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O princípio da intercooperação, o capital social e a sustentabilidade
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David Hume, filósofo inglês do século XVIII, discorreu sobre uma pequena parábola que reflete um dilema sobre cooperação (HUME apud PUTNAM, 1996, p. 173):

Teu milho está maduro hoje; o meu estará amanhã. É vantajoso para nós dois que eu te ajude a colhê-lo hoje e que tu me ajudes amanhã. Não tenho amizade por ti e sei que também não tens por mim. Portanto não farei nenhum esforço em teu favor; e sei que se eu te ajudar, esperando alguma retribuição, certamente me decepcionarei, pois não poderei contar com tua gratidão. Então, deixo de ajudar-te; e tu me pagas na mesma moeda. As estações mudam; e nós dois perdemos nossas colheitas por falta de confiança mútua.

A parábola de Hume demonstra que ambas as partes teriam a ganhar se cooperassem. Na falta de um compromisso mútuo confiável, porém, cada qual prefere desertar. Racionalmente, cada um espera que o outro o abandone, fazendo-o passar por “aquele que foi enganado”. Existe um entendimento de que é irracional cooperar por não haver confiança entre os agentes. Esta postura elimina as ações coletivas, ao subestimar a cooperação voluntária (PUTNAM, 1996).

O contraponto dessa parábola seria a existência da confiança e da reciprocidade, que fortalecem a integração e as expectativas mútuas de que um favor concedido hoje venha a ser retribuído no futuro. Esta visão vai ao encontro aos princípios do cooperativismo e também do conceito de capital social.

As cooperativas seguem princípios cooperativistas que tiveram origem no estatuto de Rochdale (1885), o qual apresentava as ¨regras de ouro¨ para servirem como linhas orientadoras. Buscando manter os princípios atualizados, houve revisões em 1937, 1966 e 1995, em congressos conduzidos pela Aliança Cooperativa Internacional – ACI.   Os princípios, vigentes até hoje, preconizam que as cooperativas devem se orientar por sete diretrizes fundamentais: 1) adesão livre e voluntária; 2) Gestão democrática; 3) Participação econômica; 4) Autonomia e independência; 5) Educação, formação e informação; 6) Intercooperação; e 7) Interesse pela comunidade.

O foco da abordagem de hoje é no princípio intercooperação, que contém que as cooperativas ¨servem de forma mais eficaz aos seus membros e dão mais força ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, através das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais¨.  Um bom exemplo é a utilização das operações e dos serviços bancários das cooperativas financeiras pelas entidades coirmãs, até porque não faria sentido as cooperativas buscarem em entidades bancárias convencionais as soluções que as cooperativas financeiras já oferecem, ou podem oferecer.

Nesse contexto, insere-se o capital social, que foi concebido considerando-se características da organização social, como redes e normas que facilitem benefícios mútuos através de ações coordenadas. Na arena de desenvolvimento local e regional, o capital social  é central para os debates sobre o componente sócio-cultural do processo de desenvolvimento econômico (EVANS, SYRETT, 2007).

O desenvolvimento econômico é cada vez mais abordado pela  perspectiva da sustentabilidade, que funciona como um pacto inter e intrageracional, de  modo que as decisões e práticas de hoje não afetem negativamente as gerações futuras. Pelo conceito do triple bottom line desenvolvido por Elkington (2012), em todas as decisões organizacionais devem ser levados em conta, de forma sistêmica, as dimensões econômica, social e ambiental.

Considerando que a intercooperação induz à prática da solidariedade, que faz parte da concepção mais nobre do cooperativismo, será que a consequente existência do chamado capital social nas relações entre cooperativas poderia gerar o compartilhamento e difusão de práticas de sustentabilidade?

Minha opinião vai ao encontro da abordagem de Groootaert (1997), que discorre que as tentativas de monitorar e avaliar o progresso dos objetivos explícitos do desenvolvimento do capital social desenvolve a consciência de metas coletivas relacionadas com ações econômicas e contribui para a sensibilização de como o capital social é tanto uma entrada como a saída de um processo de desenvolvimento sustentável.

Considerando que as cooperativas devem integrar-se com uma crescente gama de parceiros, buscando novas formas de simbiose que auxiliarão cada parceiro a desempenhar tarefas tradicionais de forma mais eficiente, além de prover uma plataforma a partir da qual poderão alcançar objetivos que não poderiam alcançar sozinhas,  penso que a ênfase na cooperação, confiança e normas de reciprocidade no capital social  pode ser importante para a construção de culturas de associação necessárias para o desenvolvimento de ações voltadas para a sustentabilidade.

Sendo assim, é possível concluir que sexto princípio do cooperativismo, intercooperação, mantém forte aderências com o conceito de capital social. Esses dois  elementos, vistos como complementares, podem configurar-se como indutores no processo de desenvolvimento econômico sustentável, na medida em que enfatizam a confiança e a cooperação, favorecendo o surgimento de culturas de associação e difusão de práticas socialmente justas, ambientalmente corretas e economicamente viáveis.

Referências:

ELKINGTON, J. Sustentabilidade, canibais com garfo e faca. São Paulo: M.Books do Brasil, 2012.

EVANS, M.; SYRETT, S.  Generating Social Capital? The Social Economy and Local Economic Development. European Urban and Regional Studies. V.14, n.5, 2007.

GROOTAERT, C. Social Capital: the Missing Link? Expanding the Measure of Wealth: Indicators of Environmentally Sustainable Development. Washington, DC: The World Bank. 1997.

PUTNAM, R.D.  Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: FGV, 1996.

 

*Artigo escrito por Rodrigo Casagrande, Doutor em Administração de Empresas, com Doutorado Sanduíche na Université de Montréal para realização de tese sobre legitimação de práticas de Responsabilidade Social Corporativa. Leciona no MBA da FGV Management as disciplinas de Sustentabilidade Corporativa e Governança Corporativa. Também faz parte da equipe de professores do Mestrado em Governança e Sustentabilidade do ISAE, onde leciona a disciplina Gestão e Governança Corporativa. O ISAE/FGV é uma instituição parceira do Instituto GRPCOM.

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