo), a Embratur lançou uma ferramenta on-line para mostrar quantos dias de sol por ano fazia em cada cidade do planeta. A ideia era mostrar como o Brasil era ensolarado. Mas deu ruim. Pelo menos por aqui. Curitiba ficou atrás até de Londres. Veja bem: da Londres mundialmente famosa pelo seu clima… sem querer ofender… lazarento! Pior para nós: de cada três dias, apenas um tem céu completamente aberto na capital das araucárias.
Tenho para mim que o cacique Tindiquera era um gozador. Pudera: o índio ia entregar assim de mão beijada as suas melhores terras para o homem branco? Reza a lenda que foi ele que guiou os portugueses desbravadores do Primeiro Planalto, escolheu um local, fincou uma estaca no chão, e disse: “É aqui! Construam sua cidade aqui”. E deve ter pensado, rindo: “Perdeu, cara-pálida”.
Agora já era. Aqui está Curitiba, erguida ao redor daquela estaca. Em meio àquele brejo. Bafejada pela umidade do mar que sobe a serra e vira nuvem. Na esquina onde o vento faz a curva e se dão os encontros furtivos das frentes frias com o ar amazônico. Resumo da ópera-bufa: chuva e umidade sobre nossas cabeças.
E por falar em bufa… Não, não, não! Antes vocês embarquem no Interbairros errado: nada a ver com flatos silenciosos. Retomando o fio da meada: e por falar em bufa, me lembrei dos bufos. Traduzindo da terminologia zoológica: sapos.
Curitiba foi conhecida por muito tempo como Sapolândia, a terra dos sapos. Darwin explica: adaptação evolutiva ao ambiente. Um ambiente, no nosso caso, pra lá de úmido. Paraíso dos batráquios. E até não muito tempo atrás, eles pulavam aos montes nos quintais das casas. Cada família tinha o seu bufo de estimação.
Mas a cidade foi crescendo e ficando metida demais para se orgulhar da velha alcunha. E os sapos sumiram. Mas não é que dia desses, em meio a um dos dilúvios que nos acometeram neste verão molhado, um senhor bufo pensou que a Rua XV tinha voltado a ser um aprazível banhado e reapareceu todo faceiro em pleno calçadão? Senhor sapo, obrigado por nos lembrar o que Curitiba é em essência: água. Muita água. Mais do que o Cavalo Babão é capaz de babar numa vida inteira.
Não tem jeito mesmo. Queiramos ou não, isso nos afeta. “Eu sou eu e minha circunstância”, já dizia Ortega y Gasset. E nossa circunstância é a umidade inevitável. Mas talvez até tenha um lado bom. Chuvinha: bom para ficar em casa. Quem sabe não seja por isso que o curitibano é um sujeito tão família, tão apegado aos seus.
Alguém pode contrapor: “Nada a ver; nosso clima é úmido e o curitibano é seco”. É o que muitos dizem. Pode ser que seja a lei da compensação. Mas também dizem que isso está mudando. Como o tempo.
Talvez o mais certo seja dizer que somos como nosso clima. Não, lazarentos, não! Se bem que tem uns lazarentos por aí… Mas isso não vem ao caso. O fato é que por vezes somos fechados, como o tempo. Mas, do mesmo jeito que por trás das nuvens do céu curitibano há um sol (acreditem, ele existe!), atrás da nossa fama de antipáticos se esconde o calor humano.
Viram? Não é que em Curitiba falar do tempo não é só um jeito de dizer algo quando não se tem nada a dizer? Pelo menos eu escrevi uma crônica inteira sobre isso. E, aproveitando que vocês ainda estão aí, me digam uma coisa: será que hoje vai chover?
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